Criminalização das fake news exige a criação de um novo tipo penal

Autores: Daniel Allan Burg e Marcela Greggo (*)

 

O Projeto de Lei 6.812/2017, de autoria do deputado federal Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), pretende instituir como crime a ação de quem “divulgar ou compartilhar, por qualquer meio, na rede mundial de computadores, informação falsa ou prejudicialmente incompleta em detrimento de pessoa física ou jurídica”.

Já o Projeto de Lei 473/2017, de autoria do senador Ciro Nogueira (PP-PI), pretende acrescentar ao Código Penal uma nova tipificação de divulgação falsa, consistente em “divulgar notícia que sabe ser falsa e que possa distorcer, alterar ou corromper a verdade sobre informações relacionadas à saúde, à segurança pública, à economia nacional, ao processo eleitoral ou que afetem interesse público”.

Não é de hoje que a propagação de notícias falsas — com aparência de verdadeiras — está sendo disseminada pela rede mundial de computadores, gerando enorme influência política. Tal cenário teve início não só com a popularização da internet, mas também com a descentralização da veiculação do conteúdo que é publicado e compartilhado nas redes sociais.

Dessa forma, uma grande quantidade de notícia é lançada na internet sem a preocupação quanto à veracidade e à qualidade da informação.

As fake news ficaram mundialmente conhecidas nas eleições americanas de 2016, quando a campanha de Donald Trump esteve sob suspeita devido à suposta divulgação de inúmeras notícias falsas. Mereceram destaque as publicações dando conta de que o Papa Francisco estaria apoiando o presidente dos Estados Unidos, assim como aquelas que noticiaram que o agente do FBI responsável por investigar supostas condutas irregulares perpetradas por Hillary Clinton tinha morrido.

É averiguada a participação, nesses eventos, do governo da Rússia, que, ao que parece, seria o responsável pelas contas automatizadas nas redes sociais, conhecidos como robôs, que propagam e aumentam artificialmente a força da notícia.

Nesse aspecto, cumpre destacar que o problema não reside, apenas, na divulgação de algumas notícias de veracidade duvidosa, mas também na forma como estas são propagadas nas redes sociais. Como apontado acima, existem, atualmente, empresas que, além de criar conteúdos distorcidos da realidade — seja para uma determinada pessoa obter vantagem, seja para tirar a credibilidade de certa figura ou governo —, detém alta tecnologia, no caso, robôs capazes de disseminar fake news e alterar por completo a sua popularidade.

Analisando os grandes exemplos de fake news já averiguados, é possível perceber, em todas essas situações, um alto grau de compartilhamentos e disseminação da informação no debate político mundial.

Ao mesmo tempo, o trabalho — aparentemente simples — dos diversos canais que desempenham o importante papel de fact-checking das notícias vem ficando cada vez mais obsoleto em virtude da sofisticação das fake news.

Nessa questão, podemos perceber que os usuários das redes sociais, devido à descentralização da informação, que apenas é possível graças à internet, perderam referência no que tange à diferenciação de uma notícia e passaram a compartilhar informações advindas dos mais diferentes meios de informação.

Nesse cenário, quem mais sai perdendo é a população em geral, que, ao se deparar, por exemplo, com uma notícia falsa compartilhada milhares de vezes, vai depositar importância na publicação e tomá-la como verdade.

Como forma de, ao menos, tentar reduzir esses riscos, a Folha de S.Paulodivulgou, recentemente, seu novo projeto editorial, o qual pretende distinguir o compromisso do jornalismo em publicar notícias e a proliferação de publicações falsas nas redes sociais.

Ademais, recentemente o ministro presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luiz Fux, afirmou que, nas próximas eleições brasileiras, um candidato poderá sofrer punições caso, em sua campanha, ficar comprovada a utilização de fake news.

Nesse sentido, foi criada uma comissão para o combate das notícias falsas, a qual contará com representantes do Ministério Público Federal e da Polícia Federal. Afinal, segundo o ministro, não basta apenas punir o candidato, faz-se necessária, também, a realização de busca e apreensões dos meios eletrônicos e locais responsáveis pela distribuição das fake news.

Tal atitude visa barrar a possível contratação de empresas de tecnologia que, através da utilização de robôs virtuais, criam, espalham e iludem artificialmente o poder da notícia falsa.

A importância de se tomar uma atitude frente à disseminação das fake news está umbilicalmente ligada ao momento em que vivemos, no qual a propagação de novas tecnologias mudou completamente a relação existente entre informação divulgada e pesquisada. Note-se que, há não muito tempo atrás, as pessoas se atualizavam a respeito do cenário nacional através da leitura de jornais, revistas e telejornais que eram nacionalmente conhecidos.

Hoje, no entanto, a utilização desenfreada das redes sociais e a função que a própria internet passou a ter sobre a vida da população mudou a forma como as pessoas lidam com as notícias que são divulgadas.

Dessa forma, o que se pode concluir é que está longe de ser irrisório o potencial danoso que pode ser causado por quem busca, a qualquer preço, se promover ou prejudicar alguém através da utilização delas.

Sendo assim, faz-se necessária a criminalização da criação — e, em alguns casos, da divulgação — das fake news, uma vez que não existe, hoje, nenhuma tipificação penal apta a proteger a qualidade e a veracidade da informação veiculada nos mais variados tipos de mídia.

Os crimes de calúnia, injúria e difamação, tipificados, respectivamente, nos artigos 138, 139 e 140, todos do Código Penal, não cumprem com a aludida finalidade, afinal, como bem se sabe, tutelam, apenas e tão somente, a honra de quem se sentir atingido em detrimento de condutas que envolvam seu nome em particular.

O bem jurídico que se pretende proteger com a criação desse novo tipo penal, conforme bem demonstra a exposição de motivos de ambos os projetos de lei mencionados no início do presente artigo, é, portanto, completamente diverso daquele tutelado pelos aludidos delitos. Afinal, quando uma suposta notícia falsa versa sobre política, economia, segurança e saúde, a vítima, muitas vezes, não pode ser identificada.

Porém, cumpre distinguir a criminalização das fake news da censura. Ao mesmo tempo em que há a necessidade de tutelar a criação e a divulgação maliciosa da notícia falsa, não se pode proibir a população de publicar conteúdo de informação sob o possível argumento de que somente jornalistas é que detêm competência para tanto.

Assim, com a finalidade de evitar os costumeiros abusos, a criminalização das fake news somente deve ocorrer quando evidenciado que o seu criador — e o mesmo vale para os eventuais compartilhadores — tiver agido com o dolo de disseminar, a fim de prejudicar ou alterar a verdade sobre fato relevante, notícia que saiba ser falsa.

 

 

 

Autores: Daniel Allan Burg é sócio do Burg Advogados Associados, pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal Econômico pela Escola de Direito do Brasil.

Marcela Greggo  é advogada criminalista no Burg Advogados Associados e pós-graduanda em Direito Penal Econômico pela Fundação Getulio Vargas.

 


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