Gisele Leite*
O cenário é magnífico, nada menos que a cidade maravilhosa, mas no entanto, repetimos a situação que narramos no texto “Bem no Olho do furacão”. Não adianta dizer que tudo não passa de boato. O fato é que o cidadão resta ameaçado e restringido no seu ir e vir, escolas fecham, ônibus param de circular, incendeiam carros e coletivos em vias públicas, fazem barricadas e, simplesmente, interditam ruas que são vitais para o acesso do centro da cidade.
A governadora, previamente avisada desta vez, pelo menos não se pode dizer surpreendida. Pôs a polícia de plantão e, ainda assim, o cidadão foi obrigado a viver um feriado forçado.
Esta sensação de impotência e de medo nos traduz uma silenciosa guerra civil, que faz com que não se possa ir trabalhar, não se possa ir a lugar algum, nem mesmo ao médico em caso de emergência, pois os postos de saúde nem abrem. E se abrissem seria sem médicos e sem funcionários.
Ficamos aqui pasmados, ouvindo pronunciamentos de autoridades cada uma jurando que tudo está em ordem, e, então, para onde foram todos? Por que fogem? Do que têm medo?
Com certeza não é do bicho-papão, apesar de nos tratarem tão infantilmente com explicações pachorrentas e por vezes ingênuas…
O Estado do Rio de Janeiro vive um terrível crise econômica-financeira, em paralelo, suspeitas erguem sombras sobre o passado político de alguns, houve conluio? Houve omissão? Mas com certeza houve a corrupção que levou alguns milhões de dólares a passearem definitivamente na Suíça.
Quem tem o dever de manter a segurança não está bem equipado, quem tem o dever de assegurar o mínimo ao funcionalismo, também não está devidamente guarnecido, são estados falidos, governos enfermos, e abatidos com manifestações legítimas que pretendem apenas cobrar o que as leis garantem…
Será que garantem mesmo? Até mesmo o judiciário está ameaçado de não receber seus salários… e, então a nossa já prestigiosa e lenta justiça, corre o risco de ficar a míngua… o que resta acontecer…?
Desculpem-me se hoje somente perplexidade tenho a exprimir, mais um 30 de setembro em pleno 24 de fevereiro de 2003. Naturalmente quando o carnaval chegar, tais maus presságios também dissiparam ao sabor da alienação profunda e da conformação doentia de quem tem pouca memória… O Brasil esquece rápido de suas mazelas, e, assim finge que as cura.
Será necessário uma habeas corpus para ser um simples cidadão? Será necessário impetrar um mandado de segurança capaz de garantir-me o meu líquido e certo direito de ir e vir, de abrir meu comércio, de transitar pelas ruas, de ir ao médico, de ir a escola, e, principalmente que garanta alguma paz para trabalhar… Coitados dos hipertensos, nesta grande frigideira que virou o Rio de Janeiro!
Nossos impostos pagos regiamente deveriam nos credenciar a um tratamento pelo menos mais adequado e digno. O cidadão se vê diariamente aviltado, mas quando um episódio deste acontece, é de enfurecer até monges…Precisamos fazer viger os fundamentos constantes no art. 1º, incisos II,III e IV e ainda o art. 2º, incisos II, III e IV da Constituição Federal.
Defendo a necessidade imperiosa de uma intervenção federal, prevista no art. 34 da CF/1988, principalmente com fulcro no inciso V in verbis: “para reorganizar as finanças da unidade da Federação que: (…)”, e ainda o inciso VII – assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais, c) direitos da pessoa humana;
Da ótica do direito constitucional, a intervenção federal é instituto peculiar aos regimes federativos, segundo o qual o governo central – a União – com o fim de manter a ordem política ou a unidade nacional, ou ainda, assegurar a soberania nacional, apodera-se temporariamente do governo de um dos Estados-membros , através de agente da sua imediata confiança, com os poderes de interventor.
A situação do Rio de Janeiro, é inadmissível para quem pretende viver num estado de direito. A CF/1.988 criou dois mecanismo de defesa do Estado e das instituições democráticas, a saber: o estado de defesa e o estado de sítio.
A decretação do estado de defesa se destina a preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.
O estado de defesa é decretado por tempo determinado e especificará as áreas abrangidas, e indicará em seu termo os limites da lei, bem como as medidas coercitivas a vigorarem dentre as elencadas no parágrafo primeiro, I, a a c e II do art. 136 da CF/1988.
Não será este, mesmo necessário para garantir a paz pública em terras cariocas? Enquanto isto aguardamos em nossas rotinas são alteradas, e, nos sobressaltos hediondos de um cidadão à procura de paz.
E a governadora protege palácio e residência com barricadas da polícia, se ela tem medo, imagine nós? Que precisamos viver no Rio, a cidade sitiada pelo medo.
Gisele Leite é advogada no Rio de Janeiro