Critério de escolha nunca influiu na grandeza da Corte

por Estefânia Viveiros

Espera-se para esta semana, com a aposentadoria do ministro Carlos Velloso, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva indique outro ministro para o Supremo Tribunal Federal, o quinto em seu governo. A se confirmarem os rumores de que os ministros Nelson Jobim e Sepúlveda Pertence também deixarão seus cargos, esse número subirá para sete, numa Corte de 11 integrantes.

Nunca, em tempos democráticos, um presidente da República teve tamanha capacidade de influenciar a composição da mais alta Corte do país, ficando próximo do número de indicações feitas à época da ditadura militar: os generais Castelo Branco, com oito, e João Baptista de Figueiredo, com nove. Deverá empatar com Ernesto Geisel, que também indicou sete. Os antecessores civis de Lula – Fernando Henrique Cardoso, Itamar franco, Fernando Collor de Mello e José Sarney indicaram, respectivamente, em número de três, um, quatro e cinco.

Com uma larga tradição de influências político-partidárias na hora da escolha dos nomes, era de se esperar que, nos últimos dias, tenham surgido tantas listas de supostos favoritos, nas quais aparecem, invariavelmente, ao menos duas mulheres. Como reação, era também natural que algumas corporações entrassem em cena, fosse para criticar o critério de escolha em vigor (com o indicado submetendo-se à sabatina do Senado), fosse para defender seus pares.

E em meio a essa discussão, até uma Proposta de Emenda Constitucional foi apresentada, de autoria do senador Jefferson Peres (PDT-AM), com o intuito de modificar o sistema atual, dando aos órgãos representantes da Magistratura, do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil, mediante eleição, o direito a lançar dois candidatos que seriam, depois, escolhidos dentro do próprio Supremo, em votação secreta.

O modelo que o Brasil adota, consagrado em nossa Constituição, foi inspirado na Carta dos Estados Unidos, como, aliás, o nosso sistema representativo de governo. Como de resto, pode ser bom ou ruim, dependendo de como é aplicado pelo presidente de plantão. No nascer da República, desgostoso com o desempenho do Supremo, o então presidente Floriano Peixoto nomeou um médico e dois generais para preencher suas vagas. Não é o caso, agora.

Se examinarmos a história do Supremo, vamos nos deparar com algumas das mais belas páginas de civismo e de cidadania. Sublevações e golpes de Estado, sucessivas constituições, atos institucionais vilipendiosos, suspensão de garantias constitucionais, desobediência às decisões emanadas dos Tribunais têm sido uma constante na história do STF. Mas a dignidade desta Corte se manteve e se mantém, mesmo em momentos de grande tensão e contrariedade.

O próprio Lula é a demonstração pura e acabada de que o Brasil vive um processo contínuo de transformação e que a sociedade, pela vontade de suas maiorias e arregimentação de suas entidades civis, tem sinalizado no sentido da modernização institucional e política, cujos eixos repousam numa base moral e ética.

Por vivermos um momento particularmente tenso, estamos na iminência de abrirmos um ciclo de mudanças fundamentais para o revigoramento de nossas instituições. É preciso resistir e conter as forças do atraso, que teimam em querer segurar a dinâmica do tempo, como se isso fosse possível e, por conseguinte, perpetuar o estado das velhas práticas e de uma ordem política compromissada com o passado.

Da mesma forma, penso, essas forças não podem conter a escalada das mulheres em ocupar postos importantes na administração pública. Michelle Bachelet, a recém-eleita mandatária do Chile, surge no cenário político latino-americano em um momento particularmente especial. Aqui mesmo, no Brasil, na esteira da sucessão do Supremo, teremos em breve o comando da ministra Ellen Gracie, por sinal a primeira mulher a ocupar uma cadeira naquela Corte desde a sua criação, em 1828. Primeira e única, até agora.

O Direito, que já foi assunto de homem, no Brasil é cada vez mais ocupado por mulheres. Dos 500 mil advogados no exercício da profissão, 45% são mulheres, sendo que na maioria dos Estados – inclusive no Distrito Federal –, dentre os profissionais com até cinco anos de carreira, elas são maioria.

Nunca se viu tantas mulheres em tribunais de primeiro e segundo graus, em cargos de magistratura e dentro do Ministério Público. De acordo com os dados do Tribunal Superior do Trabalho, as mulheres já ocupam 43,1% das vagas nas Varas do Trabalho, 41,9% dos postos na Justiça do Trabalho e 37,1% das colocações nos Tribunais Regionais do Trabalho em todo o país.

Do mesmo modo, quem imaginava também a política como coisa de homem deve prestar atenção aos números do Tribunal Superior Eleitoral, que apontam as mulheres como maioria do eleitorado, sobretudo nas grandes concentrações urbanas, como São Paulo, Rio, Minas e Bahia.

Se há critérios em discussão, então nada disso pode ser desprezado.

Revista Consultor Jurídico

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