Cuidados e benefícios legais dos ativos intangíveis

José Roberto Martins

Ativos intangíveis são fatores imateriais de competitividade e incluem: contratos ou direitos exclusivos de distribuição, representação, exploração ou fabricação; copyright; fórmulas, sistemas ou processos industriais; serviços exclusivos; patentes; softwares; outros.

As pessoas ou organizações possuem um conjunto único de ativos intangíveis, todos identificados, classificados e organizados durante um procedimento denominado “avaliação de ativos intangíveis”.

Para ser considerado formalmente um “ativo intangível” é necessário que o bem avaliado esteja caracterizado através de um contrato, ou outro instrumento que ateste a sua titularidade e escopo. Também é necessário demonstrar sua condição de contribuir com o volume de vendas, lucros ou outro indicador de competitividade monetária que possibilite a geração de receitas ao longo de um determinado período.

Nem todos os ativos intangíveis geram caixa diretamente, ainda que sejam relevantes para tal finalidade. Um exemplo são os recursos humanos, indiscutivelmente um fator intangível de competitividade. Entretanto, nenhuma organização pode formalmente declarar que é “dona” dos seus funcionários. Em tal caso, cabe melhor a definição de “capital intelectual”. Através dos recursos da “gestão do conhecimento” é possível identificar os valores humanos indispensáveis, incentivar e controlar a sua capacidade de contribuir para a competitividade das organizações.

Marcas e avaliações
As marcas são os ativos intangíveis mais conhecidos e valorizados, mas não em todos os casos, na mesma proporção. Uma mineradora, por exemplo, em relação a um banco, tem valor relativo de marca, ainda que ambos possuam um conjunto imenso de intangíveis. Para a mineradora, valem muito mais seu conjunto de licenças ambientais e de exploração, enquanto para o banco valem igualmente seus contratos, capilaridade e a credibilidade da marca entre a grande população, outros bancos e empresas. A imagem organizacional é fundamental para ambos.

Não se deve levar a sério os rankings publicados em jornais e revistas sobre o valor das marcas, justamente porque elas exigem uma estrutura organizacional muito complexa. Determinar com critério o valor monetário dos ativos intangíveis é um trabalho difícil e de especialização ainda rara. Embora existam diversas metodologias para tal finalidade, é arriscado inferir a respeito das diferenças entre as marcas através de um ranking.

É muito comum que a maioria dos avaliadores olhe para trás e tente apenas projetar o futuro. Costumam analisar os três últimos balanços e fazer um fluxo de caixa projetado da marca, por exemplo, por um período que varia entre cinco e vinte anos, conforme o setor de atuação da marca e a sua idade. Apuram o valor presente, utilizando uma taxa de desconto, raramente inferior a doze por cento.

O fluxo de caixa é um instrumento necessário, mas a sua utilização genérica apenas prejudica as partes interessadas, e por uma razão muito simples: não é recomendável acreditar que o futuro de uma marca será apenas a repetição projetada do seu passado. Marcas e demais ativos intangíveis devem contribuir para a diferenciação e progressão sustentada de um negócio, sistema ou processo.

Espera-se dos avaliadores competentes a capacidade de investigar com propriedade os fatores, trabalhar cenários e traçar perspectivas que resistam às mais severas críticas técnicas, favorecendo a compreensão dos ativos intangíveis em uma dinâmica além do tempo atual. Afinal, de que adianta remunerar o valor de um bem intangível se não for possível melhorar as suas vantagens competitivas, se é que elas existem.

As marcas são cada vez mais valorizadas nos negócios de compra e venda de empresas, já que é possível, inclusive, distribuí-las sequer sem dispor de máquinas ou equipamentos próprios. É até vulgar o exemplo da marca Nike, que não possui fábricas e lidera mundialmente em seu campo de negócios. Franquias e licenciamentos são, em essência, direitos de exploração de imagem de marcas.

Quando empregamos o termo “ativo”, estamos normalmente tratando da capacidade de geração de caixa. Mas, ao comprar, investir, vender ou se associar a um negócio, é fundamental reconhecer e medir os aspectos monetários e não-monetários. Portanto, nem todas as providências de avaliação devem se concentrar na arbitragem de um valor monetário. É fato que não precisamos ver a carteira de identidade do produtor das marcas que compramos, mas queremos saber se também estamos levando uma estrutura por trás delas.

Para a maioria dos negócios tornou-se fundamental identificar, administrar e controlar os aspectos imateriais de competitividade: gestão do conhecimento; atendimento aos consumidores; eficiência industrial; distribuição; comunicação; outros.

Quanto maior a importância da imagem, maior é a dependência de um conjunto bem orquestrado de ativos intangíveis. Atualmente, nos processos de governança corporativa e balanço social, é fundamental identificar e demonstrar ao público os fatores imateriais de ameaças, oportunidades e até dos riscos gerenciais dos negócios.

Também estão aumentando os sistemas formais e informais de regulamentação. A IFRS 3 (International Financial Reporting Standard) do Reino Unido, FASB (Financial Accounting Standards Board) americana, dentre outras, possuem diversos mecanismos de reconhecimento e contabilização de intangíveis, enquanto as diretrizes da Sarbanes-Oxley são essencialmente ligadas a fatores intangíveis de administração de empresas.

O acordo da Basiléia 2 recomenda aos bancos que incluam avaliações qualitativas em suas análises de crédito. A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) também começa a regulamentar a ativação dos bens imateriais.

Utilização legal
Em condições normais, não são necessários cuidados legais extraordinários com os ativos intangíveis. Quando elaborados com competência, os contratos de venda, compra, licença ou exploração, além dos registros nos órgãos responsáveis, são plenamente adequados para permitir que os intangíveis sejam administrados apenas no âmbito e limites da inteligência e competência de cada organização.

Devido ao crescente interesse e desenvolvimento da idéia de valorização dos ativos intangíveis, e dependência crescente dos recursos humanos, temos percebido que o Judiciário brasileiro tem recorrido bastante ao conhecimento especializado dessas questões, todavia sem muitas vezes receber respostas compreensivas, em harmonia com as melhores práticas internacionais.

O que a nossa experiência tem comprovado, é que a avaliação eficiente é capaz de oferecer decisões seguras a respeito do uso legal dos ativos intangíveis. Fundamentalmente, é precioso entender que o valor monetário desses ativos não se revela e se sustenta nos casos de sua iminente liquidação. É determinante compreender que a melhor avaliação orientará seguramente a respeito da capacidade de renovação, valorização e remuneração dos intangíveis.

O diagrama seguinte resume as possibilidades e alcance dos trabalhos de avaliação de ativos intangíveis, no caso a sua utilização combinando objetivos legais e gerenciais.

Benefícios
Além dos eventos de fusão, aquisição, investimento interno e externo, as avaliações também são utilizadas para melhorar a estrutura patrimonial (PL negativo), ou para a oferta judicial de garantias, por exemplo, penhora (artigo 655, CPC). Relembre-se que a avaliação dos bens intangíveis é obrigatória em determinados casos, como o falecimento ou saída de sócio, dentre outras circunstâncias.

Embora existam certas restrições dos atos inferiores da CVM e IBRACON para a avaliação e/ou reavaliação dos bens intangíveis, o que se percebe é que a providência não pode ser feita sem uma razão determinada. Em Juízo, desde que haja interesse jurídico, a reavaliação de intangíveis não encontra nenhum óbice. Se houver interesse justificado, ainda que de natureza econômica, a reavaliação não deveria ser negada, em nenhuma circunstância.

Para as sociedades de capital fechado é mais simples avaliar e lançar o valor nos balanços (desde que fundamentado por laudo técnico). Para as empresas de capital aberto, a questão está em saber se a empresa pode fazer a reavaliação e esperar a reação da CVM, ou deve ingressar em juízo para obter a declaração do seu direito de reavaliar aqueles bens. Pode fazer a reavaliação, desde que possa, posteriormente, demonstrar a necessidade que a obrigou a tomar esta resolução.

Ainda que a Deliberação CVM 488 de 3 de outubro de 2005 faça referência a “reconhecimento e depreciação/amortização/exaustão de ativos tangíveis e intangíveis” (89.f), verificamos sua limitação a “marcas e patentes e semelhantes, adquiridos; fundo de comércio adquirido” (72.e).

Como essa dinâmica se relaciona ao contexto de goodwill, é necessário ir um pouco além sobre o direito (e dever) de cada empresa apurar e revelar aos seus públicos o seu conjunto legítimo (compreensivo) de ativos. Ainda é improvável que qualquer ato regulatório seja capaz de harmonizar, pelo menos, as diferenças naturais entre as empresas.

Fundamental é oferecer segurança jurídica. O investidor, ex-sócio ou o credor, com base no balanço clássico que lhe é apresentado, pode não ter uma noção exata do valor da empresa; dos seus riscos, vantagens, ameaças ou oportunidades. Como os intangíveis normalmente não estão incorporados nos balanços, é quase certa a ocorrência de distorções e conflitos, nodatamente nos casos de partilha, saída ou exclusão de sócios. Alguém sempre perderá se não houver a apuração completas dos valores intangíveis e tangíveis das organizações.

Laudo Técnico
É um documento de credibilidade e responsabilidade legal. Para materializar a existência dos ativos intangíveis, o documento deve reunir um conjunto mínimo de dados: perfil, objeto social e histórico da titular dos ativos; identificação, caracterização, organização e propriedade legal dos ativos intangíveis; perspectiva de riscos, ameaças e oportunidades; estrutura atual para distribuição, comercialização e assistência técnica; critérios e objetivos da avaliação; metodologia da avaliação.

Também deve conter anexos fundamentais, incluindo: cópias das planilhas de cálculo e Certidão de Regularidade e Funcionamento da avaliadora no Conselho Regional de Economia (Resolução Cofecon 860/74 e complementares).

Atualmente, os laudos de avaliação de ativos intangíveis diferem bastante dos trabalhos convencionais de perícia judicial, notadamente no que se refere ao tratamento do clássico goodwill (fundo de comércio). Nem sempre o valor de uma organização rica em intangíveis está restrito a diferença entre o valor contábil e o valor de mercado.

Embora se tenha a noção de que o goodwill seja uma espécie de valor agregado, é preciso lembrar que o mesmo se revela formalmente apenas nos casos de venda, quando efetivamente o dinheiro muda de mãos e alguém se dispõe a pagar pelo conjunto não contabilizado de vantagens imateriais do negócio.

Lembramos que é necessário proteger, sustentar e valorizar os intangíveis. Portanto, segundo a moderna teoria econômica, não existe segurança para assumir que uma perícia baseada em goodwill vá alcançar plenamente os fatores de valorização ou desvalorização dos ativos intangíveis.

O que se entende cada vez mais, e que as avaliações devem esclarecer, é que a liquidação através dos critérios convencionais normalmente depreciam os ativos intangíveis, quase sempre lembrados quando as organizações se encontram em algum nível crítico de problemas e, portanto, sujeitas aos riscos de desaparecimento.

Conhecer, controlar e promover o valor dos bens intangíveis antes do agravamento de conflitos é um progresso notável, e certamente benéfico para os envolvidos, assegurando que os fatores essenciais de valor e competitividade possam ser protegidos e utilizados para valorizar o negócio, e não simplesmente liquidá-lo.

Referências
— Andriessen, Daniel (2004). Making sense of intellectual capital, Elsevier;
— Edvinsson Leif, Malone, M. (1998). Capital Intelectual (Makron);
— Lev, Baruch (2001). Intangibles: management, measurement, and reporting, Brookings.
— Martins, José Roberto (2006). Branding, um manual para você criar, gerenciar e avaliar marcas
— Standfield, Ken (2002). Intangible management. Tools for solving the accounting and management crisis, Academic Press.

*http://ultimainstancia.uol.com.br

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