1. Considerações acerca da culpabilidade como elemento do crime
Após a reforma na parte geral do Código Penal brasileiro, trazida pela Lei n.º 7.209 de 11 de julho de 1984, foi muito difundida no Brasil por grandes doutrinadores, como Damásio Evangelista de Jesus, o conceito formal ( aspecto analítico) de crime como sendo um fato típico e antijurídico. A culpabilidade, juízo que tem como pressuposto lógico a liberdade do homem ( JESCHEK/WEINGEND. Tratado de Derecho Penal- Parte General. Granada, 1993), seria mero pressuposto da pena, não integrando a estrutura do delito.
Todavia, necessário é analisar tal conceito, a fim de saber se ele realmente se adequa às doutrinas introdutoras do finalismo, ou mesmo nas fontes primordiais do Direito. A única certeza que se pode extrair tanto desse, quanto de outros estudos acerca da matéria, é que se trata de um assunto doutrinariamente controvertido.
Citando Fernando Elutério ( Análise do conceito de crime. Disponível em http://www.uepg.br/rj/a1v1at09.htm ), “ enquanto alguns pretendem retirar um dos seus elementos, outros, desejam acrescentar novos. Sobre este assunto, o Prof. Luiz Alberto MACHADO esclarece que ´o conceito analítico do crime vem sofrendo profundo reexame do mundo jurídico-criminal. A mais ou menos pacífica e tradicional composição tripartida (tipicidade, antijuridicidade, culpabilidade) tem trazido inquietações, seja pela estrutura interna desses elementos, com a transposição de fatores de um para outro, seja pela atual tentativa de retorno a uma concepção bipartida.´”.
Disse HANS WELZEL ( El Nuevo Sistema del Derecho Penal- Una introdución a la Doctrina de la acción finalista. Barcelona: Ariel, 1964. Pg. 80), “ pai” do finalismo, como bem citado por LUIS AUGUSTO FREIRE TEOTÔNIO ( Culpabilidade: Concepções e Modernas tendências Internacionais e nacionais. Campinas: Ed. Minelli, 2002. Pg. 30) que “ a culpabilidade é uma qualidade negativa da própria ação do autor e não está localizada nas cabeças das outras pessoas que julgam a ação”.
Na mesma obra, há a manifestação de HANS-HEINRICH JESCHEK ( Tratado de Derecho Penal. Barcelona: Bosch, 1981. V. 2. Pg. 335), afirmando que “ diante do tipo do injusto, como conjunto de todos os elementos que fundamentam o conteúdo do injusto típico de uma classe de delito, encontra-se o tipo de culpabilidade. Compreende os elementos que caracterizam o conteúdo da culpabilidade típico de uma forma de delito. A união do tipo do injusto e tipo de culpabilidade origina o tipo do delito”.
São tais lições, nesse sentido, conflituosas com a de FERNANDO CAPEZ ( Curso de Direito Penal- parte geral. São Paulo: Saraiva, 2002. V.1. Pg. 265), que diz que a culpabilidade “ não se trata de elemento do crime, mas pressuposto para imposição de pena, porque, sendo um juízo de valor sobre o autor de uma infração penal, não se concebe possa, ao mesmo tempo, estar dentro do crime, como seu elemento, e fora, como juízo externo de valor do agente”. Posição essa, como dito, sustentada por grandes doutrinadores brasileiros.
Não é de se olvidar que o entendimento de crime como sendo apenas um fato típico e antijurídico é conflituosa com a Constituição Federal, em seu artigo 5.º, inciso XXXVIII, alínea d, que dá à instituição do júri, a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Se um menor, por exemplo, mata uma pessoa dolosamente, segundo tal corrente ele cometeu um crime. Todavia, falta-lhe a imputabilidade, sendo, logo, aplicado-lhe as normas contidas na Lei n.º 8.096/90. É, indubitavelmente, contraditório com o disposto na Carta Magna, pois sendo um crime contra a vida, caberia à tal instituição o julgamento.
Entretanto, considerando a culpabilidade como elemento do crime, o conflito com o dispositivo constitucional desaparece, pois a inimputabilidade do menor faz levar à descaracterização do crime. Haveria apenas o chamado ilícito ou injusto penal ( pois o crime, afinal, é um fato incidente no âmbito jurídico).
Relativamente à teoria de culpabilidade como apenas um juízo externo de valor sobre a pena, cita-se as palavras de JUAREZ TAVARES ( Teorias do Delito: Variações e tendências. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980): “ O primeiro problema que surge dessa posição é que não se pode dizer que o pressuposto da pena seja tão somente a culpabilidade, mas, igualmente, todos os demais elementos do delito e ainda as condições objetivas de punibilidade. As expressões ‘ pressupostos da pena’ abrange, portanto, um campo muito mais amplo do que essa pretendida teoria “. Aproxima-se em muito da concepção de crime de CLAUS ROXIN, como sendo um fato típico, antijurídico, culpável e responsável ( ou seja, se faz necessário ativar o jus puniendi estatal).
2. Conclusão
Data venia, aproximando-se de uma época em que o finalismo está para ser substituído por um teoria social de ação, a concepção da estrutura do delito cultuada por parte do meio doutrinário brasileiro apresenta-se demasiadamente ineficaz. Não se pode, sob forma alguma, relegar um conceito tão grave quanto o de um delito, a apenas a tipicidade do fato e sua antijuridicidade. É necessária uma análise mais ampla e sociológica, que pode ser dada, em verdade, não apenas pela culpabilidade, mas também pela punibilidade, o que nos aproximaria da quadripartição da teoria do delito feita na Europa, após muitos séculos de intensos estudos sobre tão controvertida matéria.
3. Bibliografia
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal- parte geral. São Paulo: Saraiva, 2002. V.1.
ELUTÉRIO, FERNANDO. Análise do conceito de crime. Disponível em http://www.uepg.br/rj/a1v1at09.htm
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. 25.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. V.1.
SCHÜNEMANN, Bernd. La culpabilidad: Estado de la cuestión. In Sobre el estado de la teoría del delito ( Seminario en la Universitat Pompeu Fabra). Madrid: Civitas Ediciones, 2000.
TAVARES, Juarez. Teorias do Delito: Variações e tendências. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980.
TEOTÔNIO, Luís Augusto Freire. Culpabilidade: Concepções e Modernas tendências Internacionais e nacionais. Campinas: Ed. Minelli, 2002.
* Iuri Sverzut Bellesini
Acadêmico de Direito (3º ano) da Faculdade de Direito de Franca e estagiário credenciado do Ministério Público (em 2002)