Da impossibilidade de dispensa parcial de multas fiscais por meio de anistia fiscal

Dênerson Dias Rosa

nistias fiscais sempre foram um tema polêmico e controverso, contudo, mesmo já tendo sido objeto de muitos debates, toda vez que algum Ente Tributante retoma a prática para tentar recuperar créditos tributários por meio de algum “perdão fiscal”, percebe-se claramente que falta ainda, em relação a este tema, uma análise mais ampla sob o aspecto social, político e econômico, além do legal.

A primeira anistia fiscal conhecida deu-se em 582, na França, quando o Rei Chilperico I, da dinastia dos Merovíngios, ao festejar o nascimento de seu filho Teodorico, além de determinar a libertação de presos, perdoou todas as multas de natureza fiscal. Atualmente, todavia, as anistias fiscais são concedidas por motivos menos “nobres”. Seu objetivo restringe-se a buscar “reforçar” o caixa do governo.

Contudo, a concessão indiscriminada de anistias fiscais aparenta desconhecimento de ser esta uma política fiscal de efeitos muito negativos, desestimulando, e não incentivando, o pagamento de tributos. Tal situação deve-se ao fato de que anistias fiscais, por se caracterizarem como um prêmio para quem não efetuou seus recolhimentos em dia, não trazem recursos adicionais ao caixa do governo, ao contrário do que à primeira vista pode-se imaginar. Devido ao hábito de conceder-se anistias fiscais, induz-se o contribuinte a não efetuar seus recolhimentos pontualmente e, por conseguinte, pode-se afirmar que uma anistia fiscal nada mais faz do que trazer, ao caixa do governo, recursos que já teriam sido a este recolhidos, caso não fossem as anistias fiscais concedidas tão freqüentemente e sem nenhum critério.

Todavia, além da falta de critérios técnicos para a concessão de anistias fiscais, tem-se também habitualmente a ocorrência de imperfeições, de âmbito jurídico, nas normas que as concedem.

Tornou-se freqüente a concessão de “anistias fiscais” parciais de multas e juros, além de situações nas quais a anistia fiscal implica na dispensa total do pagamento de valores de pequena monta. Todavia, apesar da denominação, nenhuma destas situações caracteriza-se, legalmente, como uma anistia fiscal, como a seguir demonstrado.

O instituto da anistia fiscal, que tem origem no Direito Penal, implica em esquecimento da infração cometida e, somente por conseqüência, em dispensa da penalidade aplicada. O próprio CTN, ao definir o instituto da anistia no âmbito do Direito Tributário, estabeleceu que esta se aplica exclusivamente a infrações.

Importante distinguir-se o instituto da anistia fiscal do instituto da remissão, aquela uma forma de exclusão de créditos tributários, esta uma forma de extinção de créditos tributários, aquela direcionada tão somente a infrações e, conseqüentemente, a penalidades, esta aplicável ao crédito tributário como um todo.

Quando é promulgada determinada norma dispensando o pagamento de créditos tributários de até determinado valor, como tem-se neste caso um “perdão fiscal” abrangendo outros componentes do crédito tributário, além da multa fiscal, tem-se uma extinção de crédito tributário sob a modalidade de remissão, nunca uma anistia.

Em relação à dispensa de juros de mora verifica-se similar situação. Conforme já pacificado em nossos Tribunais Pátrios, os juros de mora não possuem natureza punitiva, mas simplesmente remuneratória, visto que seu objetivo é outorgar ao credor uma remuneração justa pelo capital do qual se viu privado em virtude de inadimplência. Portanto, não possuindo natureza punitiva, impossível que sejam dispensados por meio de anistia fiscal. Por conseguinte, quando concedida dispensa do pagamento de juros de mora, tem-se também uma extinção de crédito tributário sob a modalidade de remissão.

Anistias fiscais, por serem direcionadas a infrações, somente podem implicar em dispensa do pagamento de “multas fiscais” e de nenhum outro componente do crédito tributário. Todavia, mesmo quando desta forma concedidas, habitualmente se verifica outra impropriedade legal na concessão de anistias fiscais.

O instituto da anistia fiscal, como já mencionado, implica em esquecimento da infração cometida e, somente por derivação, em dispensa da penalidade aplicada. Em sua essência, a anistia fiscal implica em desconstituição da antijuridicidade da própria infração, revestindo-se de características de perdão quanto à infração, sendo a penalidade atingida somente por conseqüência.

Pode-se imaginar que a pena seja perdoada em parte, por conseguinte, a remissão pode ser concedida em de forma parcial, todavia, o mesmo não ocorre em relação à anistia, isto porque não existe esquecimento parcial da infração, nem tampouco desconstituição parcial da antijuridicidade do delito, o que permite facilmente concluir-se que não comporta, o instituto da anistia, concessão parcial. Determinado fato pode ou não ser anistiado, mas nunca anistiado em parte. Por conseguinte, apresenta-se revestida de ilegalidade, configurando-se também como completa subversão da conceituação jurídica existente, qualquer norma que, disciplinando anistia fiscal, estabeleça a sua aplicação tão-somente a uma percentagem das multas fiscais.

Dênerson Dias Rosa é Consultor Tributário da Tibúrcio, Peña & Associados S/C e ex-Auditor Fiscal da Secretaria da Fazenda de Goiás.

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