Da recusa ao encargo de síndico da massa falida

Márcio Cozatti

Trata-se de tema atual e de considerável interesse, uma vez que, apesar de óbvio, alguns magistrados, ao não observarem o disposto no art. 60, § 2º do Decreto-Lei nº 7.661, de 21.06.45 (Lei de Falências), promovem verdadeira injustiça.
O síndico da falência é a “pessoa que administra e representa uma ‘universalidade de direito’: a massa falida (…) é o seu administrador e o seu representante legal”, segundo RUBEM RAMALHO em seu “Curso Teórico e Prático de Falência e Concordatas” – Ed. Saraiva – página 192. Portanto, figura de extrema importância, o síndico é nomeado pelo Magistrado, dentre os maiores credores do falido, por ocasião da decretação da “quebra”. Caso os credores não aceitem tal encargo, após a terceira recusa, poderá o Magistrado nomear um síndico dativo, vale dizer, pessoa idônea, não-credora (de preferência comerciante) para o exercício desta função. É o que expressa a Lei de Falências.
A não aceitação do cargo de síndico, realizado de forma fundamentada, pelo credor que requer a falência de um comerciante injustificadamente impontual, é, pois, uma faculdade que lhe assiste. Há, até quem entenda, como o brilhante FÁBIO ULHOA COELHO, em sua obra “Código Comercial e Legislação Complementar Anotados” – Ed. Saraiva, página 638, ser possível a nomeação do síndico dativo sem a prévia tentativa de conduzir algum dos credores para tal mister, visando a tão almejada celeridade processual.
Portanto, a recusa ao encargo de síndico da massa falida, nos termos da Lei, é atividade lícita do requerente da falência ou de qualquer outro credor instado a assumir tal atividade, devendo o Magistrado nomear síndico dativo após a terceira negativa realizada pelos três maiores credores.
É neste sentido o entendimento do eminente Desembargador CUNHA CINTRA, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao dar seu voto na Apelação Cível nº 110.768.4/6 – 4ª Câmara de Direito Privado, destacando que “a lei falimentar não exige que o requerente da falência assuma o cargo de síndico. Se o credor requerente não aceitá-lo, não existindo outros, cabe a nomeação de dativo”. Na mesmo traçado segue a Egrégia 2ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos da apelação cível nº 217.969-1/2, inserto na Revista dos Tribunais nº 711, página 108, em relatório da lavra do Eminente Desembargador J. Roberto Bedran, entende que “a existência de apenas um credor tempestivamente habilitado, a própria requerente da falência, e a sua subseqüente recusa à aceitação do cargo de síndico, positivamente não autorizava o encerramento pronunciado em primeiro grau. Ao revés, essa única habilitação, sem se considerar a eventualidade de outras retardatárias, até justificaria o prosseguimento, podendo o Juiz, na falta de lista de credores e diante da não aceitação da então designada, nomear síndico dativo de sua confiança, para dar prosseguimento às diligências seguintes, até mesmo com a arrecadação de bens da falida”.
Malgrado a clareza vítrea da Lei, e a lógica dos julgados, temos entre nós eminentes juristas que, entendendo de forma contrária, afirmam que a recusa ao cargo de síndico não pode ser realizada pelo principal credor, requerente da falência. O ilustre MM. Desembargador JOSÉ OSÓRIO, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, relator nos autos da apelação nº 110.768.4/6 – 4ª Câmara de Direito Privado, asseverou que “não basta dizer que a lei manda o juiz nomear síndico dativo (…) Essa solução pode hoje até ser considerada cerebrina, dada a sua inviabilidade prática”.
Os magistrados, enquanto julgadores, não podem modificar a Lei de Falências (sob pena de estarem legislando – ferindo de morte a relação tripartite do Estado Democrático de Direito), que não obriga, mas sim faculta que o principal credor, residente no foro da falência, assuma o cargo de síndico. Sendo faculdade do credor ninguém poderá obrigá-lo a aceitar tal ônus, sendo qualquer decisão em sentido contrário, a mais clara burla ao Princípio da Legalidade. Vale aqui lembrar o preceito milenar: “fora da Lei nasce o arbítrio”.
De todo o exposto, podemos concluir que a não aceitação do encargo de síndico pelo credor requerente da falência é uma faculdade legal que lhe assiste, sendo pois sua recusa, atividade absolutamente lícita. Nestes termos, ressalte-se que, sendo faculdade, não é, por óbvio, obrigação. Assim sendo, podemos invocar o Princípio Constitucional da Legalidade, consoante disposto no art. 5º , inciso II, da Constituição Federal de 1988, vale dizer, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

MÁRCIO COZATTI – OAB/SP 121.829 – Advogado em Jundiaí/SP, sócio da Nadal e Cozatti – Advogados Associados. Ex-Procurador Judicial do Município de Várzea Paulista/SP. Pós-graduado “lato sensu” em Direito Empresarial pela Escola Superior de Advocacia – OAB/SP. E-mail: marcio@nadalecozatti.com.br / marcio.cozatti@aasp.org.br

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