DANO MORAL

Severiano Aragão

I A doutrina do dano moral cogita e sintetiza seus conceitos e alcance atuais como as extraídas de parecer do jurista Renan Kfuri Lopes (Coad Seleções jurídicas Nov. 1994, pp.16-17: 1) Martinho Garcez Neto não se pretende vender o bem moral, mas apenas fazer com que esse bem seja respeitado (Prática da R.Civil Saraiva, 4ªed., pp. 50/51).

2) Caio Mario da Silva Pereira O fundamento da reparabilidade pelo dano moral está em que, a par do patrimônio em sentido técnico, o indivíduo é titular de direitos integrantes de sua personalidade, não podendo a ordem jurídica conformar-se em que sejam impunemente atingidos (R.C. de acordo com a Constituição de 1988 2ªed. Forense, p. 61).

3) Savatier Dano moral seria qualquer sofrimento humano, que não é causado por uma perda pecuniária e abrange todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade legítima, ao seu pudor, à sua segurança e tranqüilidade, ao seu amor próprio estético, à sua integridade, à sua inteligência, a suas afeições (Traité de la Responsabilité Civile vol. II, nº 525).

4) Mazeaud & Tunc Pareceria chocante, em uma civilização avançada como a nossa, que fora possível, sem incorrer em nenhuma responsabilidade civil, lesionar os sentimentos mais elevados e nobres dos nossos semelhantes, enquanto o menor atentado contra o seu patrimônio, origina reparação (Tratado Teórico e Prático da R. Civil ed. Buenos Aires, vol. I, tomo I/435, nº 306).

II Muitos outros juristas, modernos, abordam a matéria, em ordem a conceituar e enquadrar o dano moral (Christino Valle, Clayton Reys, Carlos Bittar, J. Aguiar Dias, Adriano de Cupis, Ruy Stoco, João Casillo, Lindberg Montenegro, Amaral Leão, etc).

De nossa parte, afirmamos que dano moral é dor moral, naturalmente em sede de dano ao indivíduo, pessoa física. E aí parece inteligível que se possa destacar lesões pessoais materiais e aquelas espirituais sentimentais, as primeiras gerando efeitos patrimoniais definíveis, e as últimas conseqüências extrapatrimoniais de complexa avaliação, onde entra o tormentoso arbitrium judicis (boni viri).

Quando se busca no Código Civil a gênese do dano moral indenizável, como valor de afeição ou simples fixação objetiva de sua reparação, vamos dar com a vertente doutrinária que levou a professora e civilista Maria Helena Diniz, com inexcedível brilho, a classificar o dano moral em direto (personalidade, atributos da pessoa) e indireto (lesão a bens, com valor de afeição).

Quem sabe aí não resida o ponto de partida para se conceituar o dano moral como pessoal, pessoal reflexo, material com reflexos pessoais.

Ainda nessa trilha vamos dar a mão aos que justificam o dano moral à pessoa jurídica, como estrutura econômica sensível ao abalo de crédito (Caio Mário), como honra objetiva de entes coletivos (Lindberg Montenegro).

III A respeito, pode-se anotar alguns itens modernos sobre o questionamento do dano moral, a saber:

1º) Parâmetros, salvo casos excepcionais, entre 50 200 salários mínimos, na fixação do dano moral.

2º) No IX ENTA Agosto/97 SP, houve três resoluções sobre dano moral, a saber:

Res. 09 O dano moral e o dano estético não se cumulam, porque ou o dano estético importa em dano material ou está compreendido no dano moral (por unanimidade).

Res. 10 À indenização por dano moral deve dar-se caráter exclusivamente compensatório (por maioria).

Res. II Na fixação do dano moral, deverá o juiz, atendo-se ao nexo de causalidade, inscrito no art. 1.060 do Código Civil, levar em conta critérios de proporcionalidade na apuração do quantum, atendidas as condições do ofensor, do ofendido e do bem lesado (por unanimidade).

3º) Costuma o julgador atentar para a repercussão do dano e a possibilidade econômica do ofensor (Ap. Cível 3026/96, TJRJ 1ªCam. Civ. rel. Des. Paulo Sérgio Fabião Julg. 16.12.97 (in Jornal do Comércio, 18.04.98, p.07).

4º) Registra-se a ampliação reparatória de consumo e serviços, com ênfase aos serviços bancários e finais, mediante responsabilidade objetiva (arts. 3º parágrafo 2º e 14, CDC in Embargos Infringentes na Ap. 144/97, V GPCC Cíveis TJRJ rel. Des. Nilson Dias julg. em 09.10.97, Ementário Cível 01/98).

5º) Destaca-se a tendência à purificação do dano moral, ou, como dizem os julgados do colendo STJ (in DJU, 17.04.98, p.100):

a) A concepção atual da doutrina orienta-se no sentido de que a responsabilização do agente causador do dano moral opera-se por força do simples fato da violação (damnum in re ipsa), não havendo que se cogitar da prova do prejuízo (R. Esp. 23.575 DF rel. Min. César Asfor Rocha in DJ de 01/09/97):

b) Dano moral Prova. Não há falar em prova do dano moral, mas, sim, na prova do fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam (…) (R. Esp. 86.271 SP rel. Min. Carlos A. Menezes Direito in DJ 09.12.97).

6º Em sede de componentes, insumos e defeitos de fabricação, a jurisprudência é construtiva, responsabilizando o fabricante por defeito de matéria-prima, transformada em sua atividade (…) (TAMG Ap. Civ. 0171143-7/00 rel. Juiz Jarbas Ladeira RJTAMG, 54 – 55 – 249).

O professor Antonio Chaves coleciona exemplos da jurisprudência americana, punindo, com elevadas reparações o fabrico de tanque de combustível na lateral dos veículos, facilitando explosão e mortes, registrando o Centro de Segurança de Automóveis de Washington, desde 73, mais de 300 mortes em acidentes de veículos com tanques laterais. Considera auspiciosa a ampliação da responsabilidade civil dos fornecedores e distribuidores de peças de veículos, reportando-se ao caso de jovem de 19 anos morta em decorrência de colisão de seu veículo estacionado, por motorista embriagado, a 110 quilômetros/hora. O tanque do carro da vítima explodiu, porque foi perfurado pelas pontas afiadas de parafusos existentes (…). Indenização de 100 milhões de dólares. Lembra, ainda, o civilista, caso por nós julgado, na 40ªVara Cível, do defeito de fabricação, onde, por causa de choque do veículo com uma pilastra, houve estilhaçamento do pára-brisa, cujos fragmentos cortantes atingiram os olhos de promissor advogado, acarretando-lhe a cegueira total (…). O colendo STJ confirmou acordão do E. TACível, reformando a sentença, dando pela improcedência do pleito, salvo da condenação o fabricante do veículo. (JSTJ e TRT, Lex 22/88 97). Levou-se em conta, objetivamente, o fato do Contran informar que aquele tipo de vidro perigoso não era proibido. Aguiar Dias comentou o desacerto da solução final da justiça (Informativo Adv Coad, nº 20/91, p. 207). Menciona Antonio Chaves.

O voto do príncipe de nossos especialistas, nessa matéria, seria no sentido de reconhecer que o responsável, isto é, aquele que teve a melhor e verdadeira oportunidade, de acordo com a Teoria da Causalidade Adequada, de evitar o dano, foi o fabricante, que não previu, como devia prever, a falta de resistência e ofensividade do vidro de pára-brisas. Dr. Antonio Chaves in Coad Adv. Seleções Jurídicas julho 94, pp. 20/22).

7º) Cumpre reafirmar que a crux dos estudiosos do dano moral é a quantificação discricionária pelo magistrado, ônus insuportável a que é submetido pela omissão de leis expressas, de modo que, a cada causa resolvida, parece alertado o julgador da sabedoria daquelas letras sagradas: não julgueis, para não serdes julgado.

8º) Os últimos julgados conhecidos dão uma idéia da síntese acima:

a) R. C. Dano Moral. Inclusão de cliente na lista de emitente de cheques sem fundo (…). Dano Moral fixado em 300 s.m. Por outro lado, o pedido do autor de condenação do réu a 36 vezes o seu salário não encontra ressonância na jurisprudência(STJ A.I.145.354-RJ) rel. Min. Eduardo Ribeiro in DJN, 20.06.97. p. 28.686).

b) Dano Moral. Fixação. É de repudiar-se a pretensão em que postulam exorbitâncias com arrimo no dano moral, que não tem por escopo favorecer o enriquecimento indevido (STJ Ag. Rg. no Ag. 108.923-0 SP rel. Min. Sálvio de Figueiredo, 4ªT., un., agravo improvido Julg. 24.09.96 Boletim nº 17,.STJ, de 14.11.96, p. 17).

c) Turismo. Péssima qualidade de serviços, com extravio de uma mala (…). Condenação no valor de 200 salários mínimos TJRJ 7ªC. un. Ap. Civ. 3913/97, rel. Des. Pestana de Aguiar, J. 30.09.97 (in Jornal do. Comércio, 14.03.98, p. B-7).

d) Valor da causa. Em ação de indenização por dano moral, o valor da causa não encontra parâmetros no elenco do art. 259, mas no disposto no art. 258 do CPC (STJ R. Esp. 80.501/RJ rel. Min. Waldemar Zveiter J. 25.11.97 3ªT., un in DJU, 25.02.98 p. 68).

e) Dano Moral (…). Defesa alegando verdade a respeito do ofendido. Ofensa à honra (…). Aquilo que é contrário à dignidade da pessoa deve permanecer em segredo, segredo que entra no campo da privacidade. Quantificação da indenização à luz dos arts. 49 e segs. do Código Penal. Inadmissibilidade disto porque a analogia pressupõe similitude de espécies, que não há (STJ A.I. 155.414 97 SP rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, J. em 16.10.97, in DJU, 30.10.97, p. 55.379).

f) Dano moral. Agressão (tapas), praticada pela ré à autora, empregada de sua empresa. Fato ocorrido, em face da confirmação, como noticia a prova de que a agredida mantinha relacionamento amoroso com o companheiro da agressora. Circunstância atenuante da gravidade da conduta. Repercussão na estimativa do reconhecimento. Apelo da demandada, provido o recurso, para afastar a indenização sob esse tópico (TJSP 5ªCâm. Ap. Civ. 3985 4/0 00 SP rel. Des. Marcus Andrade, J. 05/02/98 un. in ementa 13, Bol. AASP nº 2055, p. 122, de 18 a 24.05.98.

g) Dano moral. Alegação genérica de violação. Impossibilidade. A reparação do dano moral não comporta pedido genérico, sem especificação concreta do direito da personalidade violado. Já o valor pode ser deixado ao prudente arbítrio do juiz, ex vi do artigo 1553 C. Civ.. Indeferimento da inicial mantido (TACIV SP 2º T. 10ªC. Ap. 499.157 rel. Juiz Soares Levada, fls. 29.10.97, Bol. 2052, AASP, de 27.04. a 03.05.98, p. 2).

h) Surfista propõe ação contra fabricante de refrigerante por ter utilizado sua imagem em propaganda. O TJRJ reduziu a indenização a 200 Salários Mínimos (R$ 24 mil). (In Gazeta Mercantil, 10-06-97, p. A-12).

i) R.C. de banco. Dano Moral. Extravio de talão de cheques. Remessa pelo correio (…). Uso de talonário por terceiro. Fixação da verba indenizatória em 300 Salários Mínimos (TJRJ 4ªC., Ap. Cív. 8.457/97 rel. Des. Pimentel Marques un. J.Com. 10.06.98, p.B-9).

j) Recente ementário do TJ (J.Com. 17-06-98, p. B-9) consigna reparação por dano moral puro, cumulativo com perdas e danos, em casos de tentativa de homicídio, causando incapacidade laborativa e condenação (coisa julgada). (Ap. Cív. 7620/97, 6ªC. un., j. em 24.03.98 rel. Des. José Affonso Rondeau) e Dano moral cumulativo com patrimonial, decorrente da responsabilidade dos pais, por lesões corporais causadas por menor inimputável, provocando traumatismo craniano e perda de olfato (Ap. Cív. 7.544/97, 8ªC., un., j. em 17-02-98, Des. Cássia Medeiros).

9º) Notável, na história de Roma, como ensina Roberto Lyra, em seus Coms. ao Código Penal, 3ªed., Forense 1958, vol. II, nº 33, pp. 246/247:

O romano Nerácio passeava pelas ruas de Roma, acompanhado de um escravo, encarregado de pagar a taxa legal pelas bofetadas que se divertia em vibrar nos transeuntes. Durante a guerra peninsular, um oficial do exército inglês costumava penetrar a cavalo numa feira de Coimbra, quebrando com chicote os objetos de barro em exposição e ganhando a impunidade pela indenização

Esses abusos históricos apenas confirmam que nenhuma lesão ao patrimônio anímico ou material do cidadão, como diz a Constituição da República, pode ser excluída da apreciação e reprimenda pelo Poder Judiciário.

Severiano Aragão
Juiz do Tribunal de Alçada do Rio de Janeiro e autor do livro
Dano Moral na Prática Forense

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