Por Robson Pereira
A evolução do dano moral no direito brasileiro passa por três estágios claramente definidos. Em um primeiro momento, a negativa era total, baseada na suposta impossibilidade de se atribuir valor pecuniário à dor. Depois, passou-se a aceitar a indenização, sob determinadas condições, até chegarmos ao estágio atual, no qual prevalece a tese da reparação irrestrita, sempre que ficar caracterizada a lesão de interesses não patrimoniais.
Mas essa não é a única linha evolutiva do chamado dano imaterial, como mostra o advogado e professor Nehemias Domingos de Melo, em Dano Moral Trabalhista — Doutrina e Jurisprudência, em sua segunda edição — a primeira chegou às livrarias em 2007. Em que pese o título, o foco exclusivo na Justiça do Trabalho é reservado à segunda metade do livro. Antes, o autor apresenta ampla pesquisa sobre o tema na jurisprudência e na doutrina, com destaque, entre outras questões, para o dano moral coletivo, cada vez mais reconhecido pelos tribunais, mas ainda cercado de dúvidas e até mesmo divergências.
De acordo com o autor, durante um longo período a reparação do dano moral esteve restrita aos casos envolvendo exclusivamente às pessoas naturais e sempre de forma individualizada. Esse entendimento, segundo ele, foi sendo alterado a partir da Constituição de 1988, que não fez nenhuma distinção entre pessoa física e pessoa jurídica, surgindo, daí, a tese da aceitação da reparação por anos morais para empresas, consolidada na Súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça, publicada em setembro de 1999.
“É importante fazer essa referência à pessoa jurídica porque só foi possível cogitar-se do dano moral coletivo a partir do momento em que houve um alargamento da aceitação da tese de reparação por danos morais para permitir figurar no polo passivo um ente jurídico diferente da pessoa física individualmente considerada”, esclarece o autor.
A importância da Súmula 227 reside no fato de, ao reconhecer que a pessoa jurídica também pode sofrer danos morais, o Superior Tribunal de Justiça deixa de lado — pelo menos abranda consideravelmente, de acordo com alguns doutrinadores — conceitos como dor, sofrimento ou humilhação, propriamente dita, comumente empregados nos casos de reparações à pessoas físicas.
Essa posição, no entanto, não é unânime no Judiciário. Em 2009, em recurso em que se discutia a ocorrência de dano moral coletivo, relatado pelo ministro Teori Zavascki, que toma posse no Supremo Tribunal Federal na próxima quinta-feira, a 1ª Turma do STJ entendeu ser “necessária a vinculação do dano moral com a noção de dor, sofrimento psíquico e de caráter individual, incompatível, assim, com a noção de transindividualidade – indeterminabilidade do sujeito passivo, indivisibilidade da ofensa e de reparação da lesão”.
Em outro caso analisado pelo STJ, a ministra Nancy Andrighi ressaltou que o ordenamento jurídico brasileiro não exclui a possibilidade de que um grupo de pessoas venha a ter um interesse difuso ou coletivo de natureza não patrimonial lesado, nascendo aí a pretensão de ver tal dano reparado. “Nosso sistema jurídico admite, em poucas palavras, a existência de danos extrapatrimoniais coletivos, ou, na denominação mais corriqueira, de danos morais coletivos, decidiu a ministra.
Na área trabalhista, Nehemias Domingos de Melo define o dano moral coletivo como a atitude antijurídica de empresas ou grupo de empresas que, por ação ou omissão, lesam uma determinada coletividade de trabalhadores, seja pela subtração de direitos assegurados pela legislação, seja pela exposição a situações de risco, pelo descumprimento de normas básicas de segurança ou higiene do trabalho. Mas chama a atenção para outras situações que autorizam indenizações por danos morais coletivos, como, por exemplo, quando ficar comprovado o assédio moral coletivo — situações em que a empresa expõe seus empregados a situações constrangedoras, vexatórias ou humilhantes.
Entre diversos e variados casos citados por ele no livro, está uma decisão do TRT do Rio Grande do Norte, que manteve a condenação de uma multinacional fabricante de bebidas de pagar R$ 1 milhão para o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) “por práticas deletérias adotadas com os seus funcionários” — no caso, o uso de camisas com dizeres ofensivos e a obrigação de dançar para aqueles que não atingissem as metas de vendas impostas pela gerência.