Autor: Paulo Henrique dos Santos Lucon (*)
Após cinco anos de tramitação legislativa, aproxima-se o momento da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015). Agora, com o término próximo do período de vacatio legis surge controvérsia quanto à data da entrada em vigor do novo Código. Discussão dessa natureza, a princípio, pode soar estranha àqueles que não pertencem ao mundo jurídico ou aos que não conhecem o modo de legislar brasileiro: como pode não haver consenso quanto ao dia exato em que uma nova lei entrará em vigor?
Dentre todos os dispositivos presentes em um texto de lei, este deveria ser o de menor disputa, dado o caráter objetivo de seus termos, que se reflete na tradicional expressão “esta lei entrará em vigor em…”. A adoção pelo Código de Processo Civil (artigo 1.045) de um critério distinto daquele estabelecido em lei para a fixação da vacatio legis, contudo, ensejou a polêmica. Eis o dispositivo: “este Código entra em vigor após decorrido 1 (um) ano da data de sua publicação oficial”.
A depender do critério adotado para a contagem do prazo, se por dias ou pelo período de um ano, o Código entraria em vigor em dias distintos. Não é preciso discorrer muito sobre a importância de se ter clareza com relação a esse ponto: basta lembrar que a data de entrada em vigor do novo Código define o recurso cabível contra uma decisão e a fluência dos prazos processuais. Diante disso, apesar da perplexidade inicial da discussão, indispensável a tomada de posição a respeito.
O artigo 8º, §1º da Lei Complementar 95/98 estabelece que a contagem do prazo para a entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacatio legis será feita com a inclusão da data da publicação e da data do último dia do prazo, entrando a lei em vigor, então, no dia subsequente a este termo final. Quanto a isso não há divergência. O § 2º desse mesmo artigo, contudo, determina que o prazo de vacância seja fixado em dias. Ocorre que, o artigo 1.045 do Código de Processo Civil não levou em consideração essa orientação e estabeleceu como prazo de vacância o período de um ano. Em virtude dessa disparidade entre o que determina a LC 95/98 e o que foi estabelecido pelo novo CPC é que teve início toda a polêmica a respeito da entrada em vigor do novo Código. Alguns intérpretes tomaram o disposto no artigo 8, §2º da LC 95/98 como uma norma interpretativa a que se deve recorrer para compreensão do artigo 1.045 do novo Código. Assim sempre que fixado prazo de vacatio em anos, dever-se-ia fazer a conversão para o número de dias correspondentes para assim se determinar a entrada em vigor de uma nova lei.
A vigorar, portanto, tal interpretação, duas opções surgiriam quanto ao início da entrada em vigor do novo Código. Ao se assumir o ano como o período de 365 dias, dada a publicação do Código em 17 de março de 2015, a contagem se encerraria em 15 de março de 2016 e o Código entraria em vigor, logo, em 16 de março. Como este, contudo, é um ano bissexto, há quem entenda que deveria ser considerado ano como o período de 366 dias. Neste caso, a contagem se encerraria em 16 de março e o novo Código entraria em vigor no dia seguinte, 17 de março de 2016. Não concordamos com nenhuma dessas interpretações, porque atribuímos a LC 95/98 um âmbito de aplicação distinto.
Referida lei, em atenção ao artigo 59, parágrafo único da Constituição Federal, dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis. Daí se depreende, portanto, que tal lei tem como destinatário o legislador no exercício de sua atividade legiferante. Não consiste a LC 95/98, portanto, uma fonte de dispositivos que forneçam padrões de interpretação para a aplicação de outras normas, tampouco estabelece esta lei um determinado padrão de conduta a ser observado. Na verdade, “as regras de legística ou de técnica legislativa não são regras de interpretação ou aplicação do direito, mas sim instrumentos destinados a iluminar a conformação legislativa, tendo como destinatários os agentes habilitados a participar do processo legislativo” (Carlos Roberto de Alckmin Dutra, A exigência constitucional de qualidade formal da lei e seus reflexos no processo legislativo e no controle de constitucionalidade. Tese de Doutorado: USP, 2014). Não se trata, pois, de norma coercitiva que pode resultar na aplicação de uma determinada sanção pela desatenção a um de seus dispositivos. Também não há de se falar em eventual sobreposição da LC 95/98 sobre leis ordinárias como o Código de Processo Civil a exigir uma suposta adequação deste àquela, já que não há hierarquia entre leis complementares ou ordinárias, mas apenas reserva de competência.
Não sendo o caso, pois, de aplicação da LC 95/98 para fins de interpretação do novo Código de Processo Civil, não é correta, portanto, a interpretação que propugna a contagem da vacatio para a entrada em vigor do novo Código em dias. Em outras palavras, o fato de a Lei Complementar 95/98 determinar que a fixação do prazo de vacância se dê em dias não enseja interpretação de que o prazo fixado pelo artigo 1.045 do novo Código seja o de 365. Ao atribuir sentido a um determinado termo, o intérprete deve levar em consideração os significados já presentes no ordenamento jurídico.
Como o legislador, ao elaborar o Código, se valeu do critério “ano”, tem-se, então, de se recorrer aos critérios estabelecidos em lei para a contagem desse prazo. Nesse sentido, em uma interpretação sistemática, deve-se fazer uso da definição de ano civil estabelecida pelo artigo 1º da Lei 810/1949, segundo o qual “considera-se ano o período de doze meses contado do dia do início ao dia e mês correspondentes do ano seguinte”. Assim, como o Código de Processo Civil de 2015 foi publicado em 17 de março de 2015, deve-se projetar essa data para o ano seguinte, entrando o Código, em vigor, portanto, no dia subsequente, ou seja, 18 de março de 2016.
Embora, por uma questão de prudência, talvez fosse mais recomendável a suspensão de prazos nesses dias que ensejam dúvidas (afinal o jurisdicionado não pode ser prejudicado por desacordos interpretativos), o jurista não pode deixar de se manifestar a respeito, e a nosso sentir, a data exata para a entrada em vigor do novo CPC não pode ser outra que o dia 18 de março.
Autor: Paulo Henrique dos Santos Lucon é presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Livre Docente, doutor e mestre pela Faculdade de Direito da USP, onde é professor e Conselheiro do IASP.