Não é fácil a defesa dos direitos das médias e pequenas empresas genuinamente brasileiras, quando enfrentam as multinacionais. Tem havido muita corrupção, camuflagem, cinismo, mentira e incompetência nas instituições estatais. E há também farisaísmo, quando em nome de uma nobre finalidade, por exemplo, a preservação da natureza, Estados e Distrito Federal fazem leis proibindo importação e comercialização de bens, cujo resultado objetivo é tornar inviável a operação de centenas de pequenas e médias empresas nacionais fabricantes destes produtos, interditando a sua comercialização no mercado interno, e aí o número dos prejudicados alcança milhares de estabelecimentos destinados a sua venda aos consumidores.
É o caso da Lei nº 3.652, de 28 de julho de 2005, editada pelo Distrito Federal que proíbe a importação e a negociação no mercado interno de pneus objeto de processo de reforma, pelos processos de remoldagem, recauchutagem ou recapagem, inclusive os aqui fabricados, quando forem utilizadas carcaças importadas do exterior.
Na realidade, essas leis inconstitucionais que vão sendo editadas pelos Estados constituem uma vitória parcial das multinacionais instaladas no País, fabricantes de pneus novos, que tendo perdido substancial fatia do mercado de pneus, tentam afastar da competição as empresas nacionais dedicadas a essas atividades. Constitui uma disputa que vem se desenrolando há vinte anos, representada biblicamente por Davi contra Golias.
As multinacionais têm tentado, por campanha propagandista, impingir às autoridades públicas e à nossa gente que as carcaças de pneus importados do exterior constituem lixo atentatório ao meio ambiente. O Brasil seria, na propaganda das multinacionais, um amplo depósito de lixo de pneus dos países do 1º mundo. Mentira deslavada para camuflar luta para conquista de mercado.
A indústria de reforma de pneus usados, pelos citados processos, a remoldagem, recauchutagem, recapagem, necessita de carcaças de pneus para aplicar a borracha que lhes dará condições de serem utilizadas na sua finalidade, como se fossem pneus com característica de novo.
A despeito de todas as vantagens das empresas multinacionais – capital, tecnologia, crédito e financiamento, propaganda, poder econômico – elas têm perdido a competição na concorrência com as empresas nacionais, principalmente em face da remoldagem, que consiste em revestir totalmente a carcaça com borracha, dando-lhe condições de segurança, estabilidade, duração equivalentes ao pneu novo, que tem levado os consumidores a preferirem a sua aquisição. Assegurada a qualidade, a opção por tais pneus se dá em razão do preço mais baixo, normalmente entre 30% e 60%, do preço do pneu novo, dependendo da espécie, se para veículos pesados ou de passeio.
Aí as multinacionais, apoiadas pelos radicais da ecologia, passaram a considerar que as carcaças de pneus importadas do exterior devem ser classificadas como pneus usados. Em batalha judicial, a indústria nacional tem conseguido provar que tais carcaças não são pneus usados, mas matéria-prima para a industrialização que realizam.
A realidade é a de que não há, no País, disponibilidade de carcaças suficientes a tais operações de reforma. É que elas não passam pelo teste de qualidade. A causa da sua deficiência é obvia – o péssimo estado das estradas e das ruas que danificam a sua estrutura metálica ou uso exagerado em face da crise financeira, que expõe as lonas, impossibilitam a sua utilização para tais operações de reforma. As carcaças importadas do exterior fornecem vantagens competitivas às empresas nacionais – têm bom estado, principalmente quando são originárias de países de inverno rigoroso, pois quando ele chega, há necessidade de mudar os pneus, para evitar derrapagem na neve, e se não houver local doméstico para depósito, são descartados. Daí, o seu bom estado e o baixo preço de importação, que possibilita fornecer pneus reformados a preço competitivo e de excelente qualidade.
As assessorias multinacionais têm induzido as assembléias estaduais a fazerem tais leis, invadindo a competência da União. Elas são inconstitucionais, fundamentalmente, por estabelecerem a proibição à importação; a competência para legislar privativamente sobre comércio exterior é da União (art. 22,VIII da CF). E, quanto à sua negociação, a disciplinação constitucional da ordem econômica e financeira consagra a livre iniciativa e livre concorrência (art.170, caput e inciso IV da CF.), portanto, estabelecendo proibição que é vedada realizar. É demais autoridades brasileiras fazerem leis inconstitucionais para favorecer multinacionais estrangeiras, em prejuízo das nossas empresas e da economia do povo. Chega de submissão, entreguismo e outras coisas mais que não é de bom tom falar, agora.
“As multinacionais têm tentado impingir às autoridades que as carcaças de pneus importados constituem lixo atentatório ao meio ambiente…”
Osiris Lopes Filho
Advogado, professor de Direito na Universidade de Brasília – UnB eFundação Getúlio Vargas – FGV e ex-secretário da Receita Federal