A Lei Complementar 64/90, em seu artigo 1º, I, “g”, sanciona com inelegibilidade absoluta pelo prazo de cinco anos os que tiveram suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidades insanáveis e por decisão irrecorrível do órgão competente, prazo este contado a partir da data da decisão de desaprovação das contas.
A própria norma, em sua parte final, assevera que a inelegibilidade fica afastada se a questão houver sido ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, o que gerou a edição verbete 01 da Súmula de Jurisprudência do TSE, que anotava que a propositura de ação judicial para desconstituir a decisão que rejeitou as contas, antes da impugnação do registro, suspenderia a inelegibilidade prevista no artigo 1º, I, “g”, da Lei Complementar 64/90.
Todavia, no curso das eleições de 2006, o TSE alterou seu entendimento para retratar, numa miríade de decisões sobre registros de candidatura, a insuficiência do mero ajuizamento da ação judicial para se afastar os efeitos da inelegibilidade prevista em Lei Complementar.
Reflete o novo entendimento do TSE o acórdão 27.143, em que o ministro Caputo Bastos salienta que “conforme evolução jurisprudencial ocorrida no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral, para que se possa considerar suspensa a inelegibilidade, é necessária a existência de pronunciamento judicial ou administrativo que suspenda os efeitos da decisão de rejeição de contas”.
O ministro Carlos Ayres Brito, indicando as razões da evolução, destaca em acórdão 26413 que “2. A ressalva contida na parte final da letra ‘g’ do inciso I do artigo 1º da Lei Complementar 64/90 há de ser entendida como a possibilidade, sim, de suspensão de inelegibilidade mediante ingresso em juízo, porém, debaixo das seguintes coordenadas mentais: a) que esse bater às partes do Judiciário traduza a continuidade de uma ‘questão’ (no sentido de controvérsia ou lide) já iniciada na instância constitucional própria para o controle externo, que é, sabidamente, a instância formada pelo Poder Legislativo e pelo Tribunal de Contas (artigo 71 da Constituição); b) que a petição judicial se limite a versar tema ou temas de índole puramente processual, sabido que os órgãos do Poder Judiciário não podem se substituir, quanto ao mérito desse tipo de demanda, a qualquer das duas instâncias de Contas; c) que tal petição de ingresso venha ao menos a obter provimento cautelar de explicita suspensão dos efeitos da decisão contra a qual se irresigne o autor. Circunstâncias, essas, que inexistem nos autos”.
Assim, para que o agente político ou público ordenador de despesas que tenha contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas em razão de irregularidades insanáveis possa candidatar-se a cargos eletivos, deverá não só ajuizar a ação desconstitutiva.
Deverá obter também provimento cautelar ou tutela antecipada que suste expressamente os efeitos da decisão de rejeição de contas. Nesse novo panorama, parece inconveniente deixar a iniciativa de tais ações para as vésperas do início do processo eleitoral, já que tal conduta poderia insinuar abuso de direito de ação e mera tentativa de se frustrar os efeitos das disposições da Lei Complementar 64/90.
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Marcelo Santiago de Pádua Andrade é advogado em São Paulo, sócio do escritório Silveira, Andrade — Advogados e mestrando em processo civil pela PUC-SP