Autor: Artur Barros Freitas Osti (*)
Antes de iniciar o arrazoado do presente artigo, destaco que não defendo qualquer uma das pessoas envolvidas na colaboração premiada dos executivos do grupo J&F, controladora da empresa JBS. O artigo tem como único objetivo subsumir um caso concreto em voga a discussão de caráter eminentemente jurídico que se restringirá a abordagem do contraditório prévio a efetivação da medida cautelar.
Pois bem.
Os noticiários de 8 de setembro de 2017 alardearam que a Procuradoria-Geral da República representou ao ministro Edson Fachin, relator responsável pela homologação da colaboração premiada dos executivos da J&F, pela decretação da prisão cautelar dos referidos colaboradores logo após a tomada de seus depoimentos acerca do conteúdo de um áudio que, em tese, revelaria uma reserva mental no momento da tomada dos depoimentos prévios a homologação da colaboração premiada.
Em seguida, a competente defesa pleiteou ao ministro relator que a decisão acerca da decretação da medida cautelar fosse precedida do contraditório, possibilitando a defesa que se manifestasse acerca da representação de prisão formulada pela Procuradoria-Geral da República[1].
Não obstante, o ministro Edson Fachin decretou a prisão temporária dos colaboradores, omitindo-se quanto ao pedido formulado pela defesa no sentido de que a defesa fosse ouvida previamente a tomada da decisão.[2]
Eis o cerne do presente artigo, cabe falar-se em manifestação prévia por parte do representado acerca da decretação da sua prisão cautelar uma vez que, via de regra, essa mesma sistemática não tem sido aplicada em outros casos que envolvam a decretação de medidas cautelares?
A prisão cautelar, seja ela de natureza preventiva ou temporária, tal como as demais medidas cautelares previstas na normativa processual penal, admite a sua decretação inaudita altera parte, ou seja, aquela que prescinde de um contraditório prévio desde que se trate de caso de urgência ou que este acarrete perigo de ineficácia da medida, postergando o contraditório para momento posterior a concretização da medida acauteladora, o chamado contraditório diferido ou postergado.
É justamente por isso que em tempos hodiernos, a sociedade costumeiramente tem se deparado com a deflagração de inúmeras operações policiais voltadas ao cumprimento de medidas cautelares em detrimento daqueles que, apenas em momento posterior a efetivação da medida constritiva, exercerão o seu direito ao contraditório em defesa da sua liberdade.
Ocorre que, com a reforma processual trazida pela Lei 12.403/11, o Código de Processo Penal passou a garantir em seu artigo 282, §3º, a necessidade de se garantir o contraditório prévio a efetivação da medida cautelar, sempre que o mesmo não acarrete prejuízo a urgência ou a eficácia da medida.
Vale dizer, a nova sistemática processual trazida pela Lei 12.403/11 disciplinou que a decretação das medidas cautelares em sede de persecução criminal, via de regra, deverá ser precedida de contraditório prévio, exceto naqueles casos em este acarrete prejuízo a urgência e a eficácia da medida.
Na exata medida do asseverado, veja-se o que preceitua o escólio de Pacelli[3]:
“Embora possa parecer uma contradição em termos, não há nenhuma incompatibilidade entre a aplicação de medidas cautelares e o contraditório anterior à respectiva decretação.
Naturalmente, tudo dependerá da modalidade da cautelar e do risco à sua efetividade.
A prisão preventiva, por exemplo, poderia ser frustrada se antecipada ao investigado a sua decretação. É que não bastam indícios da autoria e da materialidade da infração; devem estar também presentes os riscos à efetividade da investigação ou do processo, segundo o disposto no artigo 282, I (como substitutiva de outra cautelar) e artigo 312 (como medida autônoma), ambos do CPP. Assim, se de fato presentes tais situações, o contraditório para a sua aplicação poderia frustrar a efetividade da medida. Também nos parece ser esse o caso das medidas previstas no artigo 319, II e III (proibição de acesso a lugares e de contato com pessoas), bem como do inciso VI (suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira) e VII (internação provisória no caso de inimputabilidade ou de semi-imputabilidade). Nessas hipóteses, a própria Lei alude ao risco de reiteração criminosa.
Fora desses casos, porém, nada impedirá a participação prévia do investigado ou processado na decretação da medida. Aliás, pelo contrário, será ela (participação) recomendável, de modo a que se esclareça ao máximo a necessidade de proteção à investigação ou ao processo. Também nesse campo deve ter voz o princípio da ampla defesa”
Ao nosso viso, a disposição normativa prevista no artigo 282, §3º, do Código de Processo Penal, sujeitou a autoridade judicial a fundamentar adequadamente as decisões que decretam as medidas cautelares acerca da inconveniência do contraditório prévio a efetivação da medida cautelar.
Nada obstante, o que se tem visto é que as decisões judiciais dessa natureza inverteram a regra, a fim de estabelecê-la na decretação de medidas cautelares inaudita altera parte, ainda que não esteja presente a necessidade de se tutelar a urgência ou a eficácia da medida.
Nessa esteira, os tribunais superiores tem reiteradamente se deparado com casos em que juízes de 1º grau confundem o seu poder discricionário em decretar medidas cautelares de ofício, com a possibilidade de fazê-lo inaudita altera parte, desde que evidenciada a necessidade de tutela da urgência e eficácia da medida.
Cite-se como exemplo o recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, que, no bojo do RHC 75.716/MG, reconheceu a ilegalidade da prisão preventiva decretada em audiência de instrução e julgamento, sem que fosse facultada a defesa a oportunidade de se manifestar quanto a representação formulada pelo órgão acusador, tendo, naquela ocasião, o ministro Rogério Schietti Cruz, prolator do voto vencedor, assim asseverado:
“Examinando o caso, não posso deixar de concluir que beira ao autoritarismo a decisão do magistrado que, em uma audiência, não permite à defesa se pronunciar oralmente sobre o pedido de prisão preventiva formulado pelo agente do Ministério Público. Ainda que se tenha como fundamenta a decisão, não vislumbro qualquer justificativa plausível para a conduta judicial de obstruir qualquer posicionamento da defesa do acusado, frente à postulação da parte acusadora, como também não identifico nenhum prejuízo ou risco, para o processo ou para terceiros, na adoção do procedimento previsto em lei.
Diante do que informam os autos, vejo-me impelido a entender que, ao menos por prudência, deveria o juiz ouvir a defesa, para dar-lhe a chance de contrapor-se ao requerimento ministerial. Isso não foi feito. E não percebo, neste caso específico, uma urgência tal a inviabilizar a adoção da alvitrada providência, que traduz uma regra básica do direito, o contraditório, a bilateralidade da audiência.”
Também nessa toada, nos precedentes originados no HC 129.251/ES e no HC 133.894/MT, o ministro Dias Toffoli, do STF, anulou a prisão preventiva de acusados de terem descumprido as medidas cautelares alternativas da prisão, na forma do que preceitua o artigo 282, §4º, do Código de Processo Penal. Isso porque, segundo o entendimento do ministro, em tais hipóteses, o contraditório prévio revela-se indispensável a decretação da medida extrema.
In casu, há que se destacar a maestria da defesa dos executivos da J&F que, antecipando-se a decisão acerca da prisão, colocou os passaportes dos mesmos a disposição para apreensão, bem como se comprometeram a comparecer a todos os atos a que fossem intimados, fulminando, por conseguinte, a legalidade de decisão posterior que viesse a decretar a medida cautelar sem oportunizar o contraditório prévio uma vez que inexistente a urgência e a necessidade de se assegurar a eficácia da medida acauteladora.
Ora, a depender do caso concreto, sempre que o acusado previamente se colocar a disposição das autoridades para contribuir com a conveniência da instrução criminal, sujeitando-se a aplicação da lei penal, é incabível a decretação das medidas cautelares sem o contraditório prévio, mormente em se tratando de prisão cautelar cuja natureza é de acessoriedade ao processo.
Essa é uma das formas de se garantir que a decretação da prisão cautelar seja utilizada somente em ultima ratio, exatamente na medida em que pretendeu o legislador na reforma processual trazida pela Lei 12.403/11.
Nesses casos envolvendo colaboração premiada, cujos fatos não estão mais resguardados pelo sigilo, é de rigor a observância do contraditório prévio a efetivação das medidas cautelares, uma vez que inexiste qualquer urgência ou risco de ineficácia da medida ante a prévia ciência por parte dos investigados acerca dos fatos que sobre eles recaem.
De mais a mais, o poder de cautela que deve cercar o magistrado também recomenda que o mesmo oportunize o contraditório prévio a decretação das medidas cautelares como forma de evitar medidas extremas que, após o contraditório diferido ou postergado, poderão ser consideradas como ilegais/desnecessárias pelo órgão colegiado de hierarquia jurisdicional superior.
Nessa senda, não há dúvidas de que o caso envolvendo a prisão dos executivos da J&F levará o órgão colegiado da suprema corte a se manifestar quanto a legalidade da prisão cautelar decretada pelo ministro Edson Fachin, sendo um dos pilares da discussão a necessidade de se oportunizar o contraditório prévio a efetivação da medida cautelar, tal como pleiteado pela defesa.
Tal como defendido no presente artigo, tratando-se de fatos que não estão protegidos pelo manto do sigilo e tendo os acusados demonstrado uma conduta positiva no sentido de contribuir com a conveniência da instrução criminal, bem como se sujeitar a aplicação da lei penal, inexiste urgência ou risco de ineficácia da medida acauteladora que autorize a tomada da decisão inaudita altera parte.
Autor: Artur Barros Freitas Osti é advogado, pós-graduado em Direito Penal Econômico pelo IBCCRIM, pós-graduado em Direito Eleitoral e Improbidade Administrativa pela FESMP/MT, pós graduando em Direito Empresarial pela Universidade Candido Mendes.