Defesa do consumidor deve passar a englobar inteligência artificial

Autores: Armando Rovai e André Luiz Lopes dos Santos (*)

 

O século XX registrou impressionantes transformações nas formas como vivemos e convivemos, em todo o mundo. O século XXI, por sua vez, em menos de duas décadas, já nos dá mostras absolutamente claras do quanto o século XX parecerá, a partir de um olhar mais distante, uma época de aparente calmaria. Dados de todos os tipos sendo coletados, armazenados, processados e compartilhados, de modo incessante, atravessando fronteiras cada vez mais rarefeitas e assumindo o papel de efetiva “moeda” em uma economia de natureza desmonetizada (num primeiro momento), compartilhada e de transações que se multiplicam e se inter-relacionam em escala planetária. Data. Big Data. Volume. Variedade. Veracidade. Velocidade. Tempo Real. Streaming. 5G. 10 Gbps.

Nesse contexto, assim se proclama, tudo pode vir a ser ‘inteligente’: casas, roupas, automóveis, cidades, indústrias – a lista segue. Sensores que captam dados de forma automatizada e os remetem para centros de processamento poderosíssimos, capazes de transformá-los em informações altamente relevantes para quem os recebe, em tempo real, propiciando às pessoas que acessam e manipulam essas informações a capacidade de exercer uma infinidade de ações, das mais relevantes, com níveis de precisão antes impensáveis: controle de tráfego. Gestão de sistemas de abastecimento. Climatização de ambientes. Automóveis que dispensam o comando de motoristas. Roupas que transmitem dados vitais do paciente ao médico. Qual a relevância disso tudo para nosso dia a dia, hoje, aqui no Brasil, no trato diário com as relações de consumo? Em que medida essa realidade ainda aparentemente “futurística” para o nosso cotidiano, merece, hoje, maior espaço na agenda das políticas públicas de proteção e defesa do consumidor?

Nos países economicamente mais desenvolvidos, neste momento, temas como esses ocupam o topo das prioridades nas mesas de diálogos e de negociações, no sentido da construção das convergências e dos pactos necessários à efetiva concretização de todas essas transformações. Como lidar com a proteção de dados pessoais nesse processo? Quais os valores a serem respeitados? Quais os mecanismos de solução de conflitos a serem adotados? Perguntas complexas, construídas a partir de uma realidade mais e mais complexa. Eis aí um exercício essencial o nosso “com-viver” que deve ser coadunado à atenção daqueles que conduzem as atividades do setor produtivo e também da administração pública.

Precisamos, para responder quaisquer das perguntas aqui feitas, disseminar conceitos éticos e idôneos. Expedientes desonestos como desvio de finalidade, corrupção e, principalmente, tráfico de influência devem ser combatidos e punidos. Enquanto partícipes efetivos e agentes da vida em sociedade, devemos, incessantemente e incansavelmente, agir e lutar contra as distorções humanas. Assim, de maneira atemporal, como na carta de Paulo a Timóteo, deve-se, diariamente, “combater o bom combate”, ou seja, mesmo diante de todas a mudanças tecnológicas, negociais ou comportamentais, jamais devemos nos afastar da verdade e da capacidade ilimitada de viver com ética, elemento essencial da vida relacional das pessoas, num cenário de respeito e para uma melhor convivência humana.

 

 

 

 

 

 

Autores: Armando Rovai é titular da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), doutor em direito pela PUC-SP e professor de Direito Comercial da Universidade Presbiteriana Mackenzie e de Direito Comercial da PUC-SP.

André Luiz Lopes dos Santos  é diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e professor universitário.


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