Degradação ambiental, globalização da economia e os limites do judiciário

Henrique Chagas

Registre-se que o tema é amplo e ao mesmo tempo de uma tamanha unicidade, que chega ao ponto de sugestionar uma reflexão de nível pessoal e individual. Com certeza, nesta pequena reflexão, buscar-se-á respostas para o mais grave problema que paira sobre nossas cabeças: a explosão do planeta em que vivemos. Vejam só: pode parecer uma loucura da minha parte, mas o risco pode ser fatal e terminal.
Com o decorrer da história da humanidade, o homem criou e deu a si próprio instrumentos para a sua própria destruição. O risco, hoje, não vem de alguma ameaça cósmica – choque de algum meteoro ou asteróide rasante – nem de algum cataclismo natural produzido pela própria terra – um terremoto sem proporções ou uma revoada de labaredas de fogo ou uma chuva de enxofre como aquela que destruiu Sodoma e Gomorra . Vem da própria atividade humana. O asteróide ameaçador se chama homo sapiens e está muito bem perto de nós. Veja que essa reflexão nos levará a uma meditação quase que estritamente de nível pessoal (qual será o meu futuro?). Alguém estaria perguntando como salvar o mico leão dourado ou a onça pintada, e eu lhe pergunto: como salvar esse maluco de pedra que atenta contra a própria existência?
De agora em diante a existência da biosfera estará à mercê da decisão humana. Para continuar a viver o ser humano deverá, em primeiro lugar, querer; e segundo lugar, terá que garantir as condições de sua sobrevida. Tudo depende de sua própria responsabilidade. E o risco, como já afirmei, pode ser fatal e terminal.
Verdade é que a nossa sociedade se organizou muito mais na insensatez do que na sabedoria. E esse estilo de vida (de total insensatez), que é mundializado, está ligado a destruição de ecossistemas, a ameaça nuclear e a falta de compaixão, relegando milhões e milhões de pessoas à miséria absoluta. E os indicadores dos futurólogos de plantão são alarmantes. Estimativas otimistas estabelecem como data-limite o ano de 2030. A partir daí a sustentabilidade do sistema-terra não estará mais garantida.
Em resumo, temos três nós problemáticos que, urgentemente, devem ser desatados: o nó da exaustão dos recursos naturais não renováveis, o nó da suportabilidade da terra (quanto de agressão ela pode suportar?) e o nó da injustiça social mundial. Parece-nos que a solução destes problemas não se encontra nos recursos da civilização vigente: esta civilização está centrada nos princípios do mercado, que é competitivo e não cooperativo, que produz grandes exclusões e vitimas. O eixo desta civilização reside na vontade de poder e de dominação. O sonho maior que mobilizou o mundo moderno foi sempre o do poder e o da dominação, que sempre resultou na espoliação dos recursos naturais, nas conquistas dos povos e na apropriação de suas riquezas, buscando sua prosperidade mesmo à custa da exploração da força de trabalho e da dilapidação da natureza. E essa ambição desenfreada está levando a humanidade e o próprio planeta a um impasse fatal. Ou mudamos ou pereceremos todos juntos.
Evidentemente que, aqui nesta reflexão, não vou me limitar a escrever sobre a extinção do mico leão dourado ou da onça pintada. Todavia muitas espécies de animais estão se tornando extintas, os rios estão poluídos, os solos estão se tornando desertos e salinificados (o que favorece a erosão) e o El Niño e Niña são ferozes: na primavera já não existem flores e no inverno não se faz frio e nem no verão existem andorinhas. Por que?
Tudo por conta do chamado desenvolvimento. E para diminuir o remorso criou-se a teoria do desenvolvimento sustentado. E justamente neste final de século, teleguiados por essa teoria do desenvolvimento sustentado, os homens se preocuparam em buscar exatamente este equilíbrio entre o desejado desenvolvimento econômico e a preservação da sadia qualidade de vida. Todavia chega-se ao final do segundo milênio pós-Cristo contabilizando resultados altamente questionáveis. Vejamos:
O capitalismo atual, resultante do embate entre aquele chamado do bem estar social e o capitalismo do voluntarismo americano, está sustentado no capital financeiro internacional. O mundo virou um grande cassino. Tudo encontra-se sustentado nas “mãos invisíveis do mercado” (uma idéia de Adam Smith). Também é verdade que a partir da segunda metade deste século a nossa civilização foi influenciada pelo Estado do Bem-Estar Social (que teve em Keynes, o seu principal pensador de política econômica). Keynes dizia que o lixo produzido pelo capital (lixo atômico, pobreza, miséria, favelas, e etc.) não seriam resolvidos pela mão invisível do mercado, mas pela influência do Estado, que ousou chamar de Estado do Bem Estar Social. Entretanto com a prevalência do pensamento da Escola de Chicago, surgiu o chamado neoliberalismo, cuja corrente liderado por Fridmann dizia que esta solução dada por Keynes criava para o Estado um custo empresarial e isto era mal.
O neoliberalismo surgido na Escola de Chicago, sempre trabalhou dentro de uma lógica matemática (filosofia anglo-saxônica), onde ética e moral não tem qualquer importância. O neoliberalismo é neutro. Ronald Reagan e Thatcher diziam que os pobres, frutos desta política neoliberal, não lhes preocupavam pois a caridade deles cuidariam.
O professor emérito da Universidade de Harvard, John Kenneth Galbrait, um dos defensores de Keynes, rebateu veementemente, em recente entrevista, o consenso globalizado e neoliberal de que o Estado do Bem-Estar Social não funciona mais. Disse que na medida em que as pessoas se tornam mais ricas, mais influentes, atribuem seu sucesso ao esforço próprio e se esquecem dos pobres. Segundo ele, é o que vem ocorrendo nos Estados Unidos. Disse que ainda, nos Estados Unidos, se têm uma convivência pacifica entre ricos e pobres, mas se a política neoliberal continuar ter-se-á uma séria desordem social (não é no Brasil, é nos Estados Unidos da América).
Por conta desse sentimento egoísta e individualista, um terço dos norte-americanos investiu em fundos mútuos de ações. Não é difícil prever: quando as ações desabarem, o poder de compra destes “ricos americanos” ficará restringido. É fato consumado que um crash nas bolsas ou uma crise qualquer no Japão ou no sudeste asiático criará, de imediato, uma instabilidade na sociedade americana. O governo americano gasta muito dinheiro para manter a estabilidade da economia japonesa, não porque adora os japoneses, mas para garantir a sua própria estabilidade social.
As pessoas que tiveram sorte de pertencer a uma sociedade moderna e rica inventaram uma justificativa para ocultar o seu próprio egoísmo. E eles são formuladores do pensamento neoliberal. A idéia do livre mercado nada mais é do que mais uma justificativa para manter o cassino internacional. E a isso deram o nome de globalização.
Não se discute o bem que fazem os meios de comunicação: a televisão, a Internet e os satélites que rodam no espaço. O que importa saber é: a serviço de quem estão? O que se vê é uma dominação mundial pelas empresas multinacionais e cada vez mais fortes e centralizadoras. Uma dominação que não se faz pelas armas – algo totalmente primitivo – mas pelo poderio econômico, sutil e realmente forte, conseguido neste imenso cassino financeiro. Utilizam dos recursos financeiros e tecnológicos para subjugar o mais fraco. Para que as ações da Microsoft (só um exemplo) subam nas bolsas é preciso demonstrar que possui força suficiente para crescer ainda mais a qualquer custo (o pensamento neoliberal é neutro: não há ética e nem moral). O laboratório que fabrica o Viagra (remédio para impotência masculina) utilizou a mídia e todos os meios de comunicação para demonstrar que o medicamento resolve o que se propõe, independentemente se, em alguns casos ou tipos de pacientes, venha a provocar a morte do usuário. Mas o que importa é que o valor das ações da Pfizer subiram assustadoramente. Nossa! Não dei nenhum exemplo de empresa que destrói a natureza. Nem precisa, basta olhar o monumental empreendimento que a CESP construiu no Rio Paraná (Usina Hidrelétrica de Porto Primavera), a um custo aproximado de 09 bilhões de dólares, sendo que com o mesmo valor dar-se-ia para construir várias usinas termoelétricas.
Desnecessário dizer que se são capazes de subjugar o ser humano, mantê-lo na miséria, são plenamente capazes de destruírem o planeta terra. O mesmo sentimento egoístico que leva a explorar o seu fratelo, inadvertidamente, aumenta o buraco na camada de ozônio, mata os peixes dos rios e destrói as florestas (que ainda existem). Não é porque a Europa encontra-se destruída (após tantas guerras e destruições) que podemos desmatar e queimar toda a Amazônia!
Entretanto esse mesmo sentimento egoístico destruidor cria mecanismos justificativos para sua manutenção. No mesmo instante em que se subjuga sociedades e países na maior pobreza e miséria, cria-se movimentos contra a utilização de casacos de pele ou pela salvação da baleia azul ou mico leão dourado. Mais. Os países situados no hemisfério norte “especializaram-se” na poluição industrial e têm conseguido exportar parte dessa poluição para os países do sul, quer sob forma de venda do lixo tóxico, quer pela transferência de algumas das indústrias mais poluentes. São apenas contradições do sentimento egoístico!
Evidentemente que os movimentos sociais contra a degradação do meio ambiente vem se articulando de forma crescente, buscando democraticamente a implantação de um novo modelo de cidadania. Pois a defesa destes direitos ambientais une lutas sociais, seja pelo acesso a bens coletivos como a água e o ar (em níveis de qualidade compatíveis), seja pelo acesso a recursos naturais de uso comum necessários à existência de grupos (seringueiros, comunidades indígenas), ou seja pela garantia de uso público do patrimônio natural (áreas verdes, rios e nascentes).
O problema da degradação ambiental, com certeza, tem amplitude necessária para mover os sentimentos de todo os habitantes deste planeta, pois é transnacional. Pode ser uma bandeira para unir e diminuir o conflito entre as sociedades mais ricas e as mais pobres – embora este cassino internacional e globalizado nem tenha rosto, nem ética e nem moral. É preciso que este problema possa tornar-se plataforma para um exercício de solidariedade.
E o papel do Judiciário? É exatamente garantir aos cidadãos o exercício democrático de acesso igualitário aos recursos naturais e coibir os abusos do poder econômico, que subjuga não só o ser humano, mas destrói e expõe a perigo o próprio planeta. Isso é óbvio! O Poder Judiciário não poderá subjugar-se aos interesses do neoliberalismo.
Justiça seja feita! No caso da Hidrelétrica de Porto Primavera, a pedido dos órgãos do Ministério Público Federal e Estadual, a Justiça Federal de Presidente Prudente/SP concedeu-lhes liminar para impedir o fechamento das comportas, pelo menos, até que a CESP – Companhia Energética do Estado de São Paulo S/A cumpra as exigências do IBAMA. O maior lago do país (30% maior que o lago da Usina de Itaipu e que gerará 40% menos energia), antes mesmo do fechamento das comportas da Usina, está provocando danos. As poucas 50 onças pintadas e pardas já estão atacando o rebanho bovino da região. Não é preciso ser profeta para acreditar que estas onças morrerão, seja pela ação do homem ou pelas conseqüências naturais da formação do lago. Com a ausência das onças, o equilíbrio do ecossistema se modificará: teremos mais doenças e pragas para atacar a agricultura regional. Mas quem se importa com a decadente agricultura e pecuária regionais? Afinal, as da Argentina são bem mais evoluídas e com custos inferiores; e o Mercosul já uma realidade.
Essa pequena reflexão (abrangente e ampla) nos leva a uma reflexão de ordem pessoal. Temos que mudar nossa forma de pensar, de sentir, de avaliar e de agir. Somos chamados a fazer uma revolução sob uma inspiração posta sobre princípios mais benevolentes para com a terra e seus filhos e filhas.
Se salvarmos a terra, nos salvaremos. Se nos salvarmos, salvaremos também o belo e radiante planeta. Por isso, é preciso despertar em nós o sentimento de compaixão para com os que sofrem e vivem em extrema dificuldade. Um sentimento contagiante e capaz de levar a todos a um sentimento de compaixão para com a Terra. É preciso um pacto social entre os povos e uma nova aliança de paz e de cooperação com a Terra, nossa casa comum. Se os filhos e filhas de uma casa brigam e se estapeam, nela somente haverá desordem e a desordem levará a um fim trágico: o total aniquilamento de um lar.
Só uma saída: é preciso reinventar o futuro, abrir um novo horizonte de possibilidades. É preciso habitar esta terra com poesia. Experimentá-la como algo vivo, evocativo, falante, grandioso, majestoso e mágico. A terra é paisagem, cores, odores, imensidão, vibração, fascínio, profundidade e mistério. São cegos e surdos e vítimas da lobotomia do paradigma moderno, aqueles que buscam neste planeta apenas os seus recursos naturais, seja como reservatório ou laboratório de elementos físicos e químicos. A terra é lugar de poesia e de vida e não de um vazio existencial.
É preciso construir uma nova civilização! Utopia! Sim, utopia, somente os sonhos não envelhecem. Estamos diante de um experimento sem precedentes na história da humanidade. Ou criamos um novo caminho ou vamos ao encontro das trevas. Ou caminhamos para a luz, para a partilha, para a solidariedade ou experimentaremos a descida solitária ao inferno, em cujo portal Dante Alighieri escreveu: “deixai toda esperança, vós que entrais”.
Há esperança! Mas é preciso um gesto de extrema coragem, especialmente para enfrentar a onda neoliberal do individualismo – o arquiinimigo da solidariedade e da poesia.
“Depois de procelosa tempestade
Soturna noite e cibilante vento
Traz a manhã serena claridade
Esperança de porto e salvamento”. (Camões).

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