Delação premiada é arma poderosa contra o crime organizado

por Eduardo Araujo da Silva

Nas últimas semanas muito se tem falado sobre a delação premiada no Brasil, ante a iniciativa de alguns personagens envolvidos nas denúncias de corrupção no Executivo e no Legislativo Federais, que procuraram membros do Ministério Público na busca de “acordos” de delação premiada.

Mas, aparentemente, há um equívoco no tratamento do tema, pois ao contrário do que se tem divulgado, a delação premiada disciplinada em leis brasileiras infelizmente não tem a mesma dimensão da colaboração premiada de investigados disciplina em leis de outros países.

Exceto uma única hipótese, prevista na Lei 10.408/02, não é possível cogitar-se no Brasil, de acordo para fins de delação entre representantes do Ministério Público e arrependidos, como preferem os italianos. É que as demais leis brasileiras que tratam do tema (8.072/90, 8.137/90, 9.269/96, 9.034/95 e 9.807/99) disciplinam apenas a possibilidade de o juiz, ao término da ação penal, diminuir a pena do acusado delator ou conceder-lhe perdão judicial, sem qualquer participação de membros do Ministério Público. Em outras palavras, trata-se de uma mera discricionariedade judicial.

Ao contrário, o instituto da colaboração processual ou colaboração premiada, previsto em leis estrangeiras, é bem mais amplo e decorre de uma discricionariedade do membro do Ministério Público, ante a possibilidade de seus integrantes realizarem acordos com investigados, acusados e até condenados, o que é incogitável na realidade jurídica brasileira, ante a timidez ou o temor do legislador pátrio ao tratar desse delicado tema.

Na sua real dimensão, portanto, trata-se de um poderoso instituto no combate às organizações criminosas, pois ainda na fase de investigação criminal, o colaborador, além de confessar seus crimes para as autoridades, evita que outras infrações venham a se consumar (colaboração preventiva), assim como auxilia concretamente a polícia e o Ministério Público nas suas atividades de recolher provas contra os demais co-autores, possibilitando suas prisões (colaboração repressiva).

Na jurisprudência inglesa, a figura do colaborador passou a ser tratada partir de uma decisão proferida no caso Rudd (1775), no qual o juiz declarou admissível o testemunho do acusado (crown witness) contra os cúmplices em troca de sua impunidade depois de sua confissão.

Nos Estados Unidos da América os acordos entre acusação e acusado (plea bargaining) também estão incorporados na cultura jurídica, o que facilita a obtenção de uma colaboração premiada. Essa sistemática é resultante da tradição calvinista, na qual confessar publicamente a culpa, praticar um ato de contrição revelam uma atitude cristã que deve ser valorizada pelo direito.

No direito italiano, as origens históricas do fenômeno dos “colaboradores da Justiça” é de difícil identificação; porém sua adoção foi incentivada nos anos 70 para o combate dos atos de terrorismo, sobretudo a extorsão mediante seqüestro, culminando por atingir seu estágio atual de prestígio nos anos 80, quando se mostrou extremamente eficaz nos processos instaurados para a apuração da criminalidade mafiosa.

A tendência, portanto, do processo penal moderno na apuração da criminalidade organizada é “o espírito de colaboração”, através da criação de um mecanismo complexo, no qual a investigação criminal, a coerção processual e a execução da condenação formam um continuum dirigido a incentivar o investigado, o processado e o condenado a colaborar com a acusação.

Como referido, a primeira e única tentativa de disciplina da colaboração processual na sua real dimensão no direito brasileiro ocorreu com a edição da Lei 10.409, de 11 de janeiro de 2002, a qual, contudo, dispõe apenas e tão-somente acerca da possibilidade de sobrestamento do processo — na verdade inquérito policial — ou a redução da pena, após acordo entre o Ministério Público e o indiciado (artigo 32, parágrafo 2º), o que é incompatível com a magnitude do instituto da colaboração processual.

Urge, pois, adequar a realidade brasileira às leis de outros países, em tema de delação ou colaboração premiada, ante os extraordinários benefícios que este instituto pode trazer para as investigações criminais em relação ao crime organizado, se previsto com a lucidez necessária.

A propósito, tramita pelo Congresso Nacional o Projeto de Lei 3.731/97, relatado pelo Deputado Antonio Carlos Biscaia, que regula os meios de obtenção da prova em relação às organizações criminosas, dentre eles a colaboração premiada na sua real dimensão. Basta, portanto, vontade política para que o Brasil dê este salto de qualidade na apuração do crime organizado.

Revista Consultor Jurídico

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