Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy
O direito do trabalho nos Estados Unidos da América é informado por insumos históricos que variam de acordo com o ascetismo calvinista, com o liberalismo clássico e com o individualismo que marca o ambiente capitalista. A crença no trabalho como fator de eleição divina e de sucesso terrestre fomentou as primeiras levas imigratórias[1].
O pensamento jurídico liberal determinou a concepção de formalismo legalista[2] hostil a qualquer tentativa reformista de sabor mais socialista[3]. O protótipo do self made man, do homem que triunfa pelo próprio esforço, definindo o individualismo do cada um para si, insinuou suposta imprestabilidade do sindicalismo, inicialmente identificado como covil de conspiradores[4]. Tudo isso temperado pela escravidão pretérita e resultante racismo enervante[5], projetados na exploração do trabalhador estrangeiro ilegal que lava pratos, banheiros, que dirige táxis, que desempenha toda sorte de serviços que não exigem qualificação. Mexicanos, brasileiros, haitianos, guatemaltecas, peruanos, colombianos, uma farte messe de expatriados oferece trabalho a preço baixo, sem nenhuma proteção trabalhista, resultado do receio que há de se exigir direitos, quando há deveres pendentes para com as autoridades da imigração.
A regulamentação das relações trabalhistas é mínima, principalmente em comparação com outros países historicamente marcados pelo intervencionismo, como Brasil e México. Não há um código ou uma consolidação de normas trabalhistas. O contrato de trabalho implementa-se informalmente mediante vontade das partes, a chamada regra at will; patrões e empregados são relativamente livres para pactuarem[6]. Existe fé nas relações de mercado. Vislumbra-se que há benefícios para empregadores e empregados. O patrão beneficia-se de baixos custos, já que pode encerrar o contrato a qualquer momento; o empregado tem a mesma prerrogativa[7], o que pode ser vantagem em país de emprego relativamente fácil. Admite-se que excessiva regulamentação enseja administração que onera o produto norte-americano no mercado mundial[8]. Desconfiança mútua provoca dúvidas em relação à eficiência dos sindicatos, que em atitude dita voluntarista não aceita interferência do governo[9].
Em princípio, a União regulamenta matéria trabalhista vinculada a comércio entre os estados, perspectiva que vem sendo ampliada desde a administração de Franklyn Delano Roosevelt na década de 1930[10]. Temas mais específicos são tratados pelos estados, como seguro, segurança, salário-mínimo, horas de trabalho, regras para contratação[11]. Interferência da União faz-se mais densa a partir de 1926, quando o Congresso aprovou o RLA-Railway Labor Act, que regulamenta relações trabalhistas em estradas de ferro e em aerolíneas. O aludido estatuto previa mediações e investigações, propiciando aparato para solução de conflitos trabalhistas nas atividades de transporte às quais se refere[12].
Em 1935 aprovou-se o NLRA-National Labor Relations Act, também chamado de Wagner Act, que regulamentou relações trabalhistas que afetavam o comércio, dentro do espírito do programa New Deal, com objetivo velado de se eliminarem práticas competitivas destrutivas[13]. Formatou-se agência federal regulamentadora responsável pelas relações trabalhistas, inclusive com competência exclusiva para julgar e compor conflitos, fazendo o papel de justiça laboral, como será identificado mais adiante. Segundo juslaborialista norte-americano, o Wagner Act,
Foi produto do moderno industrialismo, com raízes no crescimento dos grandes negócios e da organização corporativa da indústria. Defensores dessa lei reconheciam que o ambiente industrial moderno tornara obsoleto o conceito de negociação individual como regulamentador das relações industriais. Transformações sociais e econômicas lançaram muita atenção para as necessidades de negociações coletivas. Além disso, o Wagner Act, reconheceu a incongruência da autocracia industrial no contexto de uma democracia[14].
A presença do Wagner Act é fundamental na concepção de justiça trabalhista nos Estados Unidos. Ainda em 1932 o The Norris-LaGuardia Act reduzira o papel do judiciário nas relações trabalhistas[15]. Essa lei limitou a competência da justiça norte-americana em matéria de direito do trabalho, tornando muito difícil o acesso ao judiciário por parte de trabalhador detentor de supostos direitos contra o patrão[16]. Por outro lado, essa norma também propiciou escudo protetivo aos sindicatos, limitando o alcance das leis antitrust quanto às atividades desses organismos defensores de direitos trabalhistas[17].
O NLRA- National Labor Regulations Act determinou a criação da NLRB- National Labor Relations Board, agência reguladora federal responsável pelo julgamento dos conflitos trabalhistas em relações aos quais tem competência, em primeira instância. Trata-se de organismo coordenado por cinco membros apontados pelo Presidente da República, com oitiva e confirmação do Senado[18]. Consequentemente, essa agência tende a oscilar nas orientações que imprime, dada sua inegável natureza política. Segundo autor norte-americano,
A NLRB tende a ser mais política do que as demais agências governamentais independentes, com membros do partido republicano defendendo empregadores, enquanto representantes do partido democrata são mais inclinados a protegerem os sindicatos. Como resultado, tem havido frequentes mudanças nas políticas seguidas, especialmente na área de práticas trabalhistas faltosas. Clareza e estabilidade da norma trabalhista são ainda mais prejudicadas pelo fato de que a NLRB geralmente regulamenta caso a caso, ao invés de julgar as discussões que aprecia por meio de regras gerais[19].
Com a criação dessa agência, sedimentou-se que as cortes convencionais, do judiciário, limitam-se a deter competência para o judicial review em matéria laboral. Os tribunais ficaram relegados ao controle de constitucionalidade e ao duplo dos julgamentos feitos pela NLRB, assim como pelo processamento de ações propostas para cumprimento de acordos trabalhistas[20], o chamado enforcement of the collective agreement[21]. A NLRB pode ser provocada pelo empregado ou por um conjunto de empregados de uma empresa, assim como pelo sindicato que os represente[22]. O fundamento do pedido de julgamento é a alegação de descumprimento de lei ou de acordo coletivo por parte do empregador, as chamadas ULPs- Unfair Labor Practices[23]. A NLRB tem competência apenas para apreciar feitos trabalhistas relativos a fatos reais e hipoteticamente vinculados a comércio entre estados[24], o que limita a abrangência federal em direito laboral.
O interessado em arbitragem da NLRB, que será chamado de charging party[25], protocolará um pedido conhecido como charge[26], no qual deduzirá o conteúdo de suas queixas contra o patrão (unfair labor patrice)[27]. A súplica é enviada a um dos vários escritórios regionais que a NLRB tem pelos Estados Unidos, de modo que a fixação de competência passa também por um critério geográfico[28].