Por Jorge Leopoldo Sobbé
Quando se escreve sobre drogas, corre-se o risco de confusão com o tráfico. As questões relacionadas com drogas tem um ponto delicado que é o drogado. Escrever como fazemos agora é para falar única e tão somente do dependente que é invariavelmente confundido com o traficante.
Entendo que o caso do dependente é tão grave e tão frágil que deveria, agora sim, ter lei própria. Colocar o traficante e o dependente na mesma lei somente impede um tratamento justo e diferenciado que é na verdade o que a maioria deles precisa.
A questão de dependente de drogas vem de muitos anos. Mais precisamente vem sendo tratada com dificuldade desde o ano de 1987, onde o grande crime era fumar maconha. Gosto de usar um julgado do desembargador Milton do Santos Martins pela sensibilidade usada numa época onde a vida era outra e não tínhamos o crack.
Dizia ele: “Tenho que se está transformando um simples cidadão em criminoso, e, mais das vezes, esse cidadão é meramente um viciado, um doente, que se quer jogar no fundo de uma cadeia e denegrir sua honra e prejudicar a sua vida toda”. Segue adiante: “Que não se apreendam o cigarro e o álcool e que se apreendam o tóxico, a maconha, a cocaína, mas que não se prenda o viciado, o doente, como se criminoso fosse.”
Aqui ainda era parte de uma lei que incriminava o uso de drogas, hoje por mais que se negue o drogado por muitas das vezes para tentar manter seu vício é incriminado por pequenos furtos e por tráfico para sustentar seu vício. Estamos falando de um incapaz de se dirigir, ou expressarsua vontade de maneira livre.
Por tantas outras vezes, o drogado é alegadamente viciado, feito o exame e comprovado aindalhe emprestam responsabilidade que não possui. Ora quando o réu de um processo criminal é comprovadamente viciado, desnecessáriopretender verificar qual a influência da dependência na conduta do acusado. Ora, me perdoem os mais afoitos, mas se é dependente a influência é total.
Quando falamos em dependente de cigarro, e perguntamos qual a influência do cigarro na vida do dependente, todos concordamos que o cigarro impede de subir escadas, ladeiras sem sofrimentos, sem falta de ar. Muitos perdem o paladar, e todos perdem a saúde. Podemos agora fazer o mesmo exercício com os dependentes de álcool, perdem horários, auto-estima, o emprego, os amigos.
Se é de conhecimento público os efeitos do uso do crack, qual é a verdadeira intenção de negar que um furto sob efeito da dependência não pode ser tratado, como disse Milton Martins, com cadeia? Um vez reconhecida a dependência, não há que se questionar a influência da dependência. Haveremos de discutir outras questões.
O tratamento dispensado ao acusado que agiu sob a influência do álcool está descrito no artigo 28, inciso II, parágrafo, e em síntese diz que é isento de pena, desde que a embriaguez seja não seja dirigida para determinado fim.
Normalmente as teses que justificam uma condenação de usuário pelo crime de trafico é a quantidade e a falta de trabalho formal. Convenhamos não há nenhuma discrepância em guardar uma quantidade de crack em “petecas” para uso pessoal, pois foi assim comprada. É relativo o vínculo entre quantidade de drogas e o uso que se destina.
Podemos para exercício imaginar um traficante sendo preso apenas com uma “peteca”, alegará ele que era para uso pessoal e possivelmente acabe sendo aceita a alegação se outras características não concorrerem para uma denúncia por tráfico e após uma condenação.
Mas nem tudo está perdido:
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AVALIAÇÃO E INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA. TRATAMENTO CONTRA DROGADIÇÃO. OBRIGAÇÃO DO PODER PÚBLICO. DECISÃO QUE DETERMINOU A AVALIAÇÃO E, SE NECESSÁRIA, A INTERNAÇÃO DO DROGADITO A SER CUSTEADA PELA FAMÍLIA. REFORMA DA DECISÃO. Agravo de instrumento provido, de plano. (Agravo de Instrumento Nº 70048855530, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall’Agnol, Julgado em 16/05/2012)
Ementa: HABEAS CORPUS. FURTO TENTADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. Considerando tratar-se de furto tentando, cuja instrução criminal já está concluída, e a condição de drogadito do paciente, não persistem os motivos de sua segregação para garantia da ordem pública. O fato de ser o paciente suposto autor de outros furtos, por si só, não é suficiente para determinação de periculosidade e conseqüente necessidade de segregação cautelar. CONCEDERAM A ORDEM DE HABEAS CORPUS. UNÂNIME. (Habeas Corpus Nº 70027973759, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mario Rocha Lopes Filho, Julgado em 22/01/2009)
Ementa: APELAÇÃO CRIME MINISTERIAL. SENTENÇA QUE ABSOLVE POR APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. TENTATIVA DE FURTO SIMPLES DE OITO REAIS EM MOEDAS, REALIZADA DE MODO INEPTO POR DROGADITO, SOB INFLUÊNCIA DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. IRRELEVÂNCIA PENAL. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. Recurso desprovido. (Apelação Crime Nº 70013165600, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Batista Marques Tovo, Julgado em 08/06/2006)
Outros problemas surgem de casos julgados, por exemplo: o testemunho de policiais em juízo. Ora, há algumas críticas nesta atitude, nestes casos o trabalho do inquérito não saiu tão bom quanto deveria, a ponto de carecer de interpretação.
Ementa: Apelação-crime. Furto qualificado tentado. Absolvição mantida. Condenação: requer prova robusta e estreme de dúvidas. Prova: depoimento de policial militar, isolado, não pode gerar convicção condenatória, por lhe faltar isenção. Negaram provimento ao recurso ministerial (unânime). (Apelação Crime Nº 70031199235, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Amilton Bueno de Carvalho, Julgado em 23/09/2009)
Enfim, entendo pela interdição do acusado ou tratamento. Qualquer solução mais próxima de humanidade.
Jorge Leopoldo Sobbé é sócio do escritório Sobbé e Suliani Advogados.