Autor: Pedro Raposo Jaguaribe (*)
Atualmente nos deparamos com diversos contribuintes sendo autuados pela Secretaria da Receita Federal por depósitos bancários de origem não comprovada, cujo enquadramento legal encontra-se fundamentado no artigo 42, parágrafo 2º, da Lei 9.430/96.
Artigo 42. Caracterizam-se também omissão de receita ou de rendimento os valores creditados em conta de depósito ou de investimento mantida junto a instituição financeira, em relação aos quais o titular, pessoa física ou jurídica, regularmente intimado, não comprove, mediante documentação hábil e idônea,a origem dos recursos utilizados nessas operações.
Parágrafo 2º. Os valores cuja origem houver sido comprovada, que não houverem sido computados na base de cálculo dos impostos e contribuições a que estiverem sujeitos, submeter-se-ão às normas de tributação específicas, previstas na legislação vigente à época em que auferidos ou recebidos.
A cabeça do artigo 42 da Lei 9430/96 tipifica que se presumem rendimentos omitidos pelo contribuinte, quando este “não comprove, mediante documentação hábil e idônea, a origem dos recursos utilizados nessas operações”.
Assim, quando do início do procedimento inquisitório, a fiscalização identifica as contas correntes de titularidade do contribuinte e o intima para apresentar documentos hábeis a comprovar à origem dos créditos mantidos nessas contas.
No decorrer dos trabalhos, grande parte dos contribuintes não mede esforços para atender às solicitações do Fisco, apresentando recibos, extratos, livros contábeis etc.
Ocorre que, não obstante o contribuinte atender todas as intimações, o Fisco, de forma arbitrária, muita das vezes não convencido das provas produzidas pelo contribuinte e conduzido pela facilidade da presunção estabelecido pelo dispositivo em comento, desconsidera os documentos apresentados lavrando o auto de infração e, consequentemente, invertendo o ônus da prova para o fiscalizado.
Autuações nesse sentido são frágeis, tendo em vista que o dispositivo legal dispõe que a tributação presumida somente tem lugar na hipótese da não comprovação da origem dos recursos. Assim, provada a origem, descabe a tributação com fundamento no artigo 42 da Lei 9.430/96.
Mesmo que a comprovação da origem dos depósitos, feita pelo contribuinte, seja representativa de matéria tributável, não incluída entre os rendimentos tributáveis na declaração de ajuste anual, incabível a aplicação do normativo do artigo 42 do diploma legal citado, pois afastada a tipificação para fins da presunção estabelecida.
Ademais, não bastasse essa norma elementar da exegese em matéria tributária, pois o Sistema Tributário Nacional não admite a interpretação integrativa ou extensiva, e o CTN, de forma expressa, em seu artigo 108, parágrafo 1º, veda a aplicação da analogia para fins de exigir tributo, é a própria Lei 9430/96, que no parágrafo 2º do artigo 42, taxativamente determina, in verbis:
§ 2º. Os valores cuja origem houver sido comprovada, que não houverem sido computados na base de cálculo dos impostos e contribuições a que estiverem sujeitos, submeter-se-ão às normas de tributação específicas, previstas na legislação vigente à época em que auferidos ou recebidos.
Noutros termos, comprovada a origem do recurso, fica afastada a presunção legal de rendimento omitido, prevista no caput do artigo 42 da Lei 9430/96, devendo ser aplicadas as normas de tributação específicas, vigentes à época em que auferidos ou recebidos os rendimentos.
Nesse sentido, a clareza do quanto decidido no Acórdão 104-20.448:
IRPF – LANÇAMENTO COM BASE EM DEPÓSITOS BANCÁRIOS -COMPROVAÇÃO DA ORIGEM DOS RECURSOS – INSUBSISTÊNCIA DA PRESUNÇÃO LEGAL – Não subsiste a presunção legal de omissão de rendimentos baseada em depósitos bancários de origem não comprovada, quando o contribuinte comprova a origem dos recursos depositados/creditados na conta bancária,entendendo-se por origem a procedência desses recursos, sem se cogitar da natureza da operação que ensejou o creditamento na conta bancária do contribuinte. Poderá a Fazenda, nesse caso, proceder ao lançamento com base na legislação especifica, se for o caso.
Na mesma linha, o Acórdão 106-17.264, cuja ementa está assim redigida:
COMPROVAÇÃO DA ORIGEM DOS DEPÓSITOS BANCÁRIOS – EXCLUSÃO DA BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO LANÇADO – HIGIDEZ – Comprovada a origem dos depósitos bancários, caberá a fiscalização aprofundar a investigação para submetê-los, se for o caso, às normas de tributação específicas, previstas na legislação vigente à época em que auferidos ou recebidos, na forma do art. 42, § 2°, da Lei n°s 9.430/96. Conhecendo a origem dos depósitos, inviável a manutenção da presunção de rendimentos com fulcro no art. 42 da Lei n° 9.430/96.
Para sedimentar o entendimento, é válido reproduzir alguns excertos do voto condutor do Acórdão 104-20.488, de autoria do conselheiro Pedro Paulo Pereira Barbosa, que foi aprovado pela unanimidade do colegiado:
A DRJ/R10 DE JANEIRO/RJ II, não acolheu a alegação da defesa sob o fundamento de que os documentos apresentados pelo contribuinte comprovam apenas quem foi o depositante, mas não a natureza da operação que ensejou o depósito, requisito que considera essencial para caracterizar a comprovação da origem dos recursos, nos termos do art. 42 da Lei n° 9.430, de 1996.
Com a devida vênia, divirjo da decisão recorrida quanto a esse ponto.
Primeiramente, não compartilho da interpretação de que o verbete “origem”, constante do dispositivo legal, tenha ali outro significado senão o de procedência, fonte, de local de onde veio. A mim me parece claro que a legislação autoriza a presunção legal de omissão de rendimentos quando o contribuinte não informa a origem, no sentido acima referido; sem tal informação, a lei autoriza a presunção de que tais depósitos são receitas ou rendimentos tributáveis omitidos, até porque não tem o Fisco elementos para averiguar a efetiva natureza dos recursos.
Tal situação não ocorre, entretanto, quando se conhece a origem, a conta corrente de um parente, de uma pessoa física qualquer, de uma empresa da qual o contribuinte é sócio ou não, etc. Nesses exemplos, não há falar em presunção de omissão de rendimentos, mas de identificação da natureza da operação que ensejou a transferência do recurso e se, for o caso, da eventual incidência tributária.
Penso que a leitura conjunta do caput do art. 42 com o seu § 2° conduz à interpretação de que, para afastar a presunção legal de omissão de rendimentos basta a comprovação da procedência dos recursos. Conhecida esta, cumpre ao Fisco examinar a hipótese de eventual incidência tributária em face de legislação outra que não o próprio art. 42 da Lei n° 9.430, de 1996.
Assim, comprovada a origem dos depósitos por meio dos documentos fornecidos pelo contribuinte à fiscalização, descabe a tributação com base no artigo 42 da Lei 9.430/96. Isso porque, para esses casos, a hipótese passa a ser regida pelo parágrafo 2º desse artigo, cuja dicção é a seguinte:
§ 2º Os valores cuja origem houver sido comprovada, que não houverem sido computados na base de cálculo dos impostos e contribuições a que estiverem sujeitos, submeter-se-ão às normas de tributação específicas, previstas na legislação vigente à época em que auferidos ou recebidos.
Como exemplo, podemos imaginar a seguinte situação: autuação de rendimentos tributáveis com arrimo no artigo 42 da Lei 9.430/96 em que o contribuinte comprova, por meio de recibos, slips contábeis, livros e inúmeros outros documentos que são desprezados pelo Fisco.
Ora, a Fazenda Pública não só pode, mas deve constituir o crédito tributário com base em depósitos bancários quando a origem não for comprovada, todavia, se o sujeito passivo apresenta documentos suficientes para suscitar importante dúvida para que o ônus da prova de que tal não era a origem dos depósitos, cabe ao Fisco diligenciar com o fito de se apossar de documentos que forneça supedâneo legal para aplicação do artigo 42 da Lei 9.430/96.
Conclui-se, portanto, que se o sujeito passivo comprovar, de forma cabal, a origem dos depósitos por ele mantido, a tributação presumida disposta no artigo 42 da Lei 9.430/96 torna-se insubsistente.
A propósito, é válido trazer à colação o decidido, por unanimidade, pela Câmara Superior de Recursos Fiscais, 4ª Turma, em face de recurso especial interposto pela Fazenda Nacional, no Acórdão CSRF/04.00.296, assim ementado:
DEPÓSITOS BANCÁRIOS — Apresentando o contribuinte documentos e argumentos que demonstram que a presunção adotada não tem sólidos fundamentos, ou seja, não leva a um juízo de probabilidade sustentável, contamina o lançamento de incerteza, o que não se admite no Direito Tributário, que, dentre outros princípios se rege pela tipicidade cerrada.
Recurso negado.
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso interposto pela FAZENDA NACIONAL.
ACORDAM os Membros da Quarta Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais, por unanimidade de votos, NEGAR provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que passam a integrar o presente julgado.
Dessa forma, não é lógico e razoável atribuir a um contribuinte a tributação presumida depois de ter atendido a todas as intimações fiscais, o que, por conseguinte, leva a anulação do lançamento fiscal.
Autor: Pedro Raposo Jaguaribe é especialista em Direito Tributário e Finanças Públicas pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP; LL.M (Masters of Law) pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais de Brasília – IBMEC; Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/DF; Membro do Grupo de Pesquisa de Direito Tributário da Universidade de Brasília – UnB; Advogado em Brasília.