Desabafo de uma adolescente que completa 18 anos

Completo hoje dezoito anos de idade. Parece que foi ontem. Depois de uma longa noite e de um parto difícil, vim ao mundo pelo Brasil. Assim que nasci, batizaram-me de cidadã.

Por muitos me considerarem moderna, de vanguarda, esperavam que eu pudesse, por mim mesma, transformar a realidade brasileira. Tanta expectativa, confesso, deixou-me assustada. Afinal, pensava eu, o que pode fazer sozinha uma mera folha de papel? Olhando para trás, surpreendo-me, todavia, com o avanço que tivemos. Não eu, apenas. Nós. Tenho comigo a sensação de que poderíamos ter feito bem mais, não fosse…

Neste dia festivo em que aniversario, gostaria de falar apenas de coisas alegres, mas, do alto de minha maioridade, sinto-me no dever de desabafar. Na verdade, não colecionei apenas simpatizantes nessa minha trajetória de vida. Ainda que involuntariamente, fiz também inimigos. Boa parte destes é responsável pelo que sou atualmente: uma adolescente desfigurada por 52 cirurgias plásticas a que fui obrigada a me submeter. Miro-me no espelho e não me reconheço.

Classificando-me de prolixa, rebelde, sonhadora, violentaram-me, subtraindo, pouco a pouco, a minha identidade. Não satisfeitos, querem agora me reformar ainda mais. Tramita no Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional 157, tendo por objeto a convocação de uma Assembléia de Revisão Constitucional. A exposição de motivos dessa PEC condena-me por haver produzido “evidentes inconvenientes”, sobretudo por “impor diretrizes programáticas à promoção do bem-estar social”.

Diz-se mais que o meu “alto nível de detalhamento torna, na prática, imprescindível” a minha modificação “a cada governo que se elege”, pois “não raro, o projeto político do governante eleito guarda incompatibilidades insuperáveis com a minha orientação programática”. Em remate, afirmam que eu exacerbo “da tarefa de impor limites aos poderes públicos, constituindo-se em poderoso instrumento de ingovernabilidade”.

O Brasil se tornou ingovernável por mim? Logo eu, que tenho justamente por missão, dentre outras, legitimar o Estado e conter o desgoverno?

Em meio às felicitações que venho recebendo e receberei neste dia, invoco o nome de minha mãe, Liberdade, para lhes pedir um presente. Deixem-me ter uma identidade para que eu, amanhã, possa lhes dar uma. Respeitem-se, respeitando-me. Defendam-se, defendendo-me, principalmente daqueles que um dia juraram-me obediência.

Ah, meu nome? Não, não me chamo Christiane F. Atendo pelo nome de Constituição do Brasil.

Revista Consultor Jurídico

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