Desarmamento: exagero e desinformação

Os brasileiros jamais foram guerreiros e fanáticos por qualquer modalidade de arma. Não temos heróis no estilo do general Patton, que não dispensava o Colt.45 no coldre, ou como John Wayne, que simbolizou, no cinema, o cowboy americano paladino do oeste selvagem.

As nossas paixões são outras, como o carnaval, futebol, churrasco, feijoada. Nem mesmo as Forças Armadas podem se gabar de deter moderna tecnologia em termos de defesa ou ataque. Até há poucos anos a arma-padrão da infantaria era o obsoleto fuzil Mauser, modelo 1908, que aprendi a desmontar, montar e disparar, no Tiro de Guerra de Capivari, que me conferiu certificado de integrante de 2ª categoria da reserva do Exército.

A maior parte da população não está ligada à arma de fogo. Basta verificar o número de lojas que se dedicam a esse tipo específico de comércio. Muitos, porém, conservam, fechado a chave, revólver de 5 ou 6 tiros, ou espingarda cartucheira, como lembrança da família e instrumento de legítima defesa. Certo número reduzido de pessoas se dedica a colecionar armas raras, e pequena quantidade aprecia a caça, severamente reprimida pela legislação ambiental. Existem, ainda, esportistas dedicados ao tiro olímpico, embora neste terreno não tenhamos a menor condição de competir com a Alemanha, Suécia, Finlândia, Suíça, Estados Unidos, Itália e outros países desenvolvidos. Em disputas internacionais a participação brasileira é quase simbólica, pois o tiro esportivo é esporte pouco difundido, e se faz presente graças à abnegação de um punhado de desportistas, inspirados no exemplo do tenente Guilherme Paraense que, com arma emprestada, levantou a medalha de ouro na Olimpíada de Antuérpia, em 1920. Foi a primeira medalha de ouro do Brasil na história das Olimpíadas.

A campanha de desarmamento da população de bem, como reconhece o Ministro da Justiça, peca pelo exagero. S. Exa., criminalista de renome internacional, está à procura de solução radical que, se for adotada, transformará milhares de pessoas em criminosos, unicamente porque não estão dispostos a abrir mão do revólver que guardam para eventual defesa da família, em caso de invasão da residência. É preciso entender que o que alimenta a criminalidade é a falta de controle e de fiscalização por parte dos órgãos públicos para com o contrabando, para com as vendas ilegais, e para com o crime organizado.

As polícias – refiro-me a todas as polícias estaduais – nunca dispõem de efetivos suficientes para garantir a plena segurança da população. Ademais, arma não é unicamente a arma de fogo. De acordo com o dicionário, é “qualquer instrumento de ataque ou defesa”. Facas, navalhas, podões, foices, machados, garrafas, pedras, porretes, podem ser tão letais quanto uma pistola ou revólver. Um soco pode ser fatal. Presenciei, na Av. 23 de Maio, determinado cidadão descer do automóvel armado com bastão de “beisebol”, para agredir outro motorista, por algum problema de trânsito. Flamínio Fávero, na conhecida obra “Medicina Legal”, mostra vítimas de lesões graves e mortes, cometidas a dentadas, navalhadas, cacetadas, água fervente.

Fosse possível desarmar a população toda, e não apenas aqueles que vivem na legalidade, não ocorreriam rebeliões e assassinatos nos presídios e na Febem, com a utilização de chuços e estiletes, produzidos não se sabe como, nem a partir do que.

A aquisição de armas de fogo, para fins de defesa pessoal e patrimonial, deve ser alvo de rigoroso controle, como sucede em qualquer país civilizado. É apropriado, também, que vigilantes, colecionadores, atiradores e caçadores se submetam a legislações específicas e atualizadas.

O que não me parece certo é obrigar-se a população, em grande parte desinformada, a referendo para que responda “sim” ou “não” a pergunta revestida de tanta complexidade.

Almir Pazzianotto
Ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho

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