Basta de violência. Não à banalização das armas. Chega de mortes inocentes. Essas são algumas das frases que povoam corações e mentes da maioria esmagadora dos brasileiros. Cidadãos e cidadãs que não suportam mais conviver com a criminalidade e que não desejam, de forma alguma, se entregar à paranóia de se trancar em casa, entre grades, para alcançar a ilusória segurança.
Posso afirmar, calçado em manifestações que recebo, diariamente, e com a base científica de pesquisas de institutos respeitados, como o Ibope e o Datafolha, que oito entre dez brasileiros em idade de votar estão a favor da tese do desarmamento. Isso é reflexo da dor que provoca a perda de uma pessoa próxima em decorrência de um crime praticado por arma de fogo. Quem não tem um vizinho, um parente, um amigo que sofreu algum tipo de violência por pessoa que portava uma arma?
É imprescindível desarmar para acabar com os crimes por motivos banais, ou fúteis. Desde o Ministério da Justiça, quando tomei contato direto com as estatísticas que nos mostram, diariamente, ocorrência de mortes de pessoas inocentes por armas de fogo, até a volta ao Senado, quando começamos a trabalhar efetivamente pela aprovação do Estatuto do Desarmamento e mais recentemente pelo referendo, tenho procurado externar e fortalecer minhas posições com base em levantamentos objetivos e imunes a “achismos”.
Não se entra numa campanha pautado apenas pela intuição. Mas os números oficiais nos mostram, com rigor estatístico, que as ações e propostas pontuais para reduzir o número de armas em circulação têm um efeito retumbante nas vergonhosas estatísticas brasileiras e desmentem de maneira cabal a conversa fiada daqueles que são adeptos da filosofia do “dente por dente, olho por olho”.
Às vésperas da consulta popular que vai nos dizer se deve ou não ser proibido o comércio de armas e munições, mais um estudo reforça essa luta que, a cada dia que passa, vai organizando a sociedade em comitês, nos municípios de Norte a Sul do País, no sentido de dizer não às armas.
Refiro-me ao levantamento divulgado, na semana passada, pelo Ministério da Saúde, atestando que a mortalidade com arma de fogo registrou queda de 8% no ano passado em relação a 2003. É a primeira vez que a criminalidade por arma de fogo recua nos últimos treze anos.
Segundo a pesquisa, a mortalidade por arma de fogo, que era de 22,4 por cem mil habitantes em 2003, caiu para 20,3 por grupo de cem mil em 2004. Ou seja, em 2003 morreram no Brasil 39.325 pessoas vítimas de arma de fogo. No ano seguinte, esse número caiu para 36.091. Isso quer dizer que mais de 3,2 mil vidas, na maioria de jovens, foram poupadas.
O período em que se deu essa redução coincide com a Campanha do Desarmamento, que já recolheu 443,7 mil armas de fogo em pouco mais de um ano. O curioso é que, nos estados onde houve maior adesão à entrega das armas, houve redução expressiva nos homicídios. Foi o caso do Rio de Janeiro (com menos 10% no número de mortes) e São Paulo (redução de 19%). Conclusão: quanto menos armas em circulação, menos mortes de cidadãos.
A pesquisa é extremamente didática e sugiro a todos que façam uma consulta a ela no site do Ministério da Saúde. São números que nos estimulam a continuar nessa batalha, que não pode envolver armistícios, mas apenas argumentos, fatos, números. Nesse aspecto, creio que o melhor argumento é a defesa da vida.
Renan Calheiros
Presidente do Senado Federal