Por Eduardo Matarazzo Suplicy e Ivan Valente
Como testemunhas diretas do ocorrido na reintegração de posse do Pinheirinho e participantes das negociações que antecederam a desocupação, temos a obrigação de relatar a marcha da insensatez das decisões das autoridades, que são responsáveis pela truculência, violação dos direitos humanos e desprezo pelos menos favorecidos. Não foi por falta de argumentos com alternativas às autoridades do Judiciário e do poder público que o episódio não teve outro desfecho.
Por volta das 12 horas de 18 de janeiro, em companhia dos deputados Adriano Diogo e Carlos Gianazzi, fizemos uma visita ao Presidente do Tribunal de Justiça, Ivan Sartori, para alertá-lo que um entendimento entre o governo federal, o estadual e a prefeitura de São José dos Campos estava próximo de se concretizar com vistas a solucionar o problema de moradia de um número considerável de famílias que haviam construído residências no Pinheirinho, em São José dos Campos. Ressaltamos que seria importante dar um prazo para a concretização daquele acordo antes de se iniciar a reintegração de posse determinada pela juíza Márcia Loureiro. Ponderou o Presidente Sartori que só se poderia sustar a reintegração mediante clara documentação das partes. Deu-nos o nome e o telefone do Síndico da Massa Falida da Selecta S.A., autor da reintegração da área, da qual apenas parte havia sido ocupada, nos últimos oito anos, por um número superior a 1.700 famílias. De pronto, o Síndico, Jorge T. Uwada, marcou um encontro conosco perante o Juiz de Falências, Luiz Beethoven Giffone Ferreira, na 18ª Vara do Fórum de São Paulo. Após uma hora de ponderações sobre os problemas sociais que poderiam advir da reintegração, o Juiz Beethoven perguntou ao Sr. Uwada se ele concordaria com a concessão de um prazo de 15 dias para a realização de um entendimento. Mesmo tendo o advogado da massa falida expressado sua discordância, o síndico concordou. O juiz Beethoven pediu que o síndico redigisse um requerimento explicitando sua concordância e a de todos os presentes. Nesse mesmo documento, o juiz deferiu a suspensão da reintegração por 15 dias. Também registrou seu telefonema à Juíza Márcia Loureiro solicitando a suspensão da reintegração pelo prazo acordado.
De pronto, seguindo a recomendação do próprio juiz, levamos aquele documento ao Juiz Rodrigo Capez, no Tribunal de Justiça, que estava encarregado pelo Presidente Sartori de nos receber. Ainda no TJ, o juiz Rodrigo Capez, auxiliar direto do Presidente do Tribunal – e o mesmo que depois avalizou toda a ação da PM no Pinheirinho – se comprometeu a se empenhar por uma solução negociada.
Naquela mesma tarde conversei com a Secretária Nacional de Habitação, Inez Magalhães, sobre o prazo aberto para a negociação. Ela se prontificou a receber o Prefeito Eduardo Cury, de São José dos Campos, na Secretaria Geral da Presidência, para acelerar os planos do possível aproveitamento de parte daquela área para o desenvolvimento de programa de moradia. Naquela tarde, o Governador Geraldo Alckmin informou ao senador Suplicy que, se o governo federal e a prefeitura chegassem a um entendimento, o governo estadual providenciaria a infraestrutura necessária para o terreno.
No dia 19, o Prefeito Cury foi à Brasília, dialogou no Ministério da Ciência e Tecnologia, mas adiou a reunião que teria sobre o Pinheirinho. No dia 20, veio a São Paulo. Depois de ter conversado com juízes, teve a atenção de visitar o senador Suplicy, para expor as dificuldades e progressos havidos, nos últimos oito anos, no seu relacionamento com a comunidade do Pinheirinho. Falou de sua discordância com a ocupação, mas também de sua responsabilidade em resolver os problemas sociais daquelas famílias, em especial com os serviços de educação e saúde. Suplicy relatou a disposição do Ministério das Cidades, da Secretaria Nacional de Habitação e da Secretaria Geral da Presidente Dilma Rousseff de acelerar um entendimento para o assentamento definitivo das famílias. Foi agendado com o prefeito uma reunião para a semana seguinte. No sábado, 21, nos deslocamos para o Pinheirinho, onde relatamos a mais de 600 pessoas ali reunidas em assembleia que estava sendo construída uma solução para o caso. Recomendamos a todos que se portassem com serenidade e respeito.
Eis que no domingo, 22, às 6 horas da manhã, cerca de dois mil policiais com extraordinário aparato, atirando balas de borracha, junto com a guarda municipal, com armas de fogo, gás lacrimogêneo, helicópteros, tratores, viaturas da ROTA, passaram a expulsar os moradores daquela área, retirando-os de suas residências, forçando-os a se dirigirem a abrigos nas áreas contíguas, como a do Campo dos Alemães. Ao verem aquelas cenas, alguns dos moradores das áreas vizinhas protestaram. Então, a operação da PM expandiu-se para as áreas vizinhas, possivelmente para tentar criminalizar a conduta daquela comunidade.
No Pinheirinho e na vizinhança, houve inúmeras pessoas que foram feridas com tiros de balas de borracha, como uma mulher que levou doze pontos na boca; um homem de 70 anos que, agredido em sua cabeça, segundo o testemunho de seus vizinhos, está até hoje internado na UTI; outro homem, que conforme mostraram as imagens de TV, foi brutalmente agredido por golpes de cassetetes; centenas não conseguiram se organizar – depois do trauma de fugir da polícia, das bombas e da humilhação – para contratar o carreto, ou não tinham dinheiro na mão para pagar. Entre os que o fizeram, a maioria não pode retirar tudo o que tinha, mas apenas o que coube em uma “Kombi”. Temos de lembrar que o terreno só tinha uma entrada e o trânsito das “Kombis” e caminhões foi limitado, ou melhor, foi caótico. A entrada dos tratores que demoliram todas as construções existentes no Pinheirinho foi uma ação de uma brutalidade atroz. Por exemplo, a casa de uma empregada doméstica e depois cozinheira em um restaurante informal e o marido motorista de ônibus que possuía geladeira, fogão, TV, computador e tudo o que eles compraram em oito anos, por meio de prestações e mais prestações, foi destruído. Quem irá ressarcir essas pessoas?
Nesse domingo, 22 de janeiro, ao sermos avisados dessa operação, o senador Suplicy dirigiu-se ao Palácio dos Bandeirantes, às 7 horas, para conversar com o Governador Geraldo Alckmin, enquanto o deputado Ivan Valente foi para o Pinheirinho, onde testemunhou tais ações violentas.
Às 23 horas daquele mesmo dia, um grupo de policiais da ROTA, composto por três viaturas efetuou uma diligência no Campo dos Alemães, local contíguo ao Pinheirinho. Segundo depoimentos efetuados perante a Promotoria de Justiça,
eles entraram numa residência sem mandado judicial, a título de averiguar a existência de drogas e perpetraram uma série de abusos de alta gravidade, envolvendo, principalmente, as moças existentes na casa que foram vitimas de violência sexuais que deixamos de historiar por serem atos constrangedores e degradantes. O Comandante Geral da PM, Cel. Álvaro Camilo, providenciou que a Corregedoria da PM ouvisse essas moças.
O Governador Geraldo Alckmin ao ser informado da gravidade das denúncias nos garantiu apuração isenta e rigorosa de todos os fatos. Algumas jornalistas, dentre as quais Laura Capriglione e Marlene Bérgamo, testemunharam o relato detalhado daquelas moças e acompanharam o promotor de justiça, o delegado da 3ª. DP e o perito da polícia civil no recolhimento dos objetos comprobatórios das acusações apresentadas contra os policiais.
É muito importante que os Juízes Márcia Faria Mathey Loureiro, Luiz Beethoven Giffoni Ferreira, Rodrigo Capez e o Desembargador Ivan Sartori acompanhem de perto a apuração destes lamentáveis episódios para que conheçam melhor as consequências de suas decisões, principalmente a que revogou o ato que suspendia a reintegração de posse do Pinheirinho, no momento em que estava em curso um entendimento dos três níveis de governo no sentido de garantir não apenas a integridade das famílias ali residentes, mas também o respeito à função social da propriedade.
Agora, é fundamental que os três níveis de governo retomem os entendimentos para resolver as carências de moradia e de direitos sociais daquela comunidade, seja com o possível aproveitamento de parte da área do Pinheirinho, conforme estava sendo aventado, seja com a utilização de outra área municipal. Esse assunto deverá ser abordado em audiência pública marcada para 23 de fevereiro na CDH do Senado.
Uma sociedade democrática não pode tolerar que o poder público – incluído, Judiciário, Executivo e Legislativo – perpetre ações como as ocorridas no Pinheirinho. Lá, não tiraram vida daquelas pessoas, mas lhes tiraram a dignidade, elas foram jogadas na rua, sem saída. Além disso, como serão ressarcidas pela perda de suas propriedades? Fogões, geladeiras, mesas com cadeiras na cozinha, sofás, guarda – roupas, as fotos dos filhos que cresceram ali etc. etc. Há que se tomar medidas para a superação da dura realidade que essas pessoas estão enfrentando.
Eduardo Matarazzo Suplicy é senador pelo PT-SP
Ivan Valente é deputado federal pelo PSOL-SP