Deve-se implantar centros de mediação em comunidades pobres

Por Maria Rita Drummond
O acesso à Justiça constitui a principal garantia dos direitos subjetivos, em torno do qual gravitam todas as garantias destinadas a promover a efetiva tutela dos direitos fundamentais, amparados pelo ordenamento jurídico. A Justiça, representada Estado-Juiz, seria, em princípio, o meio hábil de reivindicação de tais direitos. Entretanto, caso o acesso ao Judiciário seja falho ou restrito a uma parcela da população, os direitos individuais e sociais tornam-se meras promessas ou declarações políticas, desprovidas de qualquer efetividade para aqueles marginalizados do sistema judicial.

Os juristas Mauro Cappelletti e Bryant Garth buscaram analisar os meios de acesso à Justiça, visando a encontrar maneiras de democratizá-la e permitir que os cidadãos pudessem com facilidade, e em grau de igualdade, recorrer às soluções jurisdicionais. Em suas palavras:

“O direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para a sua efetiva reivindicação. O acesso à Justiça pode, portanto, ser encarado como requisito fundamental — o mais básico dos direitos humanos — e um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.” (Cappelletti, Mauro & GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Sergio Antônio Fabris Editor. Porto Alegre, 1988. P. 9.)

Neste sentido, o acesso à Justiça deveria ser pleno e ao alcance de todas as camadas da sociedade, sendo sua solução o mais rápida e menos custosa possível. No entanto, o processo judicial no Brasil é deveras demorado e custoso, limitando, assim, àqueles que podem esperar e tem como pagar. O Judiciário pátrio é extremamente burocratizado, com muitas despesas e taxas judiciais, honorários advocatícios e periciais, que obstaculizam o acesso de pessoas economicamente frágeis à Justiça, tornando a função do Estado-Juiz ineficiente e ineficaz.

Diante desta realidade, passamos a buscar vencer aquilo que Mauro Cappelletti chama de “obstáculo processual” ao acesso à Justiça, que o citado jurista entende como o fato de que em certas espécies de controvérsias, o tradicional processo litigioso perante o Judiciário pode não ser o melhor caminho para ensejar a reivindicação efetiva de direitos. Nessa perspectiva, surgem os meios alternativos de solução de controvérsias, quais sejam, conciliação, arbitragem e mediação, como elementos importantes na busca de Justiça.

O jurista português Boaventura de Souza Santos afirma que a criação de mecanismos de solução de conflitos, caracterizados pela informalidade, rapidez, acesso ativo da comunidade, conciliação e mediação entre as partes constituem a maior inovação da política judiciária. A criação de alternativas de solução de conflitos à margem do Judiciário, visa a criar, em paralelo à administração da Justiça convencional, novos mecanismos de resolução de conflitos, franqueando e ampliando o acesso da população marginalizada à justiça.

A função estatal de prestação judicial corresponde à obrigação de instituir e manter mecanismos judiciários equipados e suficientes ao atendimento dos conflitos sociais. Idealmente, o Estado deve prestar jurisdição a todos, assegurando a gratuidade a quem não possa enfrentar as custas do processo, garantindo o concurso de defensor dativo e os serviços de consultoria e advocacia gratuita como forma de igualar as condições de efetivo acesso à Justiça. O cidadão poderá sempre e a qualquer momento invocar o Judiciário, para a solução de conflitos, mas, isso não impede que este possa se valer de outros mecanismos de composição de litígios.

A conciliação e a arbitragem, ao contrário da mediação, têm como características o acordo de vontades, seja por concessões mútuas, como na conciliação, seja mediante a participação de um terceiro, escolhido de comum acordo pelas partes, sem vinculo com o Estado e encarregado de decidir o litígio. Já a mediação busca reunir as partes, esclarecendo os fatos e discutindo opções que atendam, da melhor forma possível, suas necessidades. O resultado alcançado tenta reconstruir, dentro do possível, o relacionamento entre as partes, ajudando estas a resolver suas disputas e a administrar melhor seus conflitos.

Ressalta-se que a conscientização da sociedade em geral, mas principalmente da população de baixa renda, de sua cidadania é fundamental para a ampliação ao acesso à Justiça. Deve-se esclarecer quais são os direitos fundamentais individuais e da coletividade e quais os instrumentos jurídicos hábeis para sua reivindicação e proteção. É preciso estimular, ou ainda criar, uma cultura de busca da efetividade desses direitos por meios alternativos de solução de controvérsia.

Cumpre destacar, por fim, que dentre os meios alternativos acima citados, a experiência tem mostrado que a mediação desempenha um papel importante enquanto procedimento capaz de responder eficazmente aos conflitos emergentes nos mais diversos seguimentos socioeconômicos. A implantação de centros de mediação em comunidades de baixa renda pode ser um excelente meio para se promover e ampliar o acesso à Justiça. Trata-se de uma forma eficaz que viabiliza o acesso a soluções rápidas e criativas, sendo, portanto, um elemento essencial para a concretização do Estado Democrático de Direito.

Maria Rita Drummond é advogada no Rio de Janeiro e pós-graduanda em Direito Civil-Constitucional pela UERJ.

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