Deve-se meditar sobre a presença do Poder Judiciário na mídia

Autor: Melillo Dinis do Nascimento (*)

 

Este ano um dos mais destacados magistrados do país revelou em palestra o seu espanto com o papel das mídias na produção da jurisdição. A partir de um ponto de vista do papel das instituições (Poder Judiciário, Ordem dos Advogados do Brasil, Ministério Público, Imprensa…), ele criticou de forma dura a tendência atual ao punitivismo e o papel das mídias nesta realidade.

No Brasil o punitivismo tem se ampliado em uma gritaria frequente. Há preocupação, medo e indignação. Mas ele está acompanhado de uma espetacularização da punição por parte do Estado. Há muito populismo penal num tempo em que a política se judicializou e o direito se politizou.

A pauta “Justiça/Judiciário” adentrou no mundo visível e invisível da imprensa, das mídias sociais, dos novos e velhos meios de comunicação. Estou convicto que a opinião pública é cada vez mais a opinião publicada. O que era comum e aceito por todos, mesmo com muitas críticas, era que as pressões externas da opinião publicada (os meios de comunicação) decorriam do “jogo” da política.

Mudou a amplitude e a velocidade da presença dos temas políticos a partir das mídias sociais, especialmente neste início de século, com o surgimento de uma sociabilidade online. À medida que estes ambientes forem mais presentes e influentes na vida dos cidadãos, os meios de comunicação necessariamente modificarão sua importância ou centralidade na relação com o campo político. Não será diferente com o sistema jurídico.

Nos tempos atuais, por força das inovações tecnológicas, há uma quantidade excepcional de informações circulando. Somos uma sociedade em que a grande quantidade de informações, entretanto, não se transformou em melhor formação ou mais juízo.

Para complicar, a realidade eletrônica reduziu o sentido de realidade por trás dos símbolos. O imaginário e real se confundem. O signo e seu referente, o verdadeiro e o falso coabitam o mesmo campo simbólico. As fake news(ou “fatos alternativos”!) transformaram a fofoca e a bobagem em informação. Estamos em constante e feroz competição por atenção, crença e engajamento. Viramos o resultado do algoritmo e não o seu calculista. O resultado é a ampliação do sistema de controle social e de poder, desta vez na mão das companhias que dominam a distribuição da informação, e “criam” uma desconfiança permanente a tudo e a todos, como parte de nossa condição social.

Além desses aspectos, há um elemento permanente neste campo da comunicação. O que chama a atenção neste mundo é o embate, a crítica e a novidade. Mark Twain afirmava que a função da imprensa era separar o joio do trigo e publicar o joio. Fora disto quase não há negócio. Não custa lembrar ainda a frase de Millôr Fernandes: “A imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”.

Assim, é neste marco que se deve meditar acerca da presença do poder judiciário no mundo das comunicações, da imprensa, das mídias sociais. A vitrine chegou de vez, e, ao fim e ao cabo, estamos todos nus.

O sistema jurídico sempre esteve relacionado com o sistema político. O projeto da “separação” dos poderes decorreu mais de um aspecto didático e simbólico que concreto. Foi datado e limitado ao tempo de sua concepção. Este quadro mudou em vários países especialmente após o século XX. A tradicional forma de presença do sistema jurídico na vida social foi substituída por outro tipo de percepção que, sem perder a sua complexidade, obteve uma pulverização constante no panorama visível dos conflitos políticos e sociais para o cidadão-consumidor.

O juiz e o promotor foram reconhecidos como atores políticos. E muitos gostaram desses novos tempos. No caso brasileiro, ainda ocorreu uma explosão de litigiosidade decorrente da Constituição de 1988, que ampliou ainda mais esta realidade, submersa no período anterior, com a retomada de direitos até então inéditos na história e o aumento quantitativo dos casos em tramitação do poder judiciário.

A ideia de mais punição é um pobre projeto político que esquece o que é o melhor para preocupar-se apenas com o que pode ser transmitido de melhor e aumentar a clientela eleitoral preocupada com os crimes, com medo e indignada com a falta de inteligência e ação das autoridades. É perigoso, por isso, estacionar no campo das soluções. Cada vez mais as instituições vão participar do jogo midiático. Não é possível mais combater uma realidade que se apresenta. É momento de refletir nas instituições e com elas qual é o marco ético e jurídico que vai evitar as sombras e fazer reluzir o respeito democrático necessário no agir de cada um dos atores envolvidos neste publicável mundo novo.

 

 

 

Autor: Melillo Dinis do Nascimento   é advogado em Brasília, professor e pesquisador especialista em Direito Público.


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