Roberto B. Dias da Silva
SÃO PAULO – A cláusula do due process of law se desenvolveu a partir da fórmula law of the land, consagrada na Inglaterra, em 1215, pela Magna Carta outorgada por João “Sem Terra” para satisfazer as reivindicações dos barões feudais que buscavam limitar as ações do rei.
A 5ª emenda, de 1791, à Constituição dos Estados Unidos da América adotou tal princípio da seguinte maneira: “Ninguém será privado da vida, liberdade ou propriedade sem o devido processo legal”. Por seu turno, a 14ª emenda, de 1868, ampliou a previsão para os Estados integrantes da Federação norte-americana ao estabelecer: “Nenhum Estado privará qualquer pessoa da vida, liberdade ou propriedade sem o devido processo legal”.
Depois de contemplado pelas referidas emendas, o princípio do devido processo legal passou a se espraiar pelos ordenamentos jurídicos de outros países, mostrando-se, inicialmente, como uma garantia processual, que assegurava, por exemplo, o contraditório, a ampla defesa, bem como o direito de ninguém ser julgado, se não por um fato definido anteriormente como crime.
Mais adiante, com base nas mesmas disposições constitucionais, desenvolveu-se a idéia do devido processo legal substancial, que se firma como fundamento para o exame pelo Judiciário do mérito dos atos do Poder Público, impondo a redefinição da noção de discricionariedade e criando as condições para o surgimento do princípio da razoabilidade.
Atualmente, no Brasil, o inciso LV do artigo 5º, da Constituição Federal, estabelece que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
É interessante perceber que nesse dispositivo constitucional não há referência à vida, como acontece nos Estados Unidos da América pois, no Brasil, a vida não pode ser suprimida do indivíduo, nem que se obedeça ao devido processo legal, tendo em vista a impossibilidade jurídica de se adotar pena capital (exceção feita à hipótese de guerra declarada).
Nos Estados Unidos da América, a Suprema Corte restabeleceu a pena de morte, em 1976, e esse mesmo Tribunal, em 2002, determinou que a execução de doentes mentais fosse inconstitucional. No entanto, deixou aos estados da Federação a decisão de estabelecer a gravidade e a influência dos problemas denunciados pelos acusados.
Em janeiro de 2006, a Anistia Internacional, organização de defesa dos direitos humanos, divulgou que pelo menos 10% das mil primeiras pessoas executadas em território norte-americano, desde que a Corte Suprema restaurou a pena capital, sofriam de alguma doença mental grave. Além disso, consta do relatório que cerca de 10% dos 3.400 presos que estão nos corredores da morte no país sofrem sérios problemas de ordem mental, como esquizofrenia, transtorno bipolar, dano cerebral ou stress pós-traumático.
A pena de morte, em qualquer circunstância, é uma prática cruel e desumana, que iguala os Estados Unidos da América a países com Cuba, China, Coréia do Norte, Irã, Paquistão, Síria, Etiópia, Líbia e Afeganistão.
Mas aplicar a pena capital a pessoas que sofrem de doenças mentais crônicas é uma ofensa, sem igual, à dignidade humana. E parece que os Estados Unidos da América se orgulham de praticar mais esta violação aos direitos humanos. Todavia, nem assim eles se esquecem do ideal politicamente correto.
É verdade que impõem a pena de morte, mas afirmam respeitar o devido processo legal para ceifar a vida dessas pessoas. Grande avanço para os que se acham paladinos da democracia e da liberdade. Resta saber a justificativa para manter os presos da base naval de Guantánamo sob tortura, sem direito de defesa e sequer acusação formal.
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