Devolução de fiança no caso de procedência dos embargos à execução fiscal

Autor:  Luís Henrique da Costa Pires (*)

 

A execução da dívida ativa da Fazenda Pública obedece ao critério previsto em lei especial (Lei 6.830/80). Salvo nas situações excepcionais em que é facultada a apresentação da denominada “exceção de pré-executividade”, criada pela jurisprudência e por ela cada vez mais limitada a hipóteses de flagrante nulidade do título executivo, ao contribuinte resta a impugnação da cobrança por meio dos embargos à execução, cujo ajuizamento pressupõe a prévia garantia do valor integral do tributo questionado.

A questão que se põe diz respeito à possibilidade de o executado, quando vencedor, cobrar do vencido (Fazenda Pública) os valores pagos às instituições financeiras e relacionados à contratação de fiança bancária ou seguro garantia, juntamente com as demais despesas processuais incorridas e cujo ressarcimento é previsto no artigo 82, parágrafo 2º do CPC/2015.

O tema é relevante porque não raro os embargos à execução, como de resto qualquer ação de rito ordinário, demoram prazo aproximado de dez anos até decisão final. Supondo-se uma taxa de 2% a 4% ao ano cobrada pelas instituições financeiras, mesmo no caso de cancelamento da cobrança o contribuinte, a despeito de ter vencido a disputa judicial, terá pago ao banco ou à seguradora aproximadamente 20% a 40% do valor da dívida.

O assunto ainda é pouco comum nos tribunais, sendo escassos os julgados a respeito.

Uma leitura superficial do artigo 84 do CPC/2015 poderia levar ao entendimento de que as despesas processuais passíveis de ressarcimento são apenas aquelas nele expressamente previstas: custas dos atos do processo, indenização de viagem, remuneração do assistente técnico e diária de testemunha.

O argumento, contudo, não socorre quando se constata que, logo adiante, no artigo 98, ao tratar da gratuidade da Justiça, o legislador indica diversos outros tipos de despesas relacionadas ao processo, elencando inclusive “os depósitos previstos em lei para interposição de recursos, para propositura de ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e contraditório” (destacamos), hipótese à qual se assemelha o custo incorrido com a contratação da fiança ou do seguro, por constituírem verdadeira condição à oposição dos embargos à execução. Pouco importa, assim, que não haja previsão expressa de ressarcimento do gasto com a contratação de garantia, tal como existe na legislação portuguesa. O que importa é que a apresentação de fiança ou seguro é necessária para garantir o direito à ampla defesa do contribuinte por meio dos embargos à execução.

A título de exemplo de que o rol de reembolso de despesas não é taxativo, observe-se que a remuneração do perito não constava dentre as despesas expressamente previstas no artigo 33 do CPC/73 (artigo 95 do CPC/2015), que tratava apenas do assistente técnico contratado pela parte, tampouco havia previsão de seu ressarcimento no artigo 20, parágrafo 2º (artigo 84 do CPC/2015). Nem por isso essa despesa, quando adiantada pelo vencedor da demanda, deixava de ser ressarcida ao final, porque “não seria razoável admitir-se que a legislação estabeleça que o valor a ser recebido pela parte vencedora não espelhe a real dimensão financeira de sua vitória”, de modo que “deve ocorrer o integral ressarcimento das despesas necessárias, devidamente comprovadas”.

Como já observado por Celso Agrícola Barbi a respeito da legislação processual anterior, mas que se aplica à atual, “o princípio acima exposto (da condenação nas despesas do processo) deve aplicar-se não apenas às custas em sentido restrito, mas a todas as despesas decorrentes dos processos. Em uma conceituação genérica, despesas dos processos devem abranger todos os gastos feitos como consequência dele”.

O conceito de despesa processual, portanto, é amplo, e as citações feitas no CPC são meramente exemplificativas, até porque o processo é dinâmico e nada obsta que ao longo do tempo sejam feitas modificações para incluir e/ou excluir determinados dispêndios imponíveis às partes.

Outra questão diz respeito a configurar o gasto com a fiança ou o seguro uma despesa processual necessária. Poder-se-ia alegar, em sentido contrário, que a contratação desta ou daquela modalidade de garantia seria uma faculdade do contribuinte, conforme sua livre opção, razão pela qual o ônus financeiro lhe recairia com exclusividade.

O argumento, todavia, não se sustenta quando confrontado com a realidade do procedimento que prevalece nas execuções fiscais. É por demais sabido por qualquer operador que milite na área que, exceção feita às hipóteses de depósito judicial, fiança bancária ou seguro garantia, raramente outra forma de garantia tem sido aceita pela Fazenda Pública e pelos juízos responsáveis pelos processos.

Salvo situações excepcionalíssimas, o rol do artigo 11, II em diante da Lei 6.830/80 é ignorado, e o contribuinte não tem outra opção senão uma das três modalidades apontadas — ou duas, porque o depósito é inviável, dependendo do valor da dívida e da situação econômica do executado. No âmbito da Fazenda Nacional, inclusive, existem atos administrativos que estabelecem os requisitos para aceitação de uma dessas duas modalidades de garantia (portarias PGFN 644/09 e 164/14). Isso confirma que, na prática, são essas as modalidades utilizadas para garantir a execução e, assim, viabilizar a apresentação da defesa do contribuinte.

Nesse contexto, o argumento da faculdade do contribuinte em eleger esta ou aquela modalidade, mais ou menos onerosa, não encontra amparo na realidade dos fatos, no dia a dia forense, contrariando o princípio de que “o Direito não pode ignorar a realidade sobre a qual se aplica”.

O fato de se tratar de despesa processual obrigatória e, portanto, necessária à defesa fiscal afasta o gasto em questão de outros que são excepcionais e facultativos. Por isso não tem aplicação ao caso o entendimento fixado pelo Superior Tribunal de Justiça quando decidiu, por exemplo, que o gasto com a contratação de profissional para elaborar memória de cálculo de execução (artigo 604 do CPC/1973) não seria passível de ressarcimento junto ao perdedor. Entendeu-se que o ato de contratar um técnico é privativo (isto é, opcional), portanto de incumbência exclusiva de quem contratou. O mesmo se aplica quando a parte solicita a elaboração de laudo extrajudicial para reforçar ato ou fato alegado no processo.

A fiança e o seguro, ao contrário, constituem despesas processuais e efetivamente necessárias. Como muito bem observado em acórdão do TRF-3, “como gênero dos dispêndios praticados pela parte vencedora em função e no curso da demanda, têm as despesas processuais a abrangência a equivaler a tudo quanto assim se amolde, aliás motivo pelo qual a se consagrar cuide de enumeração aberta a contida no §2º, do art. 20, CPC (…)”, concluindo que “em tal âmbito também se insere, por decorrência, o gasto com a comissão paga à instituição financeira perante a qual firmada a fiança bancária (…) gasto aquele também realizado em função da demanda e para o seu preciso fim, garantindo a instância, justo e jurígeno seja o pólo recorrido destinatário de reembolso a respeito”.

Some-se a isso o fato de que o Livro II, Título I, Capítulo I do CPC/2015, ao tratar das execuções fundadas em título extrajudicial (que abrange as Certidões de Dívida Ativa — artigo 784, IX) e cuja aplicação estende-se subsidiariamente (artigo 771) aos “procedimentos especiais de execução” (onde se enquadra a Lei 6.830/80), estabelece de modo expresso no artigo 776 que “o exequente ressarcirá ao executado os danos que este sofreu, quando a sentença, transitada em julgado, declarar inexistente, no todo ou em parte, a obrigação que ensejou a execução”. O dispositivo não excepciona o tipo de dano, o que permite concluir que qualquer dispêndio necessário ao regular desenvolvimento do processo deve ser ressarcido. Excepcionam-se apenas aqueles opcionais, aos quais a parte incorreu por mera liberalidade.

Sendo assim, ainda que se queira afastar a natureza de despesa processual passível de ressarcimento, na pior hipótese o contribuinte teria direito à indenização decorrente do dano material correspondente ao gasto com fiança bancária ou seguro garantia, a ser pleiteada em ação autônoma, muito embora não pareça razoável remeter o contribuinte à via da ação indenizatória para reaver um dano passível de ressarcimento nos próprios autos em que a questão surgiu, sob pena de desprestígio aos princípios da eficiência, razoável duração do processo, economia processual e eficácia da decisão, dentre outros.

A responsabilidade estatal é objetiva (artigo 37, parágrafo 6º da CF) e, na jurisprudência há décadas consagrada no Supremo Tribunal Federal, “ocorre, em síntese, diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa; c) e desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa”.

Quando se trata de dano oriundo de ato da Fazenda Pública, “a consideração no sentido da licitude da ação administrativa é irrelevante, pois o que interessa, é isto: sofrendo o particular um prejuízo, em razão da atuação estatal, regular ou irregular, no interesse da coletividade, é devida a indenização, que se assenta no princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais”.

Por isso, não se aplica às execuções fiscais o entendimento de que “a promoção de execução, como regra geral, constitui exercício regular de direito, não gerando obrigação de indenizar”, restringindo a indenização (material ou até mesmo moral) aos casos de ajuizamento manifestamente indevido (dívida já paga, sujeito passivo indicado erroneamente etc.).

No caso de ajuizamento de execução fiscal posteriormente julgada improcedente, restam claramente configurados o dano material (valor pago à instituição financeira para disponibilizar a garantia), a ação estatal (ajuizamento da ação de cobrança pela Fazenda Pública) e o nexo de causalidade (a garantia é contratada exclusiva e unicamente em decorrência do ajuizamento da ação de cobrança).

Nesse sentido são pertinentes as considerações do Tribunal de Justiça de Rio de Janeiro ao tratar do tema (embora, por motivo de natureza processual, sem decidir o mérito da causa) e afirmar que “o ordenamento jurídico nacional garante ao prejudicado ressarcir-se de todos os prejuízos diretos e imediatos, entre os quais as despesas incorridas com a carta de fiança ou seguro garantia durante o trâmite do processo. Nestas hipóteses, a questão é de responsabilidade civil do Estado, cuja caracterização funda-se no art. 37, §6º, da Constituição Federal”.

Em conclusão, a fiança bancária e o seguro garantia são condições de ajuizamento de embargos à execução fiscal, sobretudo pela resistência dos entes públicos na aceitação de qualquer outra modalidade, ainda que prevista no rol do artigo 11 da Lei 6.830/80. A legislação, de seu turno, prevê o ressarcimento das despesas processuais necessárias, entendidas como aquelas essenciais à existência e ao regular desenvolvimento do processo, bem como obriga a reparação dos danos causados àquele que demandou ou foi demandado em juízo e, ao final, sagra-se vencedor do litígio. Logo, o contribuinte tem direito à recuperação dos valores gastos na contratação de garantia, quando os embargos à execução fiscal são julgados procedentes.

 

 

 

Autor:  Luís Henrique da Costa Pires é advogado no Dias de Souza Advogados Associados.


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