Dilemas dos relacionamentos contemporâneos

Por Mirian Veloso M. de Andrade

Cada vez mais se debate sobre a dinâmica dos relacionamentos contemporâneos, que inclui tipos de conjugalidade muitas vezes efêmeras, precárias ou permeadas por interesses egoísticos.

Segundo estudos orientados pela Doutora Terezinha Féres-Carneiro, da Universidade Católica do Rio de Janeiro, a sociedade vive uma era de mensagens e fenômenos confusos, fluídos e imprevisíveis. Um dos autores por ela citados – Bauman – denomina o tempo presente como “modernidade líquida”, equiparando-o ao mundo darwiniano, onde o melhor e mais forte sobrevive. Nesse quadro, o relacionamento humano se configura como efêmero.[1]

Adicionalmente, talvez até em síntese, poderia se afirmar a ausência de compromisso e de alteridade em tais relacionamentos. De fato, apontam os referidos estudos que os sentimentos e relacionamentos são vistos e vividos como descartáveis, paradoxalmente como justificativa da busca de segurança: a fragilidade do laço e o sentimento de insegurança inspiram um conflitante desejo de tornar o laço intenso e, ao mesmo tempo, deixá-lo desprendido.[2]

Por outro viés, no que impacta o Direito, a sociedade tem relativizado a importância institucional do casamento. Segundo a pesquisadora, Giddens afirma que o compromisso e a história compartilhada deveriam proporcionar aos parceiros algum tipo de garantia de que a relação será mantida por um período indefinido. Mas a isso ele contrapõe o contexto social contemporâneo, postulando que o casamento não é mais considerado como uma “condição natural” e que a relação é durável enquanto houver satisfação suficiente, podendo ser encerrada a qualquer momento por um dos parceiros, fenômeno que ele denomina como “relacionamento puro”.[3]

Na prática, fatores como independência financeira da mulher, luta pela igualdade de gêneros, redução do número de filhos, aceitação do divórcio pela sociedade, entre outros, podem justificar a fragilidade dos relacionamentos.

Enquanto Bauman denomina “amor líquido” à fugacidade do amor contemporâneo, Giddens a chama de “amor confluente”, que se caracteriza pela finitude do laço no momento em que este deixa de ser vantajoso para um dos parceiros e que presume igualdade na doação e no recebimento emocional.”[4]

Nesse cenário, os casais casam, descasam, (re)casam ou apenas vivem juntos sem formalidades. Às vezes, até moram em casas separadas, em situação de concubinato, seja em sua forma dita “impura” – quando há impedimento para o casamento entre os amantes -, seja na “pura” – que equivale à figura jurídica da “união estável” -, o que comumente gera disputas nos tribunais, com o término do relacionamento, para manter ou resgatar direitos ou benefícios individuais.

Disso se conclui que, apesar de considerada uma conquista, essa liberdade de escolha da forma de se relacionar, as pessoas estão atentas à garantia de seus direitos. Se isso for assegurado antes da ocorrência de eventos rescisórios da relação amorosa, certo que evitaria intermináveis litígios judiciais.

Daí a necessidade de formalizar a união estável, se a opção não for pelo casamento, fazendo-o por meio de um contrato particular firmado entre os companheiros, escolhendo inclusive o tipo de regime de bens que desejam observar. A união estável também poderá ser regularizada por meio de escritura pública lavrada em cartório ou em ação judicial com o fito de demarcar o tempo em que ela se iniciou e suas bases de existência, com a devida orientação jurídica.

As pessoas já estão cada vez mais conscientes sobre a importância de se fazer essa regularização, definindo quais bens poderão ser futuramente partilhados, na ocorrência de situações como separação ou falecimento de um dos conviventes, além de elencar as demais obrigações das partes e os direitos conexos decorrentes da relação, como a obrigação de assistência moral e material recíproca, prevista no inciso II do artigo 2º da Lei 9.278, de 1996, que regularizou o § 3º do artigo 226 da Constituição Federal de 1988.

Esse parágrafo da Constituição, concatenado com o caput do seu artigo 226, contempla a proteção jurídica do Estado em relação à família, como base da sociedade. A lei citada, por seu turno, veio a instrumentalizar o dispositivo constitucional, reconhecendo a união estável como entidade familiar e prevendo os direitos decorrentes dessa situação fática, agora com contornos jurídicos, nos termos do princípio da proteção estatal.

Aproveitando o tema, oportuno fazer referência ao recente julgado do Supremo Tribunal Federal, de 5 de maio de 2011, no qual o eminente Ministro Relator Ayres Britto acolheu em seu voto, como entidade familiar, as uniões estáveis de relacionamento homoafetivo. Trata-se evidentemente de uma decisão histórica, uma vez que essa minoria vinha sendo alijada da proteção jurídica de seus direitos civis.

Entendo que a Lei 9.278, de 1996, passará a ser aplicada analogicamente também às uniões homoafetivas, sendo assim consagrada pela jurisprudência até que o Poder Legislativo venha a regular de vez a moldura jurídica dessas situações de fato.

Por outro lado, vejo a necessidade de fazer aqui uma ressalva quanto à conversão da união estável em casamento, vez que tem se feito confusões acerca das consequencias da referida decisão, por exemplo, em relação ao casamento religioso. Alguns setores conservadores e ligados à Igreja estão temerosos de que, a partir de agora, as igrejas ou templos deverão fazer casamentos de uniões homoafetivas. De maneira alguma. O STF reconheceu que os direitos civis que se aplicam a uniões heterossexuais se estendem aos casais homoafetivos, porém, isso não interfere nos estatutos internos, crenças e práticas de cada igreja. Cada uma dessas associações possui autonomia de organização assegurada no Código Civil, tendo, portanto, suas próprias regras, às quais o cidadão que deseja ali participar é que deverá a elas se adequar.

Nesse passo, é de se prever que progressivamente serão assegurados a essa minoria direitos de herança, de incluir dependente em plano de saúde, de assistência material a título de alimentos ao convivente que necessitar, e alguns direitos previdenciários estipulados em cada caso, na forma da lei.

Por fim, ainda no que tange às decorrências daquela recente decisão da Corte Constitucional brasileira, toma ainda maior vulto a pergunta sobre se podem os casais homoafetivos adotar. A decisão, em verdade, não cuidou de tal assunto especificamente; por outro lado, se os mesmos direitos dos casais heterossexuais vierem a ser estendidos aos homoafetivos, é de se esperar que possam regularmente adotar ou ter a guarda de criança ou adolescente. Já é sabido que os tribunais vêm reconhecendo essa possibilidade caso a caso; agora, se tornou mais fácil para o juiz proferir uma decisão favorável a essa pretensão, aplicando, por analogia, o julgado do Supremo Tribunal Federal.

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