DIREITO À MORADIA X DIREITO À PROPRIEDADE:

Cibele Gralha Mateus – 01/06/2005

Bacharel em Direito pela PUCRS
Advogada em Porto Alegre
Pós Graduanda em Direito Processual Civil, ULBRA Canoas RS
Mestranda em Direito do Estado, PUCRS

DIREITO À MORADIA X DIREITO À PROPRIEDADE:
A ponderação como método de solução do conflito

I-Introdução. II- Do direito à moradia. III- Do direito à propriedade IV- propriedade X moradia: da colisão à solução. V- Conclusões. VI Bibliografia

I- Introdução

Muito embora no Brasil o “acesso à moradia confunde-se, tradicionalmente, com o acesso à propriedade, considerada importante, do ponto de vista da segurança familiar (a casa própria deixa as pessoas menos vulneráveis, em caso de desemprego, por exemplo) e também como símbolo de ascensão social” , tais direitos são independentes um do outro: de um lado temos o direito à moradia e , de outro, o de propriedade que podem ou não coexistir. Caso típico de dissociação é o dos imóveis alugados, em que o indivíduo possui acesso à moradia sem ser, entretanto, proprietário. Assim, aquele que não possui um local para morar pode ter comprometida até mesmo a sua existência; aquele que não é proprietário do local onde mora, ainda assim, não tem comprometido seu direito fundamental à moradia.
Percebe-se, portanto, que em que pese a possibilidade de os dois direitos, constitucionalmente previstos enquanto fundamentais, poderem estabelecer uma relação de interpenetração, tal não se faz imprescindível, porquanto o direito à moradia, assim como o direito à propriedade, são direitos autônomos . Além disso, a moradia é absolutamente necessária para que se estabeleça uma vida com dignidade; o que não se verifica quando estamos a tratar do direito à propriedade razão pela qual, a primeira pode, em muitos casos, suplantar o direito de propriedade como, por exemplo, no caso do usucapião especial constitucional onde a moradia no imóvel reclamado é requisito indispensável à concessão do domínio para o particular ( não proprietário).
Feitas tais considerações é inegável que, dado serem direitos autônomos, possível é que se verifique, assim como entre outros direitos fundamentais, colisões que devem ser resolvidas. Desde já, deixaremos claro que não se pretende aqui, até mesmo pelos estreitos limites deste trabalho, esgotar ou até mesmo abordar de forma aprofundada a complexa (e instigante) e controversa questão da ponderação de direitos fundamentais no caso de conflito.
Sendo assim, realizaremos um exame perfunctório das características do direito à moradia e da propriedade e sua função social – ou seja, procederemos a uma interpretação do texto constitucional, tentando demonstrar, por fim, que, em caso de colisão entre dois direitos fundamentais tratados neste momento – moradia e propriedade- a utilização do método da ponderação nos levará, como regra, mas não exclusivamente, a limitação da propriedade em detrimento da moradia.

II- Do direito à moradia

Para José Afonso da Silva, o direito à moradia pode ser assim definido: “Direito à moradia significa, em primeiro lugar, não ser privado arbitrariamente de uma habitação e de conseguir uma e, por outro lado, significa o direito de obter uma, o que exige medidas e prestações sociais adequadas à sua efetivação (…)”
De forma mais ampla (e mais recente), encontramos a manifestação de Heriberto Maciel que em dissertação de Mestrado aduz que:

O direito mínimo (…) é o de habitar com dignidade, o que é ponto de reivindicação política dos movimento sociais. Isso significa também que direito à qualidade mínima que o morar exige, ou seja, o cidadão ter casa ou apartamento, mesmo que locado, com acesso ao transporte para o trabalho e algum lazer, bem como os demais equipamentos sociais e urbanos indispensáveis, como serviços essenciais à água potável, drenagem, ruas transitáveis e iluminadas o ano todo.

Partindo-se da análise do texto constitucional, verificamos que o legislador simplesmente previu o direito à moradia sem lhe fazer qualquer acréscimo relativo ao seu alcance, conteúdo e significado, o que faz com que, com base neste argumento, parte da doutrina sustente ser o mesmo uma mera norma programática desprovida, por esta razão, de eficácia . Entretanto, mesmo sendo consenso que a nossa Constituição Federal não tenha estabelecido, pelo menos explicitamente, qual o conteúdo e significado do direito à moradia, ainda assim, ela nos fornece elementos que nos possibilitam tal determinação.
O artigo 5º, § 2º da Constituição Federal estabelece que os direitos e garantias previstos na constituição não excluem outros decorrentes do regime e princípios adotados e, também, dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte . Considerando que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (artigo 1º, inc. III) e o combate a pobreza, marginalização e desigualdades sociais são os seus objetivos (artigo 3º, inc. III), podemos dizer que, pelo menos minimamente, é possível extrair-se algum conteúdo e significado do direito à moradia, ou, ainda, sabermos o que não é. Para tanto, basta uma olhada superficial sob algumas das favelas existentes em nosso país. Frente a tal constatação ninguém (em seu juízo perfeito) seria capaz de dizer não saber se aquelas pessoas exercem seu direito à moradia baseando-se no fato de ausência de legislação que a defina! A interpretação do significado do direito à moradia implica, portanto, na compreensão do mesmo vinculado à dignidade da pessoa humana e à Constituição como um todo.
Neste sentido, podemos afirmar que o direito à moradia deve ser conjugado como direito à moradia digna. Parece-nos que o termo digna foi suprimido pelo legislador, uma vez que não há como conceber-se, num Estado Democrático de Direito um direito que não represente o exercício de uma vida digna . O que implica em dizer que o direito à moradia implica numa série de outros fatores a ela vinculados, como por exemplo, infraestrutura decente .
O maior problema enfrentado, portanto, diz com a possibilidade de interpretações restritivas que poderiam, até mesmo, levar a supressão do direito constitucionalmente previsto. Entretanto, parece-nos que, no caso específico do direito à moradia, tal omissão não é tão prejudicial a sua interpretação como aduzem alguns, uma vez que esta omissão é suprida através dos tratados, leis , de uma interpretação sistemática à luz do princípio da dignidade da pessoa humana .
A dignidade da pessoa humana representa, em última análise, o valor maior vinculante de toda ordem jurídica, quer esteja expressamente positivado – como é o caso de nossa Constituição- ou não. Percebe-se, assim, que o fim do Estado Social é a busca de uma existência digna para a sua população, pois, conforme sustenta Rizzato, “ o que interessa mesmo é que se possa garantir a vida, mas uma vida digna.”
É nesta seara que os direitos fundamentais encontram-se realizando, através da ordem jurídico-constitucional, a proteção e promoção da dignidade, sendo esta, conforme Ferreira Santos, “ o núcleo essencial dos direitos fundamentais.” No mesmo sentido posiciona-se Sarlet, na nobre exposição que segue:

(…) o que se pretende sustentar de modo mais enfático é que a dignidade da pessoa humana, na condição de valor( e princípio normativo) fundamental que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais, exige e pressupõe o reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais de todas as dimensões ( ou gerações, se assim preferirmos). Assim, sem que se reconheçam à pessoa humana os direitos fundamentais que lhes são inerentes, em verdade estar-se-á lhe negando a própria dignidade

Neste passo, é possível afirmar-se que a satisfação deste princípio maior encontra-se na dependência da realização de uma série de outros direitos. Em que pese estarmos reconhecendo, desde já, que há vários outros direitos que conjuntamente possibilitam uma existência digna, nos reservamos o direito de, neste momento, abdicarmos da análise dos demais direitos e nos atermos tão somente ao direito à moradia por ser este o objeto do presente.
Basta observarmos as favelas que, infelizmente, já fazem parte do cenário de nosso país, ou ainda, ao transitarmos pelas ruas de nossas cidades, olharmos para os viadutos, para verificarmos o quão imprescindível é a moradia para o ser humano. As pessoas que “residem” – se é que assim pode-se dizer-nestes locais não tem a menor condição de conseguirem manter uma vida minimamente saudável, quanto mais, digna.
A falta de moradia, assim como outros direitos fundamentais, implica, portanto, numa total degradação física e moral da pessoa que se vê privada do mínimo necessário para a sua sobrevivência, muitas vezes longe do que se consideraria necessário para que as pessoas exerçam sua dignidade.
Sendo assim, caso pretende – se (e assim se espera que seja) fazer jus aos ditames estabelecidos no preâmbulo de nossa Carta Constitucional, bem como em seu artigo 1º, inciso III, necessário é realizar concretamente os direito sociais previstos no artigo 6º desta mesma Carta, assim como o direito ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado, e outros direitos fundamentais.

III- Do direito à Propriedade

O direito à propriedade, direito fundamental, encontra-se disposto no rol dos direitos e deveres individuais e coletivos do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, no inciso XXII.
Entretanto, note-se que, logo em seguida, no inciso imediatamente posterior, há referência à função social da propriedade , o que leva uma parte importante da doutrina referir ( no nosso sentir, de forma correta) que a propriedade protegida como direito fundamental pela Constituição Federal é tão somente aquela que satisfaz o requisito disposto em mencionado artigo, qual seja: que cumpre sua função social .
Tal afirmação encontra seu sustentáculo, além dos mencionados incisos da Constituição Federal, também no artigo 170, incisos II e III no capítulo que trata a respeito dos princípios gerais da atividade econômica . In verbis:

Art. 170 . A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
II- propriedade privada
III- função social da propriedade.

É exatamente com base nesta fundamentação, que José Afonso da Silva aduz estar descaracterizada a natureza meramente privada e individual da propriedade. No mesmo sentido, manifesta-se Leandro Paulsen, ao afirmar que as obrigações do proprietário não se confundem com as limitações ao direito de propriedade, como exemplo traz o direito de vizinhança. “ Enquanto essas são circunstâncias externas limitadoras do exercício do direito, a função social é elemento estrutural do conteúdo do instituto da propriedade”
Assim, pode-se concluir, nas das palavras de Ruy Ruben Ruschel, que:

Na nova Constituição, a propriedade privada esta intimamente presa a sua função social. São dois conceitos complementares. Quando no artigo 5º é garantido o direito de propriedade ( inc. XXII), logo se acrescenta que “ atenderá a sua função social” ( inc.XXIII). E no artigo 170, ao estabelecer o princípio da propriedade privada como um dos fundamentos da ordem econômica brasileira (inc. II), volta a juntar a este o de sua função social ( inc. III)

Assevera José Auri Lessa, por outro lado, que por considerar a função social da propriedade enquanto conteúdo intrínseco a ela, não afasta, por outro lado, seu caráter privado e individual. Nas palavras do próprio autor:

Inegável é, realmente, que a função social como elemento da estrutura e do regime jurídico da propriedade incide em seu conteúdo e compõe o seu conceito, mas não com força suficiente, em um Estado de regime democrático, para desvirtuar o caráter individual e privado da instituição em epígrafe

Sendo assim, a propriedade enquanto direito absoluto não mais subsiste em nossa realidade. O que existe ainda são as propriedades que aqui chamaremos de “puras”, isto é, aquelas que não cumprem com a sua função social e as que cumprem com a sua função social.

IV- Propriedade X Moradia: da colisão à solução.

A colisão de direitos fundamentais é assunto corrente tanto na doutrina quanto jurisprudência. Não poderia ser diferente, tratando-se de direitos fundamentais não há como se resolver o conflito na base do “tudo ou nada” ; tratam-se de princípios e não regras, conforme apontado por Alexy e adotado de forma ampla pelos doutrinadores e tribunais.
Segundo Robert Alexy, as normas podem ser divididas em regras e princípios, Os princípios “ são normas que ordenam que algo seja realizado em uma medida tão ampla quanto possível relativamente as possibilidades fáticas ou jurídicas. Princípios são, portanto, mandamentos de otimização” . As regras, por sua vez, “ são normas que, sempre, ou só podem ser cumpridas ou não cumpridas (…) Elas são, portanto, mandamentos definitivos. A forma de aplicação de regras não é a ponderação, senão a subsunção.” Sendo assim, os direitos fundamentais são normas princípios que, em caso de conflito, devem ser ponderados os direitos em jogo.
Ao adotarmos a teoria dos princípios como meio de solução para o conflito de direitos fundamentais, adotamos, por conseqüência, a aplicação da proporcionalidade stricto sensu ., ou seja, fazemos uso da ponderação. Segundo o magistério de Steinmetz: “A ponderação de bens é método que consiste em adotar uma decisão de preferência entre os direitos ou bens em conflito; o método que determinará qual o direito ou bem, e em que medida, prevalecerá, solucionando a colisão.”
Apresentada, ainda que de forma enxuta, a maneira como a teoria apresenta solução para o conflito entre normas de direitos fundamentais, passamos agora à análise de casos concretos, tentando verificar se, se fato, a teoria da ponderação de direitos presta-se a solucionar o conflito entre o direito à moradia e o direito à propriedade, ou apresenta-se apenas como uma teoria?
Afinal, o magistrado, por exemplo, pode, a luz da ponderação dos direitos fundamentais em conflito, autorizar ou não a retomada do imóvel nos casos de hipoteca em que a propriedade pertence ao credor hipotecário em detrimento do direito a moradia do devedor; ou, ainda, como agir quando depara-se com um conflito de terra? Afinal, qual o direito que deve prevalecer: a moradia ou a propriedade?
Iniciaremos tomando como exemplo a decisão recentemente proferida em sede de acórdão em Agravo de Instrumento, pela 9° Câmara Civel do TJRS.

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.
SFH. CONTRATO DE FINANCIAMENTO. DISCUSSÃO DE CRITÉRIOS DE REAJUSTE.
EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. PREVALÊNCIA DO DIREITO À MORADIA SOBRE
DIREITOS PATRIMONIAIS. O direito à moradia induvidosamente prevalece sobre interesses meramente
patrimoniais. A verossimilhança do alegado direito à suspensão da execução está na dificuldade de recolocar
os recorrentes na situação anterior à possível propositura de execução extrajudicial, diante de eventual decisão
a eles favorável na ação declaratória. Caso seja concretizada a venda pública do bem hipotecado, nos autos de
eventual execução, há o risco de dano irreparável aos agravantes, bem como de ineficácia da decisão definitiva
na ação ordinária. Eventual revisão nos critérios de reajustes das prestações do contrato, objeto da ação
declaratória, afetará o valor da execução, sendo que o julgamento definitivo da ação ordinária,
por via reflexa, poderá acarretar a revisão do título que poderia fundamentar a execução extrajudicial do imóvel
financiado com recurso do sistema financeiro da habitação. O E. STJ tem entendido que deve ser suspenso
o processo executivo, quando presente prejudicialidade entre ação ordinária e execução conexas, e risco de
prejuízo irreparável ao mutuário. Na pendência de litígio acerca do débito de mútuo hipotecário, deve prevalecer
o direito à moradia sobre direitos patrimoniais, em homenagem ao princípio fundamental constitucional que
garante o direito à dignidade humana. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.

Transcrita a íntegra da ementa para uma melhor compreensão do caso levado a apreciação do Poder Judiciário, passamos agora a verificar se tal decisão se deu, ainda que de forma não expressa, com base no método da ponderação.
O primeiro elemento a ser analisado diz com o grau de intervenção da medida; percebe-se da leitura do acórdão que o que fora negado ao credor foi que a execução se desse anteriormente a decisão a respeito dos valores cobrados em função do contrato que se pretendia executar. Assim, não houve o aniquilamento do direito do credor de ver o imóvel penhorado, mas tão somente a suspensão do mesmo por um determinado período logo, a intervenção pode se dizer, ficou num patamar mínimo.
As razões, por sua vez – segundo requisito a ser analisado pelo método da ponderação- são claras, trata-se de não autorizar a venda do imóvel hipotecado antes da sentença que discuti o quanto é devido pelo devedor, garantindo-se, assim, o direito à moradia. As razões, portanto, são bem simples, trata-se de garantir o direito fundamental à moradia, imprescindível para uma vida com dignidade.
Por fim, quanto ao terceiro requisito, ou seja, a ponderação stricto sensu, confrontando a suspensão temporária do direito de propriedade/ crédito do credor com o direito à moradia dos devedores, optou-se, acertadamente, pelo segundo.
Tratando agora de abordar outra questão corrente em nossos tribunais, qual seja: o conflito de terras entre trabalhadores sem terra e agricultores/proprietários.
Segundo Távora, quando encontramos em conflito o direito à moradia com o de propriedade puro, isto é, quando a mesma não esta a cumprir sua função social, deve prevalecer o primeiro pois,
Um tipo de interpretação da lei culturalmente privatista e patrimonialista como o que preside grande parte dos posicionamentos administrativos e judiciais, o qual tende a considerar a primeira daquelas disposições(propriedade) superior à segunda ( moradia), nisso incorrendo, com a máxima vênia, em visível inconstitucionalidade, pois a vida vale incomensuravelmente mais do que o patrimônio.

Entretanto, quando tratar-se de um conflito entre moradia e propriedade em que esta cumpra sua função social, a resposta não pode ser tão imediata, é necessário uma análise mais detida. Para tanto, tomemos um exemplo que, embora não se refira especificadamente à moradia, com certeza a inclui. A 19º Câmara Cível do TJRS julgou um agravo de instrumento interpostos por agricultores com vista a suspensão de medida liminar que os obrigava a desocupar um latifúndio produtivo por eles ocupado. O Relator deferiu a liminar em favor dos agricultores. Para tanto, usou, sem dizer isso expressamente, a teoria da ponderação. Vejamos.
No que diz com a intensidade da intervenção (fase 1) trata-se, em verdade de manter a intervenção uma vez que a mesma já ocorreu, além disso, conforme se vê da leitura do acórdão, os sem-terra ocuparam uma parcela mínima em relação ao todo, logo, a intervenção foi também mínima. Quanto às razões que justificam a intervenção (fase 2), trata-se da preservação da vida; por fim, a ponderação ( fase 3), trata-se da vida de 600 famílias em contrapartida a uma área ocupada de um todo maior. Nas palavras do próprio Desembargador:

Em suma, para decidir, ter-se-á, obrigatoriamente, de optar entre duas alternativas: 1ª – o prejuízo patrimonial que a invasão certamente causará ( ou até já está causando) à empresa arrendatária das terras ocupadas, 2ª – a ofensa aos direitos fundamentais ( ou a negativa do mínio existencial) das 600 famílias dos ‘ sem-terra- que, sendo retirados de lá, literalmente não têm para onde ir (…) os doutrinadores afirmam que, havendo necessidade de sacrificar o direito de uma das partes, sacrifica-se o patrimonial, garantindo-se os direitos fundamentais, se a outra opção for esta.

Um dos aspectos relevantes do presente acórdão é que se trata de propriedade produtiva, ou seja, de propriedade que cumpre sua função social, mas que quando em conflito com o direito fundamental a alimentação, moradia, enfim, a vida sucumbiu. Conforme o voto de um dos Desembargadores, o mesmo vislumbra “a possibilidade de que se adote, no caso em exame, uma solução voltada para esta função oblíqua da propriedade, não apenas de garantia da produção, mas de agasalho, casa e refúgio do cidadão.”
Por outro lado, ressalte-se, há decisões que determinam liminarmente a desocupação das terras; outras que exigem, para tanto a comprovação de que as mesmas são produtivas e outras, ainda, que negam a liminar ainda que o latifúndio seja produtivo por a mesma representar uma afronta a direitos fundamentais dos sem-terra, dentre eles, o da moradia como no exemplo apresentado.
Feita esta breve exposição, é possível afirmarmos, após comprovação empírica de que o método da ponderação se mostra um meio racional e eficaz na solução de diversos conflitos entre direitos fundamentais, em especial entre moradia e propriedade privada.

V-Conclusões:

– Verifica-se, assim, a forte vinculação entre a propriedade e o direito à moradia, muito embora as mesmas não necessitem co-existir em relação a uma mesma pessoa. Exemplo típico, e já mencionado no início desde trabalho, é o dos imóveis locados em que o locatário goza do direito à moradia, enquanto o proprietário cumpre com a função social de sua propriedade.
– A moradia diferencia-se da propriedade pelo fato de a mesma representar uma necessidade intrínseca ao ser humano, uma necessidade vital e, neste sentido, não uma escolha ou um direito intencional, enquanto o direito à propriedade privada é um benefício, uma conquista de alguns e, muitas vezes, dispensável, isto é, não vital. Assim, muitas vezes, a propriedade contrapõe-se à vida com dignidade, que “muitas vezes depende do mesmo tempo e do mesmo espaço, onde os primeiros exercem o seu direito de propriedade” devendo esta, a vida com dignidade, prevalecer.
– A aplicação do método da ponderação quando se esta a tratar do conflito entre o direito fundamental à moradia (princípio) e a propriedade privada ( princípio) se mostra satisfatória.

VI- Bibliografia

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