Direito à prova e provas ilícitas

Marcelo Lessa Bastos

Sumário

Apresentação do trabalho
Capítulo I – Considerações doutrinárias sobre as provas ilícitas
1. Noção. Importância da atividade probatória como conseqüência do princípio do contraditório.
2. Classificação das provas ilícitas.
3. Limites ao direito à prova.
4. As provas obtidas por meio ilícito.
5. A doutrina do “fruits of the poisonous tree” (árvore dos frutos envenenados).
6. A questão da interceptação telefônica.
7. Gravação de conversa por um dos interlocutores. Gravação ambiental.
Capítulo II – Perspectiva histórica
1. No Direito Romano.
2. Nas Ordenações e leis de Portugal.
3. Curiosidades da Lei das XII Tábuas.
4. AS ORDÁLIAS.
Capítulo III – Perspectiva de Direito Comparado
Capítulo IV – Perspectiva jurisprudencial
Referências bibliográficas

Apresentação do trabalho
Conforme orientação transmitida pelo ilustre professor, cuidar-se-á o presente trabalho de um relatório de pesquisa histórica, de direito comparado e jurisprudencial, a respeito do tema escolhido – direito à prova e prova ilícita, em formato livre e informal.

Para melhor compreensão do assunto, resolvemos dividir o trabalho em quatro partes, correspondentes aos quatro capítulos que se seguem, onde, logo no primeiro, são tecidas algumas considerações doutrinárias sobre o tema, de modo a introduzi-lo na pesquisa que virá a frente.

Por fim, são anexadas as jurisprudências consultadas, extraídas de repositórios oficiais e obras publicadas, nominadas nas notas de rodapé e referências bibliográficas.

Capítulo I – Considerações doutrinárias sobre as provas ilícitas
1. Noção. Importância da atividade probatória como conseqüência do princípio do contraditório.
É um dos temas mais controvertidos da ciência processual, tanto que não costuma ser abordado, sistematicamente, pelos autores, exceto quando de artigos específicos.

– Direito à prova e contraditório/ampla defesa: o princípio do contraditório tem por corolário não apenas garantir a defesa em seu sentido negativo – como oposição ou resistência -, mas, principalmente, a defesa vista em sua dimensão positiva – como influência, ou seja, como direito de incidir ativamente sobre o desenvolvimento e o resultado do processo. O direito à prova revela-se de suma importância, porquanto a prova é o momento central do processo – ligada à alegação e indicação de fatos, para possibilitar a demonstração da verdade, na busca da procedência das pretensões processuais formuladas pelas partes.

Nos Estados Unidos, fala-se de um verdadeiro right to evidence, em favor de quem age e se defende em juízo, garantido pela cláusula do due process of law. Na Itália, a Corte Constitucional já afirmou que a garantia da Constituição fica prejudicada quando se limita o direito à prova.

2. Classificação das provas ilícitas[1].
As provas ilícitas devem ser vistas sob três enfoques. O gênero prova ilícita comporta três espécies, podendo se dizer que a ilicitude pode estar:

a) Na criação – provas falsas em essência, porque forjadas ou tomadas com base em métodos não cientificamente comprovados, que atentam contra a dignidade do réu. Ex: depoimentos falsos, documentos inverídicos, soro da verdade, detector de mentiras, psicografias, etc.

b) Na obtenção – provas verdadeiras e autênticas em essência, porém obtidas com violação a regras de direito material. Para sua obtenção, foram cometidos crimes, como buscas domiciliares sem mandado judicial, ou durante a noite sem consentimento do morador (violação de domicílio ou abuso de autoridade), interceptações telefônicas sem autorização judicial, interceptações de correspondências (que a Constituição veda, a qualquer título), etc.

c) Na produção – provas verdadeiras e autênticas em essência, porém introduzidas no processo com violação a regras de direito processual. Ex: documentos juntados aos Autos em violação ao disposto nos arts. 406, § 2º e 475 do CPP.

– Validade delas: a primeira e a terceira NÃO VALEM em lugar nenhum do mundo.

As provas ilícitas na criação não falsas em essência, forjadas, sem garantia científica, também denominadas “provas moralmente ilegítimas”.

As provas ilícitas na produção são denominadas por Tourinho e Ada Pellegrini “provas ilegítimas”, não valendo por violar o Princípio Constitucional do Devido Processo Legal, descumprindo-se as normas in procedendo da Lei Adjetiva.

Já quanto às provas ilícitas na obtenção, conhecidas por “provas obtidas por meio ilícito”, há grande controvérsia. De um modo geral, todos a aceitam, uns sempre e para ambas as partes, outros em algumas hipóteses, por exceção, apenas para o réu, como veremos. Entende a maioria que a vedação às provas ilícitas é uma garantia do cidadão contra o Estado, razão pela qual se a admite em favor do réu, desde que produzida pela pessoa interessada, dentro de determinados limites.

3. Limites ao direito à prova.
Fundamentam-se na conclusão de que os direitos do homem, dentro da ótica do Estado Social, não são direitos absolutos. Há uma restrição aos direitos individuais como decorrência do próprio princípio da convivência das liberdades, que não permite que qualquer delas seja exercitada de modo danoso à ordem pública e às liberdades alheias[2].

Nesta linha, o “processo só pode se desenvolver dentro de uma escrupulosa regra moral, que rege a atividade do juiz e das partes”[3].

Surge, então, a necessidade de se colocarem limites ao direito à prova[4].

Não se deve confundir a legalidade da disciplina da prova com o retorno ao sistema da prova legal, há muito superado: neste último, as regras probatórias são vistas como normas de tutela da esfera pessoal de liberdade – um valor de garantia; naquele velho sistema, eram vistas como regras para a melhor pesquisa da verdade – um valor de verdade.

No superado sistema das provas legais, havia regras sobre a avaliação judicial da prova[5]; o que se tem agora são regras sobre sua admissibilidade.

Neste desiderato, duas são as maneiras de regularem a atividade probatória: a primeira, estabelecendo-se, positivamente, o que pode ser admitido; a segunda, selecionando, negativamente, através de uma série de regras de exclusão, aquilo que não se admite[6].

4. As provas obtidas por meio ilícito.
– Obtenção da prova X liberdades individuais: o Direito tende a proibir a obtenção de provas que violem garantidas e liberdades individuais e atentem contra a dignidade da pessoa humana. Este tipo de prova viola garantias individuais constitucionalmente asseguradas.

– Posições doutrinárias: existem em vários sentidos:

a) Quanto à inadmissibilidade – O processo penal tutela tanto o interesse social, pelo império do Direito e a repressão às infrações penais e seus autores, quanto o interesse individual (e também social), pelas liberdades e garantias pessoais. De nada valeria a ação repressiva do Estado se, para obter os meios de prova, os órgãos agentes do Poder Público transgredissem aquela série mínima de garantias das pessoas. Neste sentido, o Juiz Gil Lavedra, da Corte Suprema Argentina, sustenta que existem limites à persecução penal. A tutela dos interesses do indivíduo é um valor mais importante para a Sociedade do que o castigo do autor do delito. O respeito à dignidade humana e aos direitos essenciais que derivam desta qualidade, constituem o vértice fundamental sobre o qual repousa a existência de todo o Estado de Direito. Na comparação de valores, é preferível deixar sem castigo os delitos a permitir que uma garantia constitucional se torne letra morta à mercê de qualquer eventual pretexto.

b) Quanto à admissibilidade – Nada impede a apreciação da prova obtida por meio ilícito, desde que autêntica (como é). A ilicitude deverá ser apreciada objetivamente, apenas no tocante à tipicidade do fato praticado para a obtenção da prova, com a conseqüente apuração e punição daquele que cometeu o crime.

c) Posição intermediária – A prova obtida por meio ilícito é admitida apenas pro reo, jamais para a acusação, por vedação constitucional, contrabalançada pelo Princípio da Ampla Defesa. Admitida, porém, dentro dos limites das causas excludentes, como a legítima defesa e o estado de necessidade. É o que há de mais moderno na Doutrina atual, defendido pela prof. Ada Pellegrini Grinover.

– O tratamento no Direito Brasileiro – visão constitucional: O art. 5º da Constituição consagra a inadmissibilidade da prova obtida por meio ilícito (LVI), o direito à inviolabilidade do domicílio (XI), ao sigilo das telecomunicações (XII), à integridade física (III), à intimidade e à vida privada – o “Rigth of Privacy” (X). Por outro lado, consagra para os réus o direito à Ampla Defesa (LV).

Há, na Constituição, um sistema de freios e contrapesos. A interpretação de dispositivos constitucionais não é isolada, mas em conjunto, de maneira sistemática, combinando-se uns com os outros, porque não há hierarquia entre dispositivos constitucionais. O dispositivo que veda a validade da prova obtida por meio ilícito, dispositivo de cunho processual, há de ser interpretado em consonância com os demais, mormente o que garante a Ampla Defesa. Disso resulta a tese de que não é válida a prova ilícita para a acusação; porém é válida para o réu, pois não é torpeza o mesmo se defender.

– Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade (norte-americanos e alemães): a teoria da proporcionalidade[7] foi adotada pelos tribunais da então Alemanha Federal, sempre em caráter excepcional e em casos extremamente graves, para admitir a prova ilícita, baseando-se no princípio do equilíbrio entre valores fundamentais contrastantes. A admissão excepcional da prova ilícita seria um instrumento necessário para a salvaguarda e a manutenção de valores conflitantes, sempre que a inadmissão pura e simples da prova ilícita pudesse levar a resultados desproporcionais, repugnantes, inusitados[8]. Esta teoria recorda a construção jurisprudencial da razoabilidade, muito utilizada nas decisões da Suprema Corte americana.

É preciso pesarem-se os valores que se contrapõem: de um lado, o bem jurídico tutelado pelo crime cometido pelo réu; de outro, o bem jurídico tutelado pelo crime a ser cometido para a obtenção da prova.

Dentre nós, os simpatizantes dessas idéias só abrem tal exceção par o réu, argumentando que estaria de acordo com o favor rei, que informa todo o processo penal. Assim, admite-se a prova ilícita pro reo, caso possa ser o mesmo absolvido – no processo a ser instaurado mediante o crime que praticou para a obtenção da prova – em virtude de estado de necessidade ou legítima defesa, ou seja, se proporcionais os valores dos bem jurídicos em testilha, de sorte a ser razoável a preponderância do ato de defesa do réu.

– Posições predominantes na doutrina e jurisprudência brasileiras: em épocas passadas, predominava a aceitação das provas ilícitas, principalmente até a Constituição de 1988. Subsistem as idéias de sua aceitação, agora já em caráter minoritário. Domina, hoje, a posição contrária à aceitação de tais provas, temperada por muitos autores pelos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

As Mesas de Processo Penal (do Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP) tomaram posição no sentido de validade das provas ilícitas apenas pro reu[9].

Em sede jurisprudencial, no início, a tendência era o acolhimento das provas ilícitas, até mesmo a confissão extorquida, se comprovada por outros elementos dos autos, passando-se por gravações e interceptações clandestinas. Chegou-se, hoje, à consolidação da tendência contrária[10].

Após a regra expressa de vedação na Constituição de 1988, os Tribunais vêm aplicando o dispositivo, para vedar o ingresso no processo das provas ilicitamente obtidas (seja o processo penal ou civil, já que a Constituição faz menção genérica, servindo para ambos)[11].

– Como proceder o Juiz diante de prova ilícita juntada ao processo: aplicando-se, por analogia, o art. 332 do CPC, a contrario sensu, inferindo-se que a prova obtida por meio ilícito não constitui meio hábil de prova, deverá ser ela desentranhada dos Autos.

– Nosso posicionamento: entendemos que deve ser válida a prova obtida por meio ilícito, tanto pro reo como pro societate, dentro dos limites do Estado de Necessidade.

Um valor maior do Processo Penal é a busca da verdade real. A regra deve ser a licitude da prova, porém não é possível desprezar o caso concreto, onde a prova é a “prova probata”, porém, casuisticamente, foi obtida por meio ilícito[12].

Já dizia Carnelutti que o processo penal é acromático, não tendo fins nenhum a não ser a apuração da verdade (sem compromisso com punição e sem compromisso com impunidade). O processo penal, com a Verdade Real, visa a reconstituir os fatos, de sorte a se descobrir o que, efetivamente, aconteceu. Não basta a intelecção do Juiz, é preciso que ele conheça o fato como ocorreu (art. 155 do CPP).

O que importa é ser a prova autêntica, não possuir vícios em sua formação. Se for ilícita, que se aprecie objetivamente o ilícito. A prova deve valer, embora sujeite seu autor ao processo pelo crime que praticou.

Se a prova supostamente ilícita se cinge aos limites do Estado de Necessidade, como o Código diz que “não há crime quando o fato é praticado em estado de necessidade”, a prova Não é ilícita (pelo que ousamos discordar da prof. Ada Pellegrini. Não haverá, assim, nenhuma violação a regras de Direito material, sendo a prova lícita).

Devem ser observados os critérios de proporcionalidade e razoabilidade, porque seria incoerente beneficiar uma pessoa num processo e, justamente por este benefício, vir a ser ela prejudicada em outro.

Imagine que haja um homicídio e seja arrecadada a arma do crime, dentro de uma casa, à noite. Ora: é a arma do crime, a qual, em confronto balístico, dá certeza da autoria. Como se desprezar uma vida em detrimento da inviolabilidade do domicílio?!

Nem se diga que estar-se-ia estimulando arbitrariedades sem controle, pois é curial que ninguém iria preferir ser processo por obter a prova por meio ilícito, a procurar obtê-la corretamente. O que poderia ocorrer é, casuisticamente, haver tal necessidade.

Adotando-se os critérios da proporcionalidade e da razoabilidade, sempre haverá equilíbrio entre a coleta da prova e o bem jurídico tutelado.

Admitir prova ilícita apenas pro reo não é garantir liberdades individuais, mas, sim, estimular impunidades, demagogicamente. Se o réu pode se valer do ilícito para provar sua inocência (o que não precisa, pois, para ele, basta suscitar a dúvida), porque do mesmo ilícito não pode o Estado se valer para provar sua culpa (e isto o autor tem que fazer)?

Male captum, bene retentum: quem agiu contra a lei deve ser punido, porém a prova é válida, desde que introduzida no processo corretamente.

Sem querer afrontar os entendimentos segundo os quais a verdade é uma só[13], de sorte que não faz sentido distinguir entre verdade real e verdade formal, certo é que a regra, no processo civil, é a de que podem-se tirar presunções de determinados comportamentos. Salvo no caso de ação de estado, onde a revelia não opera efeitos. Pois bem, no processo civil de direitos disponíveis, penso que até daria para ser trabalhada a vedação à prova ilicitamente obtida; porém, no processo civil de direitos indisponíveis, bem como no processo penal, onde, em ambos os casos, se busca a verdade real, data venia, não há como negar o valor à prova ilicitamente obtida, desde que legítima.

– Paranóias e sandices: o tema prova ilícita virou uma grande paranóia, a ponto de ser sustentada, com todo o respeito, uma grande sandice, por parte da festejada prof. Ada Pellegrini Grinover[14] – segundo se afirma, “a tutela constitucional da intimidade, da honra e da imagem parece justificar, mais do que nunca, a recusa do suspeito ou acusado em submeter-se a exames de partes íntimas, bem como a provas degradantes, como o bafômetro”. Ora, tal assertiva garante a mais absoluta impunidade a traficantes de drogas que levem consigo entorpecente no interior de órgãos genitais, por exemplo e, caso fosse descoberto, a materialidade delitiva teria que ser solenemente desprezada, porquanto prova ilícita; o mesmo se diga das visitas de presos que poderiam, para a prof. Ada, livremente, ingressar nos presídios com qualquer apetrecho que lhes facilitasse a fuga, inclusive armas de fogo (calibre pequenos, que pudesse permitir sua ocultação nas vestes íntimas). É o cúmulo do absurdo!

Recentemente, em processo onde funcionamos como presentante do Ministério Público, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro declarou nula a sentença prolatada com base em depoimento prestado por Magistrado que havia funcionado no processo, ao argumento de que “a nulidade nem foi prevista, porque o legislador supôs que jamais ocorreria”. Referia-se o digno relator ao fato de que uma Juíza tomou conhecimento de um fato e, em seguida, foi chamada a prestar urgente tutela, proferindo uma decisão tipicamente interlocutória, negando a desclassificação da conduta do réu, do art. 12 para o 16 da Lei de Tóxicos. Depois de ter se afastado do processo, foi arrolada como testemunha e prestou contundente depoimento. O Juiz da causa condenou o réu, que apelou, com base, não só neste depoimento, mas em outros, que nenhuma relação tinham com aquele em questão. Ignorou, data venia, o nobre relator que o legislador não só deixou de prever como nulo o fato de um Juiz funcionar em um processo e depois vir a prestar depoimento, como regulamentou tal situação, no art. 409 do Código de Processo Civil: este Juiz da causa, que é arrolado como testemunha e, se aceitar, dá-se por impedido de prosseguir oficiando no feito, já proferiu uma decisão muito mais importante, que foi o despacho saneador do processo civil, com todas as suas conseqüências preclusivas, posto que, como sabemos, o depósito do rol de testemunhas em cartório se dá após saneado o feito e antes da audiência de instrução e julgamento. Sem contar que o acórdão, que foi unânime, desprezou completamente a clássica regra do pars de nullitè sans text.

5. A doutrina do “fruits of the poisonous tree” (árvore dos frutos envenenados).
Doutrina Norte-Americana, pela qual, sendo determinada prova ilícita, todas aquelas que se colherem a partir dela estão contaminadas pela ilicitude, assim devendo ser declarada.

Haverá, assim, a ilicitude primária, de uma determinada prova, por inobservarem-se as regras materiais e processuais para sua colheita; e a ilicitude derivada, pelo simples fato de terem as demais provas partido da primeira, ainda que observadas todas as regras, materiais e processuais, para a coleta das subseqüentes.

Tem-se entendido que, à míngua de outra regulamentação, o CPP, art. 573, § 1º, adotou esta Doutrina (Mirabete). A Constituição silenciou a respeito.

O STF, recentemente, anulou condenação por tráfico de entorpecentes (80 kg de cocaína), porque a descoberta da rota por onde passaria a droga tinha se dado por escuta telefônica clandestina.

Esta teoria nasceu da Suprema Corte americana que, entretanto, chegara a, posteriormente, admitir, por 5 x 4, prova resultante de confissão extorquida, segundo noticia a prof. Ada.

– Nossa posição a respeito: a aplicação empolgada da teoria conduz a decisões extremamente absurdas, como a noticiada anulação da condenação de traficantes de drogas, em virtude de sua apreensão ter derivado de uma escuta telefônica não autorizada. Desprezou-se o princípio da proporcionalidade. Que vale mais, a intimidade de um traficante de drogas ou o interesse público de vê-lo recolhido atrás das grades?

O prof. Barbosa Moreira, em colocação genial[15], demonstra bem a que situação teratológica poderíamos chegar caso aplicássemos radicalmente a teoria do “fruits of the poisonous tree”: suponha-se que o marido mate a mulher e, em seguida, resolva confidenciar o crime a uma amiga. A polícia, desconfiando da ligação entre eles, resolve promover uma escuta clandestina em seus telefones, porque não teve a oportunidade de regularizar tal diligência. Através da escuta, capta a inconfidência, ocasião em que o criminoso dá detalhes do crime e, inclusive, aonde foram jogados o corpo e a arma utilizada. Daí, a polícia encontra o corpo (submetendo-o ao regular exame cadavérico, pelo que se tem a prova da materialidade do delito); logo depois encontra a arma, submetendo-a a confronto balístico (obtendo-se, assim, uma prova pericial de que o tiro que matou a vítima foi proveniente daquela arma, que era registrada em nome do meliante); prosseguindo, a polícia convence aquela confidente a depor e ela o faz, ratificando em juízo (prova testemunha); por fim, diante de tudo isto, resolve o réu admitir que matou sua esposa (confissão). Como tudo isto partiu de uma escuta telefônica clandestina, nós teríamos a materialidade do crime, uma prova pericial, uma prova testemunhal e a própria confissão, e nada disso valeria nada porque tiveram como ponto de partida uma prova ilícita, ficando, pois, contaminada irremediavelmente. O crime ficará impune. Isto é um absurdo e não faz o menor sentido, desafiando o próprio bom-senso.

Nada mais nos cabe a acrescentar.

6. A questão da interceptação telefônica.
A Constituição permite a interceptação telefônica, com autorização judicial, na forma a ser estabelecida em Lei (Lei n. 9.296/96).

Esta Lei foi publicada recentemente. Entendia-se que, antes dela, aplicava-se o Código de Telecomunicações, o que o Supremo passou a entender inaplicável, atribuindo a conseqüência da teoria dos frutos da árvore envenenada às escutas porventura realizadas, consideradas ilícitas. Agora, tal discussão está superada, com o advento da Lei de 24 de julho de 1996. Tratando-se de uma norma de direito processual, sua eficácia é imediata e geral, independente do tempus delicti (mesmo que o crime tenha sido cometido antes dela); porém não tem o condão de validar as escutas anteriormente realizadas, mesmo que em seus moldes, ainda que a escuta se dê sob sua égide, quando “autorizada” antes (porque autorizada à míngua de regulamentação legal, para aqueles que entendem que a Constituição não havia recepcionado o Código Brasileiro de Telecomunicações neste particular)[16].

Nos termos desta Lei, permite-se a autorização judicial para a escuta das telecomunicações (inclusive telemática), havendo indícios suficientes de autoria e não sendo possível a prova por outro meio, devendo a infração penal ser punida com reclusão. A decisão que conceder deverá ser fundamentada, estabelecendo o prazo máximo da interceptação, que só pode ser de 15 dias, prorrogáveis por igual período. Se gravada a conversa, deverá ser transcrita, correndo o teor em autos apartados, em Segredo de Justiça. Deferido o pedido, compete à Autoridade Policial executá-lo, podendo ela requisitar os serviços técnicos necessários.

No que pertine à interceptação do fluxo de dados em telemática, a doutrina tem entendido ser inconstitucional, por violar a restrição imposta pela redação do art. 5°, XII, da Constituição, cuja exceção só é aberta para o “último caso”, ou seja, a conversação telefônica, através da transmissão de voz. Pela regra constitucional, seria inadmissível a interceptação de correspondência, porque também seria absoluto o sigilo. Segundo o prof. Vicente Greco Filho, só é possível, tal como posto pela Constituição, a interceptação de conversações, de viva voz, sendo este o significado correto da expressão “comunicação telefônica”[17].

Explica a prof. Ada que há uma inconstitucionalidade formal na redação do citado inciso XII do texto Constitucional. É que o projeto original, votado e regularmente aprovado segundo as regras traçadas para os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, estabelecia: “É inviolável o sigilo de correspondência e das comunicações de dados, telegráficas e telefônicas, salvo por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, para fins de investigação criminal e instrução processual”. Sucede que a comissão de redação, exorbitando de suas atribuições, modificou o texto, para incluir as palavras “comunicações”, “no último caso” e “penal”, dando a forma atual. Não tinha tal comissão poderes de mudar o texto final, violando o devido processo legal constitucional, tal como estabelecido na Emenda 26 à Constituição anterior, que convocou a Assembléia Nacional Constituinte que resultou na atual Carta. Poderia, no entender da prof. Ada, ser o vício sanado, declarando-se inconstitucional o próprio inciso XII da Constituição, para restabelecer a redação original, suprimindo as palavras indevidamente acrescidas, sem que, com isso, arranhasse as cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, CF), dado o vício de forma destacado.

Só é possível, tal como está no texto da Constituição, a interceptação para fins de investigação criminal e processual penal, com o quê não é possível interceptação para fins de prova no processo civil. Isto sofre críticas da doutrina, com toda razão[18]. Não faz o menor sentido a diferenciação imposta pelo legislador.

Merece críticas, também, o fato de o legislador infraconstitucional ter restringido a interceptação para a descoberta de crimes a que seja cominada a pena de reclusão. E se, no curso de investigação tal, for descoberto um crime a que seja cominada pena de detenção? A prova valerá? Eis outra questão que suscita discussão. Em nosso sentir, obviamente valerá, porque o que importa é a justa causa para a quebra do sigilo das comunicações que, in casu, se fez presente, nenhum óbice existindo a que se descubra, incidenter tantum, outro tipo de delito[19].

7. Gravação de conversa por um dos interlocutores. Gravação ambiental.
Estas duas modalidades não cuidam de “interceptação”, que pressupõe um terceiro, que não esteja tomando parte na conversa. O que o art. 5°, XII, da Constituição veda é a interceptação por este terceiro, de conversa alheia. A gravação de conversa por um dos interlocutores é, em nosso sentir, prova lícita. Não está vedada, podendo ser utilizada no processo, segundo Jurisprudência do TJ/SP.

Como era de se esperar, há posições defendidas pelos ilustres processualistas já citados, sustentando que tal atitude encontraria vedação na regra constitucional que garante a inviolabilidade da intimidade, da vida privada e da honra. Assim, seria prova ilícita a gravação de conversa por um dos interlocutores, seja via telefone, seja diretamente.

Também seria ilícita, para esses cultos, a interceptação denominada “gravação ambiental”, feita por um terceiro, de conversa alheia, no próprio ambiente.

– Nossa opinião: como já deixamos entrever, a prova é absolutamente lícita, porque o dispositivo que se prestou a cuidar do assunto não a incluiu no rol das vedações, sendo um esforço incompreensível de interpretação buscar a vedação em um inciso que cuidou de regular a indenização civil por dano moral ou material conseqüente de violações aos bens jurídicos que elencou.

Inspirado no texto do prof. Barbosa Moreira, poderíamos afirmar: triste é o país que pretende dar mais valor à honra, à intimidade e à privacidade de traficantes de drogas, em vez de priorizar o combate a essas atividades. Observa o eminente professor que o combate severo aos crimes hediondos e figurar equiparadas também é regra programática da Constituição, cabendo uma ponderação de valores no estudo das supostas violações a garantias de tais indivíduos, em cotejo com o interesse que a sociedade tem em deles se ver livres.

Capítulo II – Perspectiva histórica
1. NO DIREITO ROMANO.
Segundo nos noticiam Benjamin Colucci[20] e Cretella Júnior[21], para os romano, Direito e proteção judiciária são conceitos correlatos e inseparáveis.

O direito é tutelado pela actio que, no sentido restrito que ainda hoje lhe atribuem, nada mais é do que atividade processual dirigida à defesa do direito.

Processo, no sentido estrito da palavra, é o conjunto de regras que o titular do direito precisa seguir para fazê-lo valer em juízo.

Processo civil romano é o conjunto de regras que o cidadão romano deve seguir para realizar seu direito.

Direito e ação são conceitos estritamente conexos no sistema jurídico romano.

Três períodos abrangem a história do processo civil romano: o processo das ações da lei; o processo formular; e o processo extraordinário.

As questões civis são apresentadas, primeiro, in jure, no tribunal do magistrado; depois, apud judicem, diante de um particular, escolhido pelos litigantes para julgar o processo. É a ordo judiciorum privatorum[22]. Manteve-se tal sistema até fins da época clássica, porque tinha dupla vantagem: apressava a solução das pendências, aliviando o trabalho dos magistrados e restringindo o poder absoluto de que se achavam investidos.

No processo das legis actiones, que era reservados, em princípio, aos cidadãos romanos, chefes de família, para reconhecimento de um direito ou para a execução de um julgamento, o rito era extremamente formal, cabendo aos litigantes pronunciarem as fórmulas sacramentais, sob pena de perderem a ação[23].

Sucedeu-o o processo formular[24], quando a figura do Pretor passa a se impor para resolver com eqüidade os casos concretos, antes submetidos ao frio e desumano rigorismo das formalidades. É um processo mais rápido, menos formalista e escrito. Na fase judicial, o autor, do modo mais simples possível, expõe sua pretensão e requer a fórmula desejada (é a postulatio). A seguir, notifica o réu (editio actionis), que pode seguir dois caminhos: confessar (confiteri) ou negar (infiteri). Prosseguindo o feito, e aí é o que nos interessa, cabe ao autor o ônus da prova (actori incumbit onus probandi) e ao réu se defender, alegando o que julga seu direito, inclusive a exceptio (in excipiendo reus fit actor). A prova testemunhal influi no julgamento. Alegando o réu a exceptio, passava a autor, cabendo a ele provar o alegado. Os meios de prova então praticados eram, sobretudo, as testemunhas, além da confissão (confessio in judicio) e o denominado juramento probatório. Finalmente, por influência grega, incluem entre as provas a prova por escrito (os instrumenta).

O processo extraordinário surge quando vai o processo civil romano perdendo a segunda fase (arbitral). A fonte do processo extraordinário está no hábito do Imperador em julgar pessoalmente os processos, desprezando as formas tradicionais. Nesta nova fase, os Magistrados passam a ser agentes categorizados, pertencentes ao Estado e dispostos em escala hierárquica[25]. A oralidade do processo é substituída por um sistema em que prevalecem os atos escritos, e os julgamentos, antes públicos, passam a ter um caráter mais reservado. Desaparece a gratuidade e começam-se a cobrar custas processuais (sportulae), pagas aos serventuários e advogados.

Não registram os autores consultados restrições ao procedimento probatório, daí porque não cogitam de provas ilícitas.

2. NAS ORDENAÇÕES E LEIS DE PORTUGAL.
Lastreado na Coleção da Legislação Antiga e Moderna do Reino de Portugal[26], encontramos curiosas regras para provas de determinados fatos e algumas restrições ao seu exercício.

Relatamos a seguir.

“Prova não se admitte do mexiriqueiro, que quer provar, que o outro o disse” (tit. 85) : “Por se evitarem os inconvenientes, que dos mexericos nascem, mandamos, que se alguma pessoa disser a outra, que outrem disse mal delle, haja a mesma pena, assi civel, como crime, que mereceria, se elle mesmo lhe dissesse aquellas palavras, que diz, que o outro terceiro delle disse, posto que queira provar que o outro disse”. Ao que nos parece, tem-se por objetivo evitar a “fofoca”.

“Prova do amancebamento qual he” (tit. 28, § 6) : “Ordenamos que o homem casado, que tiver (…) teúda e manteúda, seja degradado pola primeira vez por tres annos para Africa… E a mulher, que stiver por manceba teúda e manteúda de algum homem casado, pola primeira vez seja açoutada pela Villa com baraço e pregão, e degradada por hum anno para Castro-Marim…”. Parece-nos que aqui se incrimina o adultério e, no que se segue, regra-se sua prova: “E queremos, por este peccado mais evitar, que para prova do casamento do que se diz barregueiro casado, assi quando elle for acusado, como a barregãa, baste provar-se, que elle stá em voz e fama de casado, posto que não se prove, que foram á porta da Igreja, nem que os vissem receber, nem mais outro acto. E bem assi bastará para prova da barreguice, provar-se como stão em voz e fama de barregueiros, e que são costumados e vistos entrar hum em casa do outro: porque a tal fama junta com o que se assi prova, que os vem, e costumam entrar hum em casa do outro, havemos por sufficiente prova neste caso para a dita condenação, posto que se não prove bem fazer”. Para a prova do adultério, bastava que o adúltero aparentasse ser casado com uma pessoa e estivesse sendo visto em companhia de outra. Era o bastante ser visto em outra casa.

“Prova de tirar ouro, prata e dinheiro para fóra do Reino qual seja” (tit. 113, § 1) : Aqui é previsto o contrabando. “Pessoa alguma, de qualquer stado que seja, assi natural, como estrangeiro, não tire per mar, nem per terra, nem leve, nem mande levar, nem tirar para fóra de nossos Reinos e Senhorios prata, ouro amoedado, nem por amoedar, nem dê favor, nem ajuda para se levar. E quem o contrario fizer, sendo nisso achado, ou sendo-lhe provado, morra morte natural, e por esse mesmo feito perca todos seus bens e fazenda, ametade para quem o achar, ou descobrir, e a outra para nossa Camera”. Adiante, como prova do contrabando, contenta-se: “E porque muitas pessoas mettem ouro e prata (…) em fardos, botas, pipas, barris e caixas, em que mettem outras cousas e mercadorias, que hão de levar, ou mandar para fóra, para assi o levarem mais dissimuladamente, por isso sómente, sem mais outra prova de como as queriam levar para fóra do Reino, incorrerão nas ditas penas, posto que taes fardos e vasilhas stem fóra dos Navios, Náos, Caravelas, Barcas ou Bateis”. Em suma: basta que fossem pegos com outro e prata escondidos dentre outras mercadorias, no interior de fardos, botas etc.

Não obstante a procura em tal obra, não encontramos destaque para provas ilícitas nas Ordenações.

3. CURIOSIDADES DA LEI DAS XII TÁBUAS.
Na obra de Sílvio Meira[27], encontramos algumas curiosidades processuais contidas na Lei das XII Tábuas[28], inclusive quanto a prova, que, a seguir, relatamos:

Tábua Primeira – do chamamento a Juízo: 1. Se alguém é chamado a juízo, compareça; 2. Se não comparece, aquele que o citou tome testemunhas e o prenda; (…) 10. Depois do meio dia, se apenas uma parte comparece, o Pretor decida a favor da que está presente; 11. O pôr do sol será o termo final da audiência.

Tábua Segunda – dos julgamentos e dos furtos: (…) 2. Aquele que não tiver testemunhas irá, por três dias de feira, para a porta da casa da parte contrária, anunciar a sua causa em altas vozes injuriosas, para que ela se defenda; (…) 7. Se, pela procura cum lance licioque, a coisa furtada é encontrada na casa de alguém, que seja punido como se fora um furto manifesto …

Tábua Sexta – do direito de propriedade e da posse: 1. Se alguém empenha sua coisa ou vende na presença de testemunhas, o que prometeu tem força de lei; (…) 6. A mulher quer residiu durante um ano em casa de um homem, como se fora sua esposa, é adquirida por esse homem e cai sob seu poder, salvo se se ausentar da casa por 3 noites…

Tábua Sétima – dos delitos: (…) 15. Se alguém participou de um ato como testemunha ou desempenhou nesse ato as funções de libripende, e recusa dar o seu testemunho, que recaia sobre ele a infâmia e ninguém lhe sirva de testemunha; 16. Se alguém profere um falso testemunho, que seja precipitado da rocha Tarpéia…

4. AS ORDÁLIAS.
Merecem breves comentários as Ordálias (julgamentos ou juízos de Deus).

Consistiam elas em submeter o acusado a uma certa e determinada prova, supondo que Deus não o deixaria sair dela com vida se fosse culpado. Esta espécie encontra-se em quase todos os povos primitivos[29].

Na Índia, admita-se desde os tempos mais antigos.

Constava de quatro espécies: a da água, a do fogo, a da balança e a do veneno.

Os hebreus usavam a prova das águas amargas, empregada com a mulher suspeita de adultério. Se depois de haver tomado a bebida das mãos do sacerdote contraísse o rosto e os olhos se coravam de sangue, era culpada.

Na Antigone de Sófocles alguns guardas, suspeitos de haverem desobedecido ao Rei, ofereciam-se a pegar em ferro quente e atravessar o fogo, com o quê provariam sua inocência.

Em épocas posteriores, ainda continuaram a serem adotadas as Ordálias como meios de prova, tomando diversas formas.

A prova da água a ferver, que era peculiar da lei salica, consistia em tirar um objeto do fundo de uma caldeira de água fervendo, de forma que, se o acusado no fim de três dias não tinha nas mãos sinal algum de queimadura, a prova era favorável (tinha que cicatrizar nesse período).

A prova do ferro quente consistia em levar o acusado uma barra de ferro em brasa na distância de nove passos, ou dar nove passos sobre a relha[30] de uma charrua[31] no mesmo estado, sem se queimar.

A prova da água fria, que tinha várias maneiras de ser realizada, geralmente se fazia com os litigantes postos a nadarem no rio durante um certo número de vezes, perdendo a causa aquele que se cansasse primeiro.

A prova da cruz consistia em colocar um litigante frente ao outro com os braços abertos, de forma que aquele que primeiro os deixasse cair perdia a causa.

A prova do cadáver consistia em colocar a vítima frente ao acusado, de modo que, se de novo começasse a correr-lhe sangue, aquele era o autor do crime.

O antigo Código russo da Uleschenia mandava resolver os processos à sorte, quando o valor da causa não fosse de mais de um rublo[32]

– OS DUELOS JUDICIÁRIOS.

Espécie de prova que encontramos em quase todas as leis bárbaras, sendo a mais usada das Ordálias, chegando a ser, certa época, seu uso quase que indispensável.

A decisão dos litígios ficava entregue à força física. Cada categoria de pessoas tinha um meio peculiar de combater: os escravos com bastão; as mulheres escolhiam um campeão que as representasse (em algumas nações combatiam pessoalmente, porém enterrava-se em uma cova o adversário até a cintura). O ofício de campeão de duelos era um emprego mercenário.

Não apenas nas questões pessoais se admitia esse tipo de prova, mas em todas as questões, inclusive quando versavam matéria de direito[33].

A Igreja também adaptou os mesmos princípios, quando S. Yvo de Chartres, fulminando o duelo no século XII, admitiu-o em sua Câmara Eclesiástica.

Não tardou que o Direito Romano viesse levantar esse véu que se estendera pela Europa com a invasão dos godos e dos árabes. Princípios mais sólidos começaram a inaugurar-se, a ponto de, em 1.270, S. Luiz proscreveu de seus domínios o uso do duelo, substituindo a força e o combate pela razão e a justiça, lançando mão das testemunhas e dos escritos, segundo a prescrição do Direito sancionado em Códigos.

A prova testemunhal e documental, historicamente, portanto, veio em substituição aos duelos e demais provas que compunham o sistema das Ordálias.

Capítulo III – Perspectiva de Direito Comparado
No primeiro capítulo, em que tecemos considerações doutrinárias a respeito das provas ilícitas, salientamos, em diversas passagens, as contribuições que alguns países da Europa e América do Norte dão ao Direito Brasileiro no que pertine ao tema.

Do Direito Alemão, herdamos o princípio da proporcionalidade. Em situações excepcionais e em casos extremamente graves, os tribunais da então República Federal Alemã vinham admitindo a prova ilícita, com base no princípio do equilíbrio entre os valores fundamentais contrastantes. Essa tendência visa a corrigir distorções a que a rigidez da exclusão poderia levar em casos tais. É o “Verhältnismässigkeitsprinzip”.

Do Direito Norte-Americano, herdamos a famosa doutrina do fruto da árvore envenenada (“fruits of the poisonous tree”). A doutrina foi cunhada na Suprema Corte americana, que, entretanto, recentemente, em rumorosa decisão, por 5 votos a 4, admitiu como prova válida uma confissão extorquida[34]. O nosso Código de Processo Penal acolhe as idéias da doutrina, em seu art. 573, § 1°, ao estabelecer que a nulidade de um ato irá acarretar na dos demais que dele dependam. É a questão da ilicitude originária (ou primária) e derivada (ou secundária).

Do Direito Italiano, registramos que o art. 191, 1, do Código de Processo Penal daquele país (1988), afirma que as provas obtidas em contraste às vedações legais não podem ser utilizadas.

O mesmo ocorre em Portugal, onde a Constituição (1976), em seu art. 32, proibi expressamente todas as provas obtidas mediante tortura, coação grave, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.

Em síntese, era o que cabia acrescentar.

Capítulo IV – Perspectiva jurisprudencial
Nos anexos encartados ao término do presente, juntamos jurisprudências de inteiro teor (Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça) e ementas de arestos de diversos Tribunais do país, organizadas por folhas de rosto onde se resumem as questões enfrentadas e decididas.

Assim, procuramos nos desincumbir desta última perspectiva de pesquisa, com o quê encerramos o presente relatório, apresentado à guisa de trabalho final da disciplina Teoria Geral do Processo, ministrada pelo emérito prof. Dr. Leonardo Greco, no curso de Mestrado Profissionalizante, da Faculdade de Direito de Campos.

ANEXO I: Supremo Tribunal Federal[35]
– inteiro teor –

Declara válida a gravação de conversação telefônica, feita por um dos interlocutores, sem a ciência do outro, refutando argumento de que ofenderia a privacidade. Ordem indeferida…………….

ANEXO II: Superior Tribunal de Justiça[36]
– inteiro teor –

Invoca o princípio da razoabilidade, declarando relativa a teoria do “fruis of the poisonous tree”, para validar a interceptação telefônica de conversa de preso dentro do presídio, não podendo “invocar direitos fundamentais próprios de homem livre”. Ordem denegada ……..

ANEXO III: Acórdãos diversos[37]
– Ementas –

Gravações clandestinas – STJ; TJ/SP; 2° TAciv/SP; TJ/PR ………………………………..

ANEXO IV: Acórdãos diversos[38]
– Ementas –

Interceptações telefônicas – STF (ilícita a interceptação telefônica antes da Lei n. 9.296/96, ainda que judicialmente autorizada. Art. 5°, XII, CF não auto-aplicável. Doutrina do “fruits of the poisonous tree” aplicada para anular as provas derivadas, exceto se existem provas autônomas); STJ (não contaminação da escuta clandestina em virtude de provas autônomas; validade da gravação de conversação por um dos interlocutores); TJ/SP (validade de interceptação telefônica clandestina em nome do interesse coletivo – princípio da razoabilidade) ………………………………

ANEXO V: Decisão monocrática[39]
Jurisprudência comentada – Fauzi Hassan Choukr

Tortura – prova ilícita – inaceitabilidade de elementos de convicção por ela viciados. Arquivamento de inquérito policial ……………………………………………..

Referências bibliográficas
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COIMBRA, Imprensa da Universidade. Ordenações e Leis do Reino de Portugal recopiladas por mandado d’elrei D. Filippe O Primeiro. 12ª ed., t. III, Coimbra, 1858.

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CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de Direito Romano. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

GOMES, Luiz Flávio. Lei de Interceptação Telefônica: Aplicação Imediata e Impossibilidade de Convalidação das Autorizações Precedentes. In Doutrina, v. 3, Instituto de Direito. Rio de Janeiro, 1996.

GRINOVER, Ada Pellegrini. As Nulidades no Processo Penal. São Paulo: Malheiros, 1994.

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MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de Direito Processual.

NEVES E CASTRO, Francisco Augusto das. Theoria das Provas e sua aplicação aos actos civis. Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos Santos – editor, 1917.

PENTEADO, Jaques de Camargo e outros. Provas Ilícitas e Reforma Pontual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

RABONEZE, Ricardo. Provas Obtidas por Meios Ilícitos. Porto Alegre: Síntese, 1999.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1990.

Trabalho apresentado como exigência da disciplina Teoria Geral do Processo do Curso de Mestrado em Políticas Públicas e Processo, sob a orientação do Professor Doutor Leonardo Greco.

Marcelo Lessa Bastos é Promotor de Justiça no Estado do Rio de Janeiro e Professor de Direito Penal Especial e de Direito Processual Penal da Faculdade de Direito de Campos e da FEMPERJ.

[1] Proposta do prof. Weber Martins Batista.

[2] Nesta linha, as conhecidas restrições do Código de Processo Penal ao depoimento dos confidentes (CPP – art. 207), a recusa em depor dos parentes e afins do acusado (CPP – art. 206), as restrições à prova no que toca ao estado das pessoas (CPP – art. 155).

[3] Consoante lição da prof. Ada Pellegrini Grinover.

[4] No Código de Processo Civil, por exemplo, temos a regra expressa que veda as provas moralmente ilegítimas (CPC – art. 332); no Código de Processo Penal Militar, a que veda as provas que atentem contra a moral e a segurança individual ou coletiva (CPPM – art. 295).

[5] Absolutamente despropositadas, modernamente falando.

[6] Esta a técnica legislativa acolhida pelo sistema processual brasileiro, de sorte que, ao lado dos meios de prova tipicamente nominados, podem conviver outros meios de prova, ainda que atípicos, desde que não sejam expressamente vedados (provas ilícitas).

[7] Verhältnismässigkeitsprinzip.

[8] A teoria é passível de críticas, no que pertine ao subjetivismo de seu caráter, posto que ficará ao talante do juiz sopesar a dita proporcionalidade, comparando os bens jurídicos em conflito, para aceitar ou não a prova ilícita.

[9] Súmula n. 48 – Denominam-se ilícitas as provas colhidas com infringência a normas e princípios de direito material;

Súmula n. 49 – São processualmente inadmissíveis as provas ilícitas que infringem normas e princípios constitucionais, ainda quando forem relevantes e pertinentes, e mesmo sem cominação processual expressa;

Súmula 50 – Podem ser utilizadas no processo penal as provas ilicitamente colhidas, que beneficiem a defesa.

[10] RT 441/413, 426/439, 429/379, 440/114, 402/337; JTACrim 44/168, 49/200, 73228; RTJ 84/609, 110/798 e 122/47 – as três últimas referem-se às seguintes decisões, nesta ordem e em síntese: determinando o desentranhamento de fitas gravadas, correspondentes à interceptação de conversa telefônica da mulher, feita pelo marido, para instruir processo de separação judicial, visando a comprovar a culpa, pelo adultério; igualmente determinando, em processo cível, o desentranhamento de fitas contendo gravações oriundas de interceptação telefônica clandestina; e, finalmente, agora para o processo penal, determinando o trancamento de inquérito policial aberto com base em interceptações telefônicas, feitas por particulares, confessadamente clandestinas.

[11] Correição Parcial n. 92/90 – TRF 3ª Região, mantendo decisão do Juiz da 12ª Vara Federal de São Paulo, inadmitindo a transcrição e juntada aos autos do resultado de gravações clandestinas; MS n. 590.019.089, rel. Lio Cezar Schmitt, concedendo a ordem para o desentranhamento, do processo, do resultado de gravações feitas sem o consentimento das pessoas participantes da conversa; HC 2.132-2 BA, relator Min. Cernicchiaro (STJ), contra a admissibilidade, no processo, de prova ilícita.

[12] Este argumento é refutado afirmando-se que, “tomado esse caminho, se perderá fatalmente o sentido de qualquer limite e a verdade absoluta tornar-se-á um mito que corresponde ao ilimitado poder do juiz … O modo de agir não pode valer mais do que o resultado … Dois processos podem ser imaginados: um, em que a dignidade do homem é aviltada; outro em que é respeitada. Este último torna toleráveis até mesmo os inevitáveis erros.” (Ada Pellegrini Grinover e outros, em “as nulidades no processo penal”).

[13] Prof. Barbosa Moreira e o próprio prof. Leonardo Greco.

[14] “As nulidades no processo penal”, dela e outros, editora Malheiros.

[15] Conferência proferida no Simpósio de Direito Processual, realizado no Centro de Convenções de Salvador, em seguida publicada na Revista Forense, e no livro “Temas de Direito Processual”, do autor e questão.

[16] Idéias defendidas por Luiz Flávio Gomes, in Lei de interceptação telefônica: aplicação imediata e impossibilidade de convalidação das autorizações precedentes, artigo extraído do “Direito à Intimidade e interceptação telefônica”, Revista dos Tribunais. Publicado na revista de Doutrina do Instituto de Direito, vol. 3. Guardamos grandes reservas à assertiva de que a Constituição não recepcionara o Código Brasileiro de Telecomunicações.

[17] Vicente Greco Filho, Interceptação telefônica, São Paulo, editora Saraiva, 1996.

[18] José Carlos Barbosa Moreira, no texto já mencionado.

[19] Imaginemos que o Delegado, ao ouvir a conversa, tenha que, rapidamente, pensar na pena do crime, desligar a extensão quando os interlocutores conversarem sobre crime apenado com detenção e, em seguida, adivinhar, para religar a escuta, quando voltarão a conversar sobre crime apenado com reclusão.

[20] COLUCCI, Benjamin. Direito Romano – programa completo da Faculdade Nacional de Direito. 1954.

[21] CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de Direito Romano – o Direito Romano e o Direito Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

[22] Ordem dos processos privados ou marcha do processo civil.

[23] Conta Gaio, um jurisconsulto romano, que, de certa feita, um dos litigantes, por ter empregado a palavra vites (videiras), ao invés da palavra arbores (árvores), como ordenava a lei, perdera a causa.

[24] Que ganha terreno quando Augusto, pelas Júlias Judiciárias, proscreve o primitivo ritual.

[25] Antes, eram simples particulares indicados pelas partes.

[26] Ordenações e Leis do Reino de Portugal “recopiladas por mandado d’el rei D. Filippe O Primeiro, 12ª ed., Coimbra, 1824.

[27] MEIRA, Sílvio A. B. A Lei das XII Tábuas – fonte do Direito Público e Privado. Rio de Janeiro: Forense, 1961.

[28] Reconstituída por J. Godefroy.

[29] Cf. NEVES E CASTRO, Francisco Augusto das. Theoria das Provas e sua applicação aos actos civis. Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos Santos – editor, 1917.

[30] “Peça de ferro, nas rodas do carro de boi, que segura as cambas e o meão” (Dicionário Aurélio).

[31] “Arado grande de ferro com jogo dianteiro” (Dicionário Aurélio).

[32] NEVES E CASTRO, Francisco Augusto das. op. cit., p. 25.

[33] Relata o autor citado (Neves e Castro) que, segundo Etienne Pasquier, no tempo de Othon I, apareceu um litígio, em que se discutia se, na sucessão em linha reta poderia ter lugar a representação. Achando-se embaraçados os principais jurisconsultos, entregou-se a decisão a dois esforçados combatentes. O resultado foi que venceu o representante dos que queriam suceder e, assim, estabelecer na Alemanha o direito de representação, o que teve lugar, no ano de 942, segundo afirma a “Chronica de Sigeberto”.

[34] Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini. op. cit., p. 116.

[35] H.C. n. 75.338-8 (Rio de Janeiro). DJ. 25-09-98; Ementário 1924-01.

[36] H.C. n. 3.982 (Rio de Janeiro). Revista do STJ, Brasília, a. 8 (82): 317-370, junho 1996.

[37] Apud RABONEZE, Ricardo. Provas obtidas por meios ilícitos. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 87/90.

[38] Apud RABONEZE, Ricardo. Provas obtidas por meios ilícitos. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 91/98.

[39] Revista Brasileira de Ciências Criminais – 14. 2ª Vara Criminal de Entorpecentes e Contravenções Penais do Distrito Federal. Setembro de 1995.

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