Autor: Fernando Henrique Rossi (*)
Na última década, os animais de estimação têm obtido cada vez mais espaço no âmbito familiar, nas gôndolas de supermercados e lojas especializadas e no mercado de prestadores de serviço — visto que se oferece desde passeadores até cuidadores, hotéis e casas de repouso especializadas, ou ainda serviços mais sofisticados como massagistas, terapeutas, acupunturistas e etc.
O mercado pet evoluiu juntamente com a relevância social desses companheiros domésticos, elevando-os ao status de “membro da família”. Diante deste fato até pouco tempo atrás, o Direito se viu obrigado a fazer suas adaptações, especialmente com o surgimento de algumas demandas, por exemplo, o pedido pela guarda de cães e gatos em separações e divórcios. Outra questão que poderá também vir a bater nas portas dos tribunais daqui a algum tempo são os popularmente conhecidos “planos de saúde pet”.
Antes de qualquer coisa, é bom deixar claro que, a par de concepções e anseios sociais, nos termos da legislação pátria, por mais importante e relevante que um animal de estimação possa ser, juridicamente, não deixa ele de ser um bem, um semovente como bem determina o artigo 82 do Código Civil e, portanto, compõe a esfera patrimonial do indivíduo e, juridicamente, salvo em situações excepcionais, devem eles ser analisados como tal.
Ressalto que não se trata de frieza ou tampouco indiferença, mas sim de uma análise técnica a respeito do tema. Assim, embora possam ser popularmente conhecidos como planos de saúde, estes, em verdade, oferecem um seguro patrimonial para cobertura assistencial de despesas veterinárias, não sendo, portanto, regulamentados pela ANS. E, uma vez não sendo um plano de saúde propriamente dito, também não se mostram sujeitos ao disposto na Lei 9.656/98, que regulamenta os planos de saúde.
Isso significa que não existe qualquer regulamentação específica?
A resposta é negativa, visto que, por se tratar de um contrato seguro ofertado por uma seguradora, ambos necessitam estar devidamente registrados junto a Superintendência de Seguros Privados (Susep), bem como respeitosos às suas regulamentações, sem contar o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), que atua também como órgão regulador de seguros privados, além de seguir o regime do Decreto Lei 73/66, que regula as operações de seguros privados.
É certo também afirmar que os contratantes deste seguro estarão menos amparados?
A resposta é igualmente negativa, pois, embora a comercialização se dê no sentido de ter o pet como beneficiário, quem figura como tal é o contratante, proprietário do animal, que terá seu patrimônio preservado, afinal, pensar em sentido contrário seria o mesmo que afirmar que seu carro é o beneficiário do seguro e não você.
Porquanto, sendo o titular do seguro também um consumidor do serviço, evidente também que qualquer abuso praticado ou contratualmente estabelecido pela seguradora poderá ser objeto de revisão e modulação nos termos do Código de Defesa do Consumidor, especialmente através de seus artigos 39, V e 51, IV, respectivamente.
Ressalta-se aqui que se fala de uma contratação de um seguro individual ou que tenha como objeto alguns animais integrantes de um mesmo núcleo familiar, excluindo-se os criadores, os quais, em razão de sua latente finalidade econômica apenas poderão ser configurados como consumidores caso se verifique sua vulnerabilidade dentro de cada caso concreto (teoria do finalismo aprofundado encabeçada pela professora Cláudia Lima Marques).
Ou seja, embora não exista uma legislação específica sobre os seguros destinados aos animais de estimação, não se deve olvidar que se mostram eles sujeitos aos ditames e regramentos previstos na legislação consumerista, os quais deverão ser respeitados e aplicados em seu mais alto rigor, visando coibir qualquer tipo de conduta exageradamente desequilibrada, como um aumento excessivo das mensalidades, ou ainda restrições indevidas de cobertura.
É importante, inclusive, frisar, que mesmo diante dos planos de saúde tradicionais, a jurisprudência, muitas vezes caminha no sentido de embasar suas decisões unicamente no CDC, como ocorre nos casos de cobertura de tratamentos a enfermidades que evolvam medicamentos experimentais ou ainda não homologados pela Anvisa. Nestes casos, os tribunais afirmam que privar o consumidor de uma cobertura mais abrangente e, portanto, mais benéfica em razão de travas administrativas o alocaria em posição extremamente desvantajosa (art. 51, IV), o que fere a equidade e, por via de consequência, a boa-fé (art. 4º, III).
Fato é que, diferentemente do ocorrido com os planos de saúde tradicionais, que, por sujeitos às normativas da ANS, as quais, por sua vez, estabelecem limites de reajustes e de cobertura mínima que acabam por servir de parâmetro ao julgador, no que tange ao seguro pet, tais parâmetros se mostram inexistentes, o que acarretará em uma maior subjetividade diante de cada caso concreto, podendo trazer alguns problemas ao jurisdicionado, especialmente no que tange à segurança jurídica, afinal, o que seria ou deixaria de ser abusivo ou excessivo estará sob o crivo do magistrado, que agirá nestes casos sem qualquer tipo de paradigma.
Igualmente, não se deve ignorar a relevância social dos animais de estimação que vêm se tornando cada dia mais intensa, não podendo, igualmente, o legislador brasileiro dar as costas a este aparente rumo social, lembrando que ainda não há na lei brasileira texto semelhante ao existente no Direito francês, que, em fevereiro de 2015, alterou seu Código Civil a fim de elevar o status dos animais de patrimônio para seres sencientes, ou seja, providos de sentimentos e, portanto, sujeitos de direitos.
Por fim, muito embora os animais ainda não possam ser tutelados como sujeitos de direito de acordo com a atual legislação, isto não significa que os contratos de “planos de saúde pet” se encontram a margem da lei, visto que o responsável contratante, o proprietário do animal não deixa de ser consumidor, devendo, assim, qualquer abuso ou irregularidade deve ser corrigida nos termos da legislação consumerista, ainda que venha a depender excessivamente da senciência do julgador, a qual se espera seja a melhor possível.
Autor: Fernando Henrique Rossi é sócio no escritório Rabelo e Rossi Advogados Associados.