Direitos autorais devem ser cobrados pelo de forma razoável e proporcional

Autora: Viviane Galbas (*)

 

1. Da proteção constitucional do Direito Autoral como garantia fundamental
Os direitos autorais que já eram resguardados desde a Constituição de 1969 já com um status de garantia fundamental, com a promulgação da Constituição de 1988, ganharam ainda maior notoriedade já que expressamente mencionados no artigo 5º da Constituição nos incisos XXVII e XXVIII das publicações e reproduções de obras, bem como, o gozo do proveito econômico obtido através destas obras aos seus titulares.

Após a edição da Lei 9.610 de 1998, o Ecad sofreu alteração em seu regime jurídico sendo que deixou de ser fiscalizado diretamente pelo Poder Público Federal, sendo assim, a nova Lei de Direitos Autorais previu sua continuação como associação dos titulares de direitos autorais de obras literais, musicais:

“Art. 99. As associações manterão um único escritório central para a arrecadação e distribuição, em comum, dos direitos relativos à execução pública das obras musicais e lítero-musicais e de fonogramas, inclusive por meio da radiodifusão e transmissão por qualquer modalidade, e da exibição de obras audiovisuais.

§1o. O escritório central organizado na forma prevista neste artigo não terá finalidade de lucro e será dirigido e administrado pelas associações que o integrem. (…)”.

Ademais, a constitucionalidade das cobranças feitas pelo Ecad foi objeto de julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade, a ADI 2.054 DF, sendo que o Supremo Tribunal Federal, neste momento, se manifestou quanto à constitucionalidade do Ecad e seu privilégio de cobrança centralizada de direitos autorais.

2. Da alteração sofrida na Lei de Direitos Autorais pela Lei 12.853 de 14 de agosto de 2013 – validação pelo STF
A Lei 12.853 de 14 de agosto de 2013 promoveu alteração na Lei dos Direitos Autorais, ou seja, na Lei 9.610/98, principalmente, na forma de fiscalização e arrecadação do Ecad.

Essa alteração teve sua justificativa decorrente da CPI do Ecad em 2011, esta CPI com objetivo de investigação por suspeita de fraudes nos pagamentos de direitos autorais concluiu que as atividades desenvolvidas pela referida entidade não gozavam da devida transparência nos repasses.

Devido à mudança substancial da forma de gestão do Ecad, foram propostas duas ADIs, uma pelo Ecad e outras seis associações de titulares de direitos autorais e a outra ajuizada pela União Brasileira de Compositores e pela União Brasileira de Editoras de Músicas (ADIs 5.062 e 5.065).

Diante disso, o Supremo Tribunal Federal iniciou no dia 28/04 do corrente ano o julgamento conjunto das mencionadas ADIs, contudo a análise foi suspensa por pedido de vista do ministro Marco Aurélio. Antes, no entanto, o ministro Luiz Fux, relator dos processos, votou pela improcedência das ADIs por entender que a norma não caracteriza ilegítima intervenção estatal em atividade privada. O relator foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber e Cármen Lúcia.

O Ecad e demais associações argumentaram que as alterações trazidas pela legislação guerreada eram incompatíveis com os princípios constitucionais que garantem a livre iniciativa, a propriedade privada, a liberdade de associação, o direito à intimidade, a proporcionalidade, o devido processo legal, a separação entre os Poderes “e as respectivas regras que materializam, na ordem constitucional, tais princípios”.

Todavia no voto proferido pelo ministro Luiz Fux foi ressaltado que o próprio monopólio do Ecad é produto da intervenção do Estado.

Os pagamentos dos valores ao Ecad não possuem natureza de tributo, pois são derivados da lei de direitos autorais e da Constituição Federal, não houve uma definição expressa da natureza do Ecad, mas observa-se uma natureza privada como ente delegatário da função pública de proteção de um direito fundamental de forma coletiva.

O Ecad utiliza em sua tabela de preços o referencial denominado Unidade de Direito Autoral (UDA), cujo valor unitário é fixado pela Assembleia Geral da instituição e será objeto de reajuste anual. O valor atual da UDA, reajustado em julho/2016, é de R$71,45. Ressalta-se, inclusive, que o STJ já sedimentou o entendimento de que válida a tabela de preço estipulada pelo próprio Ecad.

3. Das questões controversas relativas ao Ecad

3.1. Do prazo prescricional para a cobrança do Ecad – Uniformização do prazo prescricional para três anos
Na execução comercial desautorizada de obra musical, tem-se que a relação entre o titular da obra (representado pelo Ecad) e o executor será extracontratual, ante à inexistência de vínculo entre as partes.

O Código Civil de 2002 não trouxe previsão específica de prazo de prescrição para casos de violação de direitos autorais, portanto o prazo aplicado é o de três anos (artigo 206, parágrafo 3º, V) quando tiver havido ilícito extracontratual.

Na execução comercial de composições musicais mediante prévia autorização do titular, ainda que por intermédio do Ecad, há idôneo acordo de vontades para a cessão parcial, temporária e não exclusiva de direitos autorais, caracterizando relação contratual.

Considera-se o prazo de prescrição para o Ecad efetuar a cobrança de direitos autorais derivados de contratos o prazo de 10 anos, incluindo o caso das emissoras de rádio, relativos à execução de músicas, já que foi considerado, no entanto, que a cobrança de mensalidade pelo Ecad decorre de uma relação negocial, ainda que não haja contrato, e que nessas situações prevalece o prazo geral de prescrição previsto no artigo 205 do Código Civil, que é de dez anos.

Ocorre que há diferença entre a ação por violação de dano autoral, o que ensejaria a pretensão de reparação civil e a utilização indevida do direito autoral, o que atribui à ação a natureza pessoal. O descumprimento de obrigação contratual diverge do ato ilícito clássico, objeto da reparação civil com prescrição de três anos a que se refere o artigo 206, parágrafo 3º, inciso V, do Código Civil de 2002.

Contudo, em recente decisão do STJ no REsp. 1.281.594/SP, houve a uniformização do prazo prescricional para três anos para pretensões fundadas em responsabilidade civil tanto para as contratuais, quanto para as extracontratuais, portanto não cabendo mais a alegação de prescrição decenal defendida pelo Ecad.

3.2. Da sonorização de quartos de hotel ou pousadas e afins – ambiente de frequencia individual ou coletiva?
A disponibilização de aparelhos de rádio e televisão nos quartos de hotel confere aos hóspedes a possibilidade de utilização da televisão ou estação de rádio, fato que, autoriza a cobrança de direitos autorais conforme o que preconiza a Súmula 63, do Superior Tribunal de Justiça:

“São devidos direitos autorais pela retransmissão radiofônica de músicas em estabelecimentos comerciais”.

A cobrança de direitos autorais aos hotéis baseia-se no que preconiza o artigo 68, parágrafo 3º, da Lei 9.610/98 – de que todo local de frequência coletiva que utilize música publicamente (através de rádio ou aparelhos de TV) deve pagar direitos autorais ao Ecad. Alega o Ecad que o segmento de hotéis é considerado como local de frequência coletiva, estendendo essa definição a todos os ambientes do hotel, inclusive aos quartos, exceto quando os mesmos são usados como moradia permanente. Ainda na defesa desse argumento alegam que os quartos de hotéis, apesar de serem ocupados de maneira individual pelos hóspedes, são ocupados por pessoas diversas e em determinada temporada, por isso, a música disponibilizada nos quartos através de estação de rádio e televisores constituem uma característica diferenciada para o conforto do hóspede, fato que agrega valor ao ambiente e ao negócio, sendo, portanto este o embasamento legal apontado para a referida cobrança.

Contudo, existe uma interpretação divergente que analisa a definição de quartos de hotel como ambiente de frequência individual, isso com espeque na definição do art. 23 da Lei 11.771 de 17 de setembro de 2008, conforme se segue, onde não deixa dúvida que a definição de alojamentos temporários como de frequência individual conforme pode-se observar:

“Art. 23.  Consideram-se meios de hospedagem os empreendimentos ou estabelecimentos, independentemente de sua forma de constituição, destinados a prestar serviços de alojamento temporário, ofertados em unidades de frequência individual e de uso exclusivo do hóspede, bem como outros serviços necessários aos usuários, denominados de serviços de hospedagem, mediante adoção de instrumento contratual, tácito ou expresso, e cobrança de diária”.

Ainda, para justificar a ausência de previsão legal para a cobrança do Ecad nas sonorizações nos apartamentos dos hotéis com relação aos aparelhos de rádio e de televisão, presentes nos apartamentos dos hotéis há o fato de que não há como o Ecad fiscalizar se de fato o hóspede utilizou a televisão ou rádio.

Observa-se que a questão ainda é controversa e possui diversas ações judicias objetivando esse tipo de discussão, apesar de que, legalmente, perdura a determinação do pagamento ao Ecad dos direitos autorais decorrentes da sonorização dos quartos de hotéis, pousadas, etc.

3.3 Da utilização dos serviços de televisão e rádio por assinatura

No tocante ao estabelecimento comercial que tenha assinatura de televisão e rádio, estes não devem recolher o pagamento ao Ecad, pois o fornecedor ao emitir o sinal dos programas já efetuou o pagamento, conforme decisão monocrática do ministro João Otávio de Noronha, abaixo colacionada:

“PROCESSO CIVIL. DECISÃO MONOCRÁTICA. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DIREITO AUTORAL. ECAD. HOTEL. REPRODUÇÃO DE MÚSICA EM QUARTOS DE HOTEL. … 3. A disponibilização de sinal de rádio e televisão dentro dos quartos de um hotel não isenta o estabelecimento do pagamento de direitos autorais, exceto se são utilizados serviços de TV e rádio por assinatura de empresa fornecedora que, ao emitir o sinal dos programas, já tenha efetuado os respectivos pagamentos. Isso porque tais programas são editados pela prestadora de serviços para uso exclusivo de determinados clientes, que os reproduzem em seus ambientes profissionais. Somente nesse momento é que é devido o pagamento de direitos autorais. Assim, se o fato gerador é único, feito um pagamento, tem-se por quitada a utilização da obra por autoria. 4. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se dá parcial provimento. (EDcl no REsp 1044345/RJ, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 04/02/2010, DJe 11/02/2010)”.

Conforme se observa, o repasse da referida contribuição ocorre por meio das emissoras de televisão e rádio, não sendo correta a cobrança dúplice pelo mesmo fato gerador, fato que importaria em enriquecimento ilícito do Ecad o que é vedado no ordenamento jurídico vigente.

3.4 Da utilização de obra musical para fins didáticos, pedagógicos e de integração entre família e escola, sem intuito de lucro
Em recente decisão proferida pelo STJ no Recurso Especial 1.575.225 – SP (2012⁄0255566-9)foi considerada indevida a cobrança de direitos autorais pelas músicas executadas em festa junina por uma escola de São Paulo.

O magistrado reconheceu em primeira instância o dano à proteção autoral e condenou a escola ao pagamento de R$ 7,5 mil, sendo, posteriormente, reformada a sentença e afastada a condenação pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Contudo, os ministros da 2ª Seção apresentaram pontos divergentes sobre o caráter pedagógico das festas juninas promovidas em ambientes escolares e a eventual aferição de lucro das instituições com a organização dos eventos, prevalecendo o posicionamento adotado pelo ministro relator do caso, Raul Araújo, que entendeu que os eventos juninos têm caráter didático e possibilitam a confraternização entre a comunidade escolar.

Ressalta-se que o ministro elucidou o fato de que os alunos não costumam escutar músicas folclóricas nas rádios comerciais, tendo os colégios a oportunidade de propiciar o contato com esse tipo de canção durante os festejos, observou ainda que não houve a cobrança de qualquer quantia dos pais dos alunos para a participação no referido evento.

Predominou o entendimento de que é indevida a cobrança de direitos autorais em hipótese restrita de evento promovido com fins didáticos, pedagógicos e de integração entre família e escola, sem intuito de lucro.

5. Conclusão
Diante do exposto, observa-se que a cobrança de direito autoral promovida pelo Ecad está constantemente em voga, ora para que não seja desrespeitado o direito autoral, constitucionalmente amparado, ora para que a sua previsão e aplicabilidade não seja de forma desarrazoada, garantindo o cumprimento da legislação vigente pelos estabelecimentos comerciais que utilizem da exploração musical e congêneres,e aos eventos culturais, didáticos, familiares que visam a integração familiar e da sociedade.

 

 

 

 

Autora: Viviane Galbas  é advogada tributarista do Sesc em Belo Horizonte, tem pós-graduação em Direito Penal e Processo Penal pelo Complexo Jurídico Damásio de Jesus, e cursa MBA em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas com extensão internacional pela Fordham University (Nova York).


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