por Wagner Balera
1. Introdução
As duas idéias básicas que se articulam no ambiente jurídico, olhado em perspectiva social, são a de justiça, como principal reativo contra a desigualdade inerente ao convívio social e a de solidariedade, como apoio necessário que a comunidade há de prestar àqueles dos seus membros que ainda não alcançaram o lugar que lhes cabe ocupar no seio da sociedade.
Em torno dessas idéias gravitam dois conceitos que se acham consagrados, por serem comuns, em todos os sistemas jurídicos. E, por serem comuns, elevam-se à categoria dos conceitos fundamentais que, como leciona Lourival Vilanova:
“É um conceito fundamental, porque é necessário à constituição e ao conhecimento do direito.”
São conceitos fundamentais, aplicáveis a este estudo, o de justiça social e o de direitos humanos.
Para garantir uma Ordem Social equilibrada, onde as políticas públicas sejam sustentadas por bem definidos programas de desenvolvimento econômico e social, é necessário que haja a prevalência dos direitos humanos (art.4º ,II. da Constituição), o primado do trabalho (art. 193, da mesma Carta) e a solidariedade social (art.3º do mesmo Diploma Constitucional).
João Paulo II observa que a sociedade é a: “grande encarnação histórica e social do trabalho de todas as gerações”, donde que o trabalhador há de encarar:
“o seu trabalho também como algo que irá aumentar o bem comum procurado juntamente com os seus compatriotas, dando-se conta assim de que, por este meio, o trabalho serve para multiplicar o patrimônio da inteira família humana, de todos os homens que vivem no mundo.”[1]
Ao hierarquizar os valores presentes na Ordem Social, o constituinte subordina todos os demais ao trabalho – valor social fundamental (art. 1º, IV, da Lex Máxima) – que passa a ser, também segundo a lição da Laborem exercens, a verdadeira chave para a compreensão da vida social.
Cabe ao direito, modelar os princípios retores da ordem econômica e financeira e da ordem social – baseados no trabalho e vocacionados para a justiça social – para que informem a legislação e o agir do Estado, das empresas, dos trabalhadores e dos demais integrantes da comunidade e, assim que estruturada a sociedade, segundo medidas e técnicas de atuação, seja operado o trânsito da crise da desorganização econômica para o estagio ideal do bem estar social.
O Ensino Social Cristão, inicialmente insculpido na “Rerum Novarum”, chamava à ordem o Estado e exigia que este tomasse as dores do operariado:
“A autoridade pública deve também tomar as medidas necessárias para salvaguardar a salvação e os interesses da classe operária. Se ela faltar a isto, viola a estrita justiça que quer que a cada um seja dado o que lhe é devido”.
Para concluir, de modo taxativo:
“Que o Estado se faça, pois, sob um particularíssimo título, a providência dos trabalhadores”.[2]
A fim de garantir que as marchas e contramarchas da economia não afetem negativamente a vida dos trabalhadores, principais destinatários da ação social do Estado e das empresas (não é por outro motivo que, dentre os princípios gerais da atividade econômica se encontra o da busca do pleno emprego), é imprescindível que as políticas públicas sejam direcionadas para a concretização de metas e de prioridades capazes de promover a melhoria das condições de educação e de trabalho; o incremento dos salários, na mesma proporção em que ocorre o desenvolvimento econômico; a promoção de efetivas oportunidades de obtenção de moradia adequada e, enfim, dos benefícios e serviços da seguridade social.
2. Direitos Humanos Sociais.
Ora, o rol de direitos humanos sociais que se encontra inscrito, com destaque, nas Constituições modernas, é reflexo dessas carências que o corpo social apresenta e cuja solução pacífica pode conduzir a sociedade a um estágio superior de relacionamento.
Ao apontar os direitos humanos sociais, que situam concretas carências daqueles que dependem do exercício do trabalho para a respectiva sobrevivência, a configuração jurídica moderna reconhece a existência de falhas e omissões ao longo do caminho, que carecem de correção.
De fato, os travejamentos da nova arquitetura social significam o rompimento com esquemas velhos e daninhos que, a um só tempo, impediam a realização do bem-estar e atiçavam a questão social.
O Estado Social seria a fórmula encontrada pelo constitucionalismo (chamado social) para dar resposta aos problemas gerados pelo liberalismo econômico.
Fórmula que, cumpre lembrar, não pode ser considerada simples expressão da caridade, posto que se trata de exigência da justiça.
Advertia, com efeito, Pio XI:
” não pode a caridade substituir a justiça, quando o que é devido se nega iniquamente.”[3]
Pode considerar-se que, no Brasil, somente a partir da Constituição de 1946 se buscou estabelecer um corpus iuris baseado nos postulados da Justiça Social.
Por meio dessa modelagem, o constituinte resolveu considerar que o caminho necessário para que o País venha a atingir os estágios superiores de organização social é aquele que estabelece adequado padrão de desenvolvimento – redutor das desigualdades sociais – que não se limite a meros rearranjos episódicos dos recursos disponíveis.
Na verdade, assumiriam novo papel os atores sociais.
Buscando a tal “forma social superior” de que nos fala Achille Loria[4], forma que permitisse a superação da opressão econômica e social, o engenho humano criava, então, o chamado Estado do Bem Estar (Welfare State).
O regime do bem-estar social, atuando na e sobre a Ordem Econômica, iria, a seu tempo, esquematizar diversos meios de ação que superariam as primeiras e rudimentares formas de proteção social.
O Estado iria:
“ayudar al desenvolvimento personal de todos y cada uno de los miembros de una comunidad, assegurándoles un mínimum de derechos fundados en su dignidad personal, la seguridad contra el riesgo y la ayuda para una mejora de su nivel de vida.”[5]
Deixou registrado Manoel Gonçalves Fereira Filho que a Ordem Econômica e Social passou a ser dominada pelo princípio da justiça social, concluindo – a propósito do Texto de 1967:
“Como a Lei Fundamental de 18 de setembro, a nova Carta nesse ponto, como noutros, revela influência nítida da doutrina social da Igreja..”.[6]
Percebe-se, destarte, que a partir do ideário delineado pela primeira Encíclica Social, marco inaugural do Ensino Social Cristão, de 1891, as estruturas jurídicas se puseram em movimento.
Desde logo, a Constituição do México, de 1917, seguida pela da Alemanha, de 1919, trataram de inscrever o rol dos direitos dos trabalhadores no seu conteúdo.
E, depois, como que num crescendo, as cláusulas sociais passaram a integrar a grande maioria das constituições modernas.
Mas, os direitos sociais alcançaram o ponto culminante com a aprovação, pela Assembléia Geral das Nações Unidas, aos 10 de dezembro de 1948, da Resolução que lançava a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Longe de se apresentar como simples proposta de mais um tratado internacional, o texto se propunha a revelar o consenso dos seus signatários a respeito dos pontos comuns à convivência humana.
Não se pode enquadrar a Declaração no quadro comum das fontes do direito. Trata-se, mais bem, de pressuposto axiológico de qualquer ordenamento jurídico, baseado na dignidade da pessoa humana.
Dessa situação especial e única em que convém deva ser posicionada a Declaração dos Direitos Humanos nos dá conta a Constituição do Brasil, ao impor a “prevalência dos direitos humanos” como um dos princípios da República (art. 4º, II).
No entanto, diante da cultura jurídica dominante, permeada pelo formalismo, os signatários da Declaração optaram por impor a concretização do ideário estampado no Documento Magno por intermédio de dois Pactos Internacionais que, por assim dizer, estabeleceram a “summa divisio” dos direitos humanos. De um lado, foram fixados os Direitos Civis e Políticos. De outro, os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.[7]
Podemos, a partir dessa divisão, sacar a primeira conclusão deste estudo.
O Direitos Civis e Políticos, também conhecidos como direitos da liberdade, estabelecem as garantias do cidadão comum diante do Estado, limitando o poder deste. Parte desse conjunto o rol estampado no art. 5º da Constituição do Brasil. Seu ideário é o desdobramento da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, produto da Revolução Francesa, de 1789.
Os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, fruíveis a partir do mundo do trabalho, nascem da exigência histórica daqueles que, participando da construção do patrimônio nacional acumulado ao longo do tempo, não tinham, até então, acesso à parte que lhes cabia. Resultam da veemente reclamação de Leão XIII, sobre a condição dos operários, de 1891, primeiro documento do Ensino Social Cristão.
3. Justiça Social.
O conceito tradicional de justiça, ditado pela consciência prática dos romanos, difunde a idéia de que se dá o que é devido a cada qual. É a justiça comutativa, que conduz à igual distribuição – do ut des.
A justiça distributiva pretende realizar a igualdade entre os cidadãos mediante consideração dos respectivos méritos.