Discussão séptica

Recentemente, reacendeu-se a discussão acerca da obrigatoriedade da ligação na rede coletora de esgoto e a respectiva cobrança pelo tratamento dos efluentes. Os argumentos se concentram no aspecto econômico da questão, uma vez que o valor a ser cobrado por esse serviço público aumentaria a conta suportada pelo consumidor.

Aqui, não se tratará dos aspectos constitucionais ou legais acerca da higidez jurídica do sistema normativo que sustenta a cobrança do valor do serviço ou se se trata de taxa ou tarifa etc., especialmente por não haver espaço neste periódico e a objetividade da mídia exija raciocínios concisos.

Por iguais razões, não se julgará se o serviço é estruturado ou prestado adequadamente. Tratar-se-á, então, exclusivamente da raiz econômica de um princípio jurídico constitucional ambiental: o do poluidor/usuário-pagador (art. 170, IV, e art. 225, § 1º, V, e § 2º, da CF).

Este princípio é assim entendido: os recursos ambientais têm caráter difuso e são esgotáveis, sendo que todos os responsáveis por sua utilização, poluindo-os ou não, devem arcar com este déficit da coletividade.

A teoria econômica fonte deste princípio é a da externalidade, positiva ou negativa. Explicando: se no preço do bem disponível no mercado não estão incluídos os ganhos e as perdas sociais resultantes da produção ou consumo, tem-se, respectivamente, uma externalidade positiva ou negativa.

O exemplo da água é emblemático. Se ao consumir água como insumo no processo produtivo (agroindústria etc.) ou devolvendo-a na forma de esgoto para o meio ambiente não houver um mecanismo que promova o ajuste no custo adicional suportado por toda a sociedade, teremos uma externalidade negativa. É a máxima da “privatização dos lucros e socialização das perdas”.

O princípio do poluidor/usuário-pagador é o instrumento legítimo para equilibrar essa relação, internalizando os custos de proteção ambiental. É o que diz o princípio n. 16 da Declaração de Princípios da Conferência Internacional Rio/92: “as autoridades nacionais devem esforçar-se para promover a internalização dos custos de proteção do meio ambiente e o uso dos instrumentos econômicos, levando-se em conta o conceito de que o poluidor deve, em princípio, assumir o custo da poluição, tendo em vista o interesse público, sem desvirtuar o comércio e os investimentos internacionais”.

Não se pode perder de vista, ainda, que a Constituição Federal impõe à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações (art. 225), não sendo adequado jurídica ou economicamente que aqueles que nem sequer utilizam a água ou os serviços de esgoto desta cidade suportem os prejuízos causados pela degradação ambiental dos rios que recebem os efluentes sem tratamento.

Não se perca de vista, também, que a ninguém é dado o direito de se apropriar de recursos naturais, utilizando-os de qualquer forma, impunemente, daí o caráter difuso e indivisível que os anima. Os recursos ambientais são de todos (res omnium) e não coisas de ninguém (res nullius). Reafirmando essa trivialidade, a Lei n. 9.433/1997, que dispõe sobre a Política Nacional de Recursos Hídricos, tem como fundamentos o reconhecimento de que a água é “bem de uso comum”, portanto, não podendo ser apropriada por ninguém, e é “recurso natural limitado, dotado de valor econômico” (art. 1º, I e II).

Mesmo assim, insiste-se em enxergar a problemática pelo ângulo mais simplista, demagógico e, a ornar com este ano, eleitoreiro. Concluindo, pode ser afirmado que é inconsciente o ânimo da incompreensão acerca da imprescindibilidade da distribuição proporcional dos custos pela utilização dos recursos ambientais, o que é, sem sombra de dúvida, a negação do princípio constitucional da solidariedade (art. 3º, I, da CF), proporcionando que cada vez mais o que é de todos seja tratado indevidamente como pertencente a alguém ou, sobretudo, a ninguém. É a celebração do egoísmo.

ALEXANDRE LIMA RASLAN, Promotor de Justiça (tutela do meio ambiente) (alraslan@terra.com.br)

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