Autor: Roberto Papini (*)
No capítulo do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105, de 16 de março de 2015), que trata da ação de dissolução parcial de sociedades, não passa desapercebida a norma (parágrafo 2º do artigo 599) que estende o procedimento dissolutório à “sociedade anônima de capital fechado quando demonstrado, por acionista ou acionistas que representam cinco por cento ou mais do capital social, que não pode preencher seu fim”.
Temos neste caso uma norma de conteúdo material inserida no diploma processual, designada na doutrina por norma mista ou heterotópica. No entanto, no caso das sociedades por ações, a regra introduzida pelo novo Código de Processo Civil não pautou pela boa técnica legislativa. Vemos, efetivamente, uma indevida incursão do diploma adjetivo no direito material em prejuízo da harmonia do conjunto de normas e princípios que regem as sociedades por ações com absoluta propriedade e percuciência.
Por isso mesmo, como forma de mitigar os eventuais e indesejáveis efeitos da norma adjetiva sobre o regime legal acionário, recomenda-se, à luz do preceito fundamental da Hermenêutica, segundo o qual as expressões de Direito só se revogam por outras da mesma natureza ou de autoridade superior (Carlos Maximiliano, in “Hermenêutica e Aplicação do Direito”), que a nova regra processual seja interpretada e aplicada com cautela e temperamento.
É evidente que a dissolução parcial preconizada pelo novo Código de Processo Civil é inconciliável com a natureza das sociedades de capital, não se podendo inferir, consequentemente, do referido preceito adjetivo, ruptura do princípio da indissolubilidade dos laços societários da sociedade anônima.
Daí concluir-se que a discussão em torno da dissolução parcial das anônimas deve ser mantida sem desconsiderar o rigor da disciplina acionária vigente.
A verdade é que no regime legal das anônimas não existe a figura da dissolução parcial, permitindo-se o desfazimento do vínculo jurídico entre a sociedade e respectivos acionistas em situações especiais previstas em lei. Nesse sentido, sobressai o direito de retirada ou recesso, assegurado aos acionistas nos estreitos limites do artigo 137 da Lei 6.404/76. A saída ou desligamento voluntário do acionista com o reembolso das respectivas ações (artigo 45 da LSA) cinge-se, portanto, às hipóteses listadas no referido dispositivo legal (artigo 137), construído em harmonia com os princípios da preservação da empresa e da integridade do capital social perfilhados pelo legislador.
A exclusão do sócio (decorrente da venda forçada das ações), por sua vez, somente é pacífica quando amparada por norma legal, como ocorre na hipótese regulada pelos artigos 106 e 107 da referida lei, ou seja, sempre que o acionista não integralizar as ações subscritas na constituição ou aumento de capital (acionista remisso).
Por isso mesmo, noutras hipóteses de descumprimento de obrigação legal ou estatutária, a teor do art. 120 da LSA, por decisão da assembleia geral, se imporá aos acionistas, no máximo, a suspensão dos seus direitos sociais.
Normalmente, portanto, no âmbito das sociedades por ações, restringe-se a dissolução parcial, em princípio, às hipóteses específicas de retirada voluntária ou não do acionista dissidente previstas em lei.
Como se pode ver, se, de um lado, nas sociedades limitadas a exclusão ou retirada dos sócios por mera notificação têm amparo legal, por outro, no âmbito das sociedades por ações, por força da lei, não há margem para flexibilizar a questão da dissolução parcial além dos limites delineados pela doutrina e jurisprudência, que tendem, efetivamente, ao longo dos anos, em situações extremas, em que a permanência do sócio coloca em risco a própria sobrevivência da sociedade anônima familiar, adotar como alternativa a dissolução parcial da sociedade. Por tudo isso, a dissolução parcial da sociedade anônima dispõe de minúscula possibilidade para prosperar.
Ao amparo do artigo 206, II, b da Lei 6.404/76, ou seja, “quando provado que não pode preencher o seu fim, em ação proposta por acionistas que representem 5%(cinco por cento) ou mais do capital social” sociedades por ações podem ser dissolvidas por decreto judicial, invocando-se, comumente, como fundamento para o pedido de dissolução da sociedade “que não pode preencher o seu fim” a incapacidade da companhia para produzir lucro. Em alguns pedidos alega-se a relação conflituosa dos sócios (quebra da afeição social), ainda que requerida por acionista detentor de percentuais ínfimos do capital social.
Nesta última hipótese, ou seja, quando o pedido do acionista minoritário tem por fundamento a quebra da afeição social, ocorrem decisões favoráveis à dissolução parcial da sociedade anônima familiar, com a retirada dos sócios dissidentes, para evitar a descontinuidade da empresa (nesse sentido, confira-se a decisão proferida pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, proferida no recurso Especial 507.490-RJ (2003/0044846-80).
Por todo o exposto, não vemos, enfim, legitimidade da norma processual para alterar o regime dissolutório consagrado pela Lei das S.A. A discussão em torno da dissolução parcial das sociedades anônimas será mantida nos estreitos limites construídos e definidos pela doutrina e jurisprudência.
Autor: Roberto Papini é advogado e sócio-coordenador da área societária da Andrade Silva Advogados.