Divulgação não autorizada de obra protegida na internet

É muito comum entre os estudiosos da propriedade intelectual o entendimento de que a divulgação não autorizada de obra protegida por direito autoral na internet consistiria numa violação ao direito patrimonial de reprodução. Sem dúvida, o caso implica em ato ilícito resultante de violação a direito patrimonial, mas não exatamente o de reprodução.

A Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) protege as criações do espírito, “expressas por qualquer meio” ou “fixadas em qualquer suporte” (art. 7º).

Os direitos autorais, sob a perspectiva de seu titular, dividem-se em morais e patrimoniais. Os primeiros estão associados à personalidade do autor, tais como os direitos à paternidade e à integridade da obra (art. 24). Já os últimos permitem o aproveitamento da obra como direito real, com ou sem fins lucrativos, abrangendo os direitos de utilização, fruição e disposição (arts. 28 e 29).

Os direitos patrimoniais de utilização, que são os que interessam ao presente estudo, subdividem-se em três espécies: comunicação ao público, distribuição e reprodução. A comunicação ao público é a divulgação de obra “expressa por qualquer meio”; a distribuição é sua divulgação “fixada em qualquer suporte”; a reprodução é a fixação, em qualquer suporte, de obra já expressa ou fixada. Portanto, as duas primeiras são formas de divulgação (publicação) da obra, enquanto a reprodução é a fixação da obra num suporte.

A comunicação ao público (art. 5º, V) pode se dar por meio de representação pública, que consiste na interpretação da obra (v.g., encenação de obra literária), ou de execução pública, que é a utilização de composições musicais (execução de música). Como dito, a comunicação pode ocorrer “por qualquer meio”. Uma música, por exemplo, pode ser executada em locais de freqüência coletiva (bares, lojas, teatros, cinemas etc.) por uma banda ao vivo, mas também por um aparelho tocando um CD ou DVD. A execução pública da mesma música pode ocorrer ainda por meio de uma transmissão até onde está o público – os meios de transmissão são os mais variados, sendo o mais comum a radiodifusão, por ondas eletromagnéticas, como é o caso do rádio e da televisão aberta e por satélite.

A distribuição (art. 5º, IV) consiste na disponibilização da obra fixada “em qualquer suporte”, mediante transferência da posse. São exemplos: venda, aluguel ou empréstimo do CD contendo a mesma música acima mencionada.

A reprodução (art. 5º, VI) é a fixação, temporária ou permanente, da obra em um suporte. Ocorre, no exemplo citado, quando a música é gravada num CD (ou DVD, disco rígido, disquete, pendrive, celular), ou ainda quando a letra da música é impressa numa revista ou é fotocopiada.

Resumidamente, temos que a comunicação ao público significa tornar a obra perceptível aos sentidos humanos; a reprodução, fixar a obra num suporte; a distribuição, transferir fisicamente a posse de um suporte que contém a obra.

Pergunta-se: em qual desses conceitos pode ser classificada a ação de disponibilizar uma obra na internet? Exemplificando: qual seria a conduta de quem coloca num site um arquivo contendo um texto sem autorização do titular?

Muitos autores entendem se tratar de uma reprodução não autorizada, por analogia com a publicação desse mesmo texto em um livro.

A confusão é agravada pela redação ambígua do art. 7º da LDA, que fala em suportes tangíveis e intangíveis. Tangível é a qualidade do que se pode pegar, tocar, apalpar. Segundo os defensores da mencionada corrente, a internet seria um “suporte intangível”, por não ser perceptível ao tato, e a reprodução num livro e a “reprodução na internet” se diferenciariam pelo fato de ser o suporte tangível apenas no primeiro caso.

Contudo, tal equiparação afigura-se incorreta – é o que esclarece o autor português José de Oliveira Ascensão. Na verdade, todo suporte é tangível (perceptível ao sentido do tato), como, aliás, diz o art. 5º, VI. Por outro lado, as obras fixadas em suporte podem ser sensíveis (perceptíveis aos sentidos) direta ou indiretamente.

Um livro é um suporte, um disco rígido é um suporte. As informações contidas no livro são diretamente perceptíveis aos sentidos humanos – no caso, sensíveis à visão. Já os dados existentes no disco rígido somente podem ser percebidos indiretamente – mediante a utilização de um computador que os interprete e os torne compreensíveis aos nossos órgãos do sentido. Igualmente, um CD também é um suporte, mas é necessário um aparelho para se ouvir as músicas nele contidas.

Assim, a internet não é um suporte, assim como também não o são as ondas sonoras e eletromagnéticas – tratam-se apenas de meios de comunicação ao público. Ou seja, a disponibilização de obra em rede pública informatizada, como a internet, equivale à sua divulgação na televisão (comunicação ao público), e não à sua fixação em um livro (reprodução).

É verdade que existe, sim, uma reprodução no momento em que a obra é fixada no disco rígido do computador que distribui as informações pela rede, chamado servidor. Na outra ponta, o usuário que acessa a página web que contém a obra também pode armazená-lo em suporte, salvando o arquivo (reprodução voluntária em disco rígido, disquete, CD, pendrive etc.) ou o imprimindo (reprodução em papel). Mas a transmissão, desde o servidor que armazena uma cópia da informação até o receptor que visualiza a obra em seu monitor, não é uma reprodução, mas uma comunicação ao público.

Esclareça-se ainda que as cópias armazenadas em cache (arquivos temporários), embora se caracterizem como reproduções, não ofendem direitos autorais, em virtude de sua finalidade meramente instrumental, como já explicitam normas dos EUA e da Europa.

A errônea caracterização da divulgação na internet como reprodução pode gerar dificuldades no entendimento de situações práticas. Existem processos judiciais nos quais o titular de direito autoral postula a condenação do contrafator que publicou sua obra na internet nas sanções aplicáveis à edição não autorizada (art. 103 da LDA). O termo “edição” abrange a reprodução e a distribuição de uma obra (art. 53). A sanção civil prevista para a hipótese é a apreensão dos exemplares, além de indenização correspondente ao valor dos exemplares que foram vendidos – não se sabendo quantos, considera-se a soma do preço dos apreendidos mais três mil exemplares. Ocorre que, no caso da divulgação pela internet, não existem propriamente “exemplares” que possam ser apreendidos e a obra muitas vezes é disponibilizada para acesso gratuito. Sendo assim, o montante da indenização geralmente resultaria num redondo zero.

Considerando que se trata, na verdade, de comunicação ao público não autorizada, a regra correta para o caso é o art. 105 da LDA, o qual estipula, como sanções civis, a suspensão da divulgação, sob pena de multa diária por descumprimento, sem prejuízo das demais indenizações cabíveis. Destarte, a correta classificação da divulgação na internet como comunicação ao público atende melhor aos interesses do titular dos direitos autorais, uma vez que assim serão aplicáveis sanções e instrumentos processuais mais adequados.

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Paulo Gustavo Sampaio Andrade
advogado em Teresina (PI), especialista em Direito Constitucional pela Escola Superior de Advocacia do Piauí

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Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
ANDRADE, Paulo Gustavo Sampaio. Divulgação não autorizada de obra protegida na internet . Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1568, 17 out. 2007. Disponível em: . Acesso em: 17 out. 2007.

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