DO CRITÉRIO DA AUTORIDADE COMPETENTE NA AVERBAÇÃO DA RESERVA LEGAL

RODRIGO ANDREOTTI MUSETTI

I-) INTRODUÇAO.
A exploração de florestas de domínio privado (não sujeitas ao regime de utilização limitada e não consideradas de preservação permanente) só será suscetível, se averbada a Reserva Legal (RL).
A RL deverá ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento da área. Na RL não é permitido o corte raso.
Dispõe o Código Florestal (Lei 4.771/65, já alterada pela Lei 7.803/89):
” Art. 16 – As florestas de domínio privado, não sujeitas ao regime de utilização limitada e ressalvadas as de preservação permanente, previstas nos artigos 2o e 3o desta Lei, são suscetíveis de exploração, obedecidas as seguintes restrições:
a. nas regiões Leste Meridional, Sul e Centro-Oeste, esta na parte sul, as derrubadas de florestas nativas, primitivas ou regeneradas, só serão permitidas desde que seja, em qualquer caso, respeitado o limite mínimo de 20% da área de cada propriedade com cobertura arbórea localizada, a critério da autoridade competente;…
§1o Nas propriedades rurais, compreendidas na alínea “a” deste artigo, com área entre 20 e 50 hectares, computar-se-ão, para efeito de fixação de limite percentual, além da cobertura florestal de qualquer natureza, os maciços de porte arbóreo, sejam frutíferos, ornamentais ou industriais.
§2o A reserva legal, assim entendida a área de, no mínimo, 20% de cada propriedade, onde não é permitido o corte raso, deverá ser averbada à margem de inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóvel competente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento da área….” (grifo nosso)

II-) A RESERVA FLORESTAL LEGAL.
Questões de grande interesse emergem do exercício do Direito Ambiental. Quem é a autoridade competente para autorizar a exploração de florestas de domínio privado de que trata o art. 16 do Código Florestal?!
A autoridade federal competente é o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis – IBAMA.
Entretanto, no Estado de São Paulo é o Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais – DEPRN- a autoridade competente para autorizar a exploração e para especificar qual a área a ser averbada como Reserva Legal.
Se é o DEPRN que vai autorizar a exploração da floresta de domínio privado, estando averbada a Reserva Legal, qual é o critério utilizado na especificação da área a ser averbada?!
Para melhor compreendermos a questão faz-se necessário lembrarmos o conceito de Poder Discricionário:
“…é o que o Direito concede à Administração, de modo explícito ou implícito, para a prática de atos administrativos com liberdade na escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo.”
O DEPRN deve escolher o local da propriedade de domínio privado onde ocorrerá a averbação da Reserva Legal de , no mínimo, 20% de toda área. É o Poder Discricionário que permite esta escolha.
Entretanto, não se trata de uma escolha ilegal. O DEPRN não pode escolher áreas de pequeno valor ambiental para que sejam averbadas como Reservas Legais. Se assim o fizer, estará transformando seu poder discricionário em poder arbitrário, indo de encontro ao Código Florestal e à própria Constituição Federal (art. 225). Se um Homem pular de um edifício na intenção de voar, certamente morrerá com múltiplas fraturas e hemorragias. Isto significa que, embora seja livre, o Homem está limitado por sua natureza humana (Lei natural). Assim é com a discricionariedade da autoridade competente para especificar o local a ser averbado como Reserva Legal, poderá especificá-lo, porém, dentro dos limites da Lei e do Direito.
Como bem observa o mestre Hely Lopes Meirelles:
“Discricionariedade é liberdade de ação administrativa, dentro dos limites permitidos em lei; arbítrio é ação contrária ou excedente da lei. Ato discricionário, quando autorizado pelo Direito, é legal e válido; ato arbitrário é sempre ilegítimo e inválido.”
“O ato discricionário praticado por autoridade incompetente, ou realizado por forma diversa da prescrita em lei, ou informado de finalidade estranha ao interesse público, é ilegítimo e nulo.”
A Lei (alínea “a” do art. 16 do Cód. Florestal) determina que o local a ser escolhido para a averbação como Reserva Legal ficará a critério do DEPRN e, no mínimo, deverá conter cobertura arbórea localizada. Isto significa que a área de no mínimo 20% da propriedade de domínio privado (exceto as sujeitas ao regime de utilização limitada e as de preservação permanente) que deverá ser averbada como Reserva Legal, deverá também, ter cobertura arbórea localizada (no mínimo). As florestas sob o regime de utilização limitada são as situadas em áreas de inclinação entre 25 a 45 graus, onde só é permitida a extração de toras, quando em regime de utilização racional, que vise a rendimentos permanentes (art. 10 do Cód. Florestal).
Se o DEPRN especificar para averbação 20% de uma área de vegetação rasteira, sem ocorrência de árvores e arbustos e, na mesma propriedade, existir áreas de campo cerrado, estará incorrendo em exercício de poder arbitrário, contrariando a Constituição Federal (art.225) e o Cód. Florestal. Haverá ilegalidade, por desvio de poder ou de finalidade, podendo ser reconhecido e declarado pelo próprio DEPRN ou, caso não se digne de reconhecê-lo, pelo Poder Judiciário.
Existe, portanto, um critério e, mais que isto, existe um critério legal a ser observado. Onde há critério, a liberdade de ação deve ser determinada por ele, caso contrário, não seria um critério, mas sim, uma sugestão!
” Mesmo quanto aos elementos discricionários do ato há limitações, impostas pelos princípios gerais do direito e pelas regras da boa administração, que, em última análise, são preceitos de moralidade administrativa.” 5
A interpretação sistemática6, lógica7 e histórica8 da Constituição Federal, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n° 6.938/1981), da Lei de Proteção à Fauna (Lei n° 7.653/1988) e, especialmente, do Código Florestal, nos apresenta a diretriz desse critério legal, qual seja, proteger, preservar e conservar a maior variabilidade ambiental existente no território nacional, patrimônio ambiental nacional (para não digitar – mundial) de imenso valor ambiental, paisagístico, histórico, educativo, turístico e cultural.
É evidente e lógico que, se o DEPRN especificar para averbação uma área, dentro da propriedade privada, de pequeno valor ambiental, quer dizer, de menor diversidade biológica, em detrimento de outra área, na mesma propriedade, com maior diversidade biológica, estará buscando qualquer objetivo, porém, não o da legislação ambiental brasileira. Além de não estar obedecendo os princípios gerais do Direito e as regras da boa administração.
Em especificando uma área de menor diversidade biológica para fins de averbação, em detrimento de outra com maior diversidade biológica, no interior da mesma propriedade, o DEPRN estará praticando ato ilegal passível de anulação pelo próprio DEPRN ou, caso não o faça, pelo Poder Judiciário.
Não é relevante o fato de uma mesma pessoa, física ou jurídica, ter mais de uma propriedade. A RL será averbada em cada propriedade, ainda que contíguas (art. 16, “a”, e art. 44, “caput”, do Cód. Florestal). Cada propriedade terá a sua respectiva Reserva Legal.
Considerada nula a especificação da área averbada, seus efeitos operam-se ex tunc, ou seja, todos os atos praticados não terão nenhum efeito; novo local deverá ser escolhido e averbado como RL, obviamente, o local de maior diversidade biológica.
Todos os legitimados para a Ação Civil Pública (Ministério Público, União, Estados, Municípios, autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista ou associações) e para a Ação Popular (qualquer cidadão, ou seja, eleitor que se encontrar no gozo de seus direitos políticos) podem, aliás, devem (dever constitucional contido no art. 225, “caput”, da Constituição Federal) provocar o Judiciário com o objetivo de anular a especificação da Reserva Legal em local, dentro da mesma propriedade, de menor diversidade biológica.
Tamanha é a preocupação do ordenamento jurídico ambiental em preservar, conservar e proteger a diversidade biológica que, o parágrafo 1o do art. 16 do Cód. Florestal, dispõe que serão também computados na fixação do percentual da RL, além da cobertura florestal de qualquer natureza, os maciços de porte arbóreo, sejam frutíferos, ornamentais ou industriais. Isto significa que, na falta de cobertura vegetal mais rica, até os maciços de porte arbóreo frutíferos, ornamentais ou industriais, serão computados na percentagem da Reserva Legal.
A propósito, as áreas de preservação permanente não podem ser incluídas no cômputo da percentagem da Reserva Legal; é o que dispõe a lei no “caput” do artigo 16 do Código Florestal. E se não bastasse esta explícita vedação legal, as áreas de preservação permanentes (sejam do art. 2o ou 3o) já estão legalmente protegidas e delimitadas. É claro que a proteção legal dispensada às Reservas Legais é muito diferente da dispensada às áreas de preservação permanente. Contudo, na prática, quase sempre as áreas a serem averbadas como Reservas Legais, englobam áreas de preservação permanente. Tal prática parece-nos ilegal, desnecessária e contrária a hermenêutica jurídica (a interpretação deve se dar visando maior diversidade biológica).
Consoante o disposto no art. 9o do Cód. Florestal, as áreas de preservação permanentes (florestas em sentido amplo) indivisas com a Reserva Legal (floresta de regime especial), ficarão subordinadas às disposições que vigorarem para a RL, ou seja, além das restrições inerentes às áreas de preservação permanentes, estará proibida a alteração de sua destinação nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento da área.
Assim, a área de preservação permanente não necessitará de ser incluída na RL, visto que, na verdade, já está sujeita ao regime especial da Reserva Legal. Trata-se de um verdadeiro bis in idem ambiental. Deste modo, o ganho ambiental na averbação da RL será maior, já que sobrarão mais áreas a serem inclusas no cômputo da Reserva Legal.
No Estado de São Paulo, recentemente, a Lei N° 9.989, de 22/05/98, tornou obrigatória a recomposição florestal, pelos proprietários, das áreas de preservação permanente (art.1°, de I a V e §1° e 2°).
Quanto à obrigatoriedade da averbação da Reserva Legal podemos afirmar que, em sendo verificado o propósito de exploração da floresta de domínio privado, seu proprietário deverá averbá-la. Se iniciar a exploração sem a área de Reserva Legal devidamente averbada, ainda que de fato ela exista, toda atividade exploratória será ilícita.
A averbação da Reserva Legal é condição legal para o exercício de direito a exploração. Se inexistente a RL, a condição legal para a exploração estará ausente, devendo seu proprietário ser responsabilizado pela recuperação do que foi extraído, ainda que possa existir no imóvel área de floresta superior ao limite percentual previsto em lei.10
A Reserva Legal deverá ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente( art. 16, § 2o e art. 44, parágrafo único, do Código Florestal).
Considerando-se que as florestas são bens de interesse comum a todos os habitantes do país (art. 1o do Código em apreço), que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, “caput”, da Constituição Federal) e as disposições contidas na Lei de Registros Públicos (art. 217 da Lei 6.015 de 31 de dezembro de 1973), qualquer pessoa poderá, ou melhor, deverá (dever constitucional) provocar a averbação da Reserva Legal. Como muito bem salienta o Mestre em Direito Ambiental Paulo Affonso Leme Machado11:
” Independente de ser ou não proprietário da propriedade rural, qualquer pessoa, e, portanto, o Ministério Público e as Associações poderão promover o registro e a averbação, incumbindo-lhes as despesas respectivas ( art. 217 mencionado ) e desde que ofereçam elementos fáticos e documentais”.
A partir de 18 de janeiro de 1991, com a promulgação da Lei de Política Agrícola (Lei 8.171 de 17 de janeiro de 1991), a recomposição florestal da área da Reserva Legal que, por qualquer motivo, estiver sem cobertura arbórea, tornou-se obrigatória devendo ser utilizadas espécies nativas em sua recomposição (art. 19, parágrafo único da Lei 4.771/65, com a redação dada pelo art. 19 da Lei 7.803/89).
É importante ressaltarmos que as entidades paraestatais12 de direito privado são obrigadas, também, a constituir e conservar a Reserva Legal.13
Por fim, outra questão interessante é se a RL pode ser transferida para outro local dentro da mesma propriedade?!
Pelos mesmos motivos supra-referidos, parece-nos que sim; entretanto, desde que a nova área seja mais rica em sua diversidade biológica. Como vimos, caso exista, dentro da mesma propriedade, outro local mais rico em diversidade biológica, que não o averbado, isto implica, necessariamente, em ato ilegal passível de ser anulado.
III-) CONCLUSÃO.
O Poder Judiciário deverá reconhecer o princípio “in dubio pro ambiente” e aplicar os princípios da Obrigatoriedade da Intervenção Estatal (a fim de melhorar a qualidade do meio ambiente) e do Desenvolvimento Sustentado (a fim de garantir melhor diversidade biológica).14 Averbando-se o local de melhor diversidade biológica, o ambiente será melhor conservado, preservado e protegido para a presente e futuras gerações.
A sociedade, juntamente com o Ministério Público, devem ficar atentos para a correta aplicação da lei, só assim garantiremos um meio ambiente mais favorável à presente e futuras gerações; efetivemos nossa cidadania integralmente.

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