Sumário: Introdução; I – Da Supremacia Constitucional e a Cobrança de Tributos; II – Do Conceito Constitucional de Renda e Proventos de Qualquer Natureza; III -Do Imposto de Renda Retido pela Fonte Pagadora de Prêmios em Dinheiro; IV – Da Retenção do Imposto de Renda pela Fonte Pagadora de Prêmios em Dinheiro no Exercício de Atividades Ilícitas; Comentários Finais; Principais Referências Bibliográficas.
Palavras-chaves: Imposto de Renda Retido na Fonte; Prêmios em Dinheiro; Atividades Ilícitas; Renda e Proventos de Qualquer Natureza.
Introdução
O presente artigo é uma reformulação de um parecer elaborado por este autor, em resposta a uma consulta referente ao dever de retenção e repasse ao Fisco do imposto de renda sobre prêmios distribuídos em dinheiro pelos administradores dos sorteios. Considerando a função do advogado como um esclarecedor dos enigmas jurídicos, este texto, apesar de técnico, tende a não utilizar termos desconhecidos do público em geral.
Segundo as premissas apontadas no texto, tentamos analisar a norma de Retenção pela Fonte do Imposto de Renda, e a sua exclusividade como forma de recolhimento (IRRF-exclusivo) e definidor do critério temporal de incidência desse imposto (IR), conforme apresentado pelo art. 676, I, do Decreto n. 3000/1999, que determina a incidência do imposto de renda, à alíquota de 30%, exclusivamente na fonte sobre os lucros decorrentes de prêmio obtidos em sorteios de qualquer espécie.
Outro aspecto importante é a apresentação dos posicionamentos diversos dos nossos. Logo, em quase todos os pontos analisados, há a notícia de posições e tendências diversas, como forma de travar um diálogo. Dessa forma, mesmo com a especificidade do tema, foram trabalhados conceitos gerais, que permitem-nos meditar sobre o método arrecadatório adotado no Imposto de Renda Retido na Fonte.
Dividimos o trabalho em quatro partes principais: Da Supremacia Constitucional e a Cobrança de Tributos; Do Conceito Constitucional de Renda e Proventos de Qualquer Natureza; Do Imposto de Renda Retido pela Fonte Pagadora de Prêmios em Dinheiro; Da Retenção do Imposto de Renda pela Fonte Pagadora de Prêmios em Dinheiro no Exercício de Atividades Ilícitas.
I – Da Supremacia Constitucional e a Cobrança de Tributos
A Constituição Federal de 1988 deve ser colocada como a base fundamental de todo sistema legal brasileiro. Em seu texto, encontramos as regras básicas a serem seguidas pelo legislador infraconstitucional (ordinário e complementar), pela Administração Pública, pelos cidadãos e suas instituições. Nesse diploma, também, estão as limitações, conteúdos normativos básicos, as definições do espaço de atuação tributária dos entes políticos, bem como as normas de cumprimento mínimo a serem obedecidas para cobrança dos créditos fiscais. Em suma, se a União, os Estados ou os Município, instituírem uma cobrança desconforme à Constituição, ela deverá ser declarada inválida e passível de descumprimento. Todavia, tal descumprimento deverá ser validado por uma decisão judicial, ou administrativa, que reconheça a inconstitucionalidade ou ilegalidade da cobrança e que atinja o contribuinte ou responsáveis específicos.
Isso se segue quanto às leis infraconstitucionais (ordinárias ou complementares) e aos regulamentos (decretos, portarias, circulares, instruções normativas, e outros, editados pelos diversos órgãos da Administração Pública), sendo aquelas hierarquicamente superiores a estas. Com isso, os regulamentos administrativos não podem deturpar os sentidos e os conteúdos das definições legais. Essa assertiva torna-se mais grave ainda no Direito Tributário, pelo motivo de ser regido pelo princípio constitucional da estrita legalidade (art. 150, III, a, da CF/1988), que somente permite a cobrança de tributos que sejam instituídos por lei (ordinária ou complementar, conforme o caso). Caso um tributo seja instituído fora dos padrões e definições estabelecidos pela Constituição Federal e/ou cobrado fora do determinado e instituído em lei, a sua cobrança será indevida por vício de inconstitucionalidade ou ilegalidade.
II – Do Conceito Constitucional de Renda e Proventos de Qualquer Natureza
Para a presente análise, devemos tomar como premissa o conceito do evento sobre o qual a Constituição Federal autorizou a incidência do imposto sobre a renda, obtendo a hipótese constitucional autorizada pelo diploma supremo.
O artigo 153, III, da CF/1998, autorizou a União instituir imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. O conteúdo dessa expressão não pode ser alterado pela legislação infraconstitucional para o mero conforto arrecadatório, essa somente poderá definir suas especificidades e esclarecê-lo, sem, contudo, alargá-lo além dos limites constitucionais e semânticos. Não pode a lei ou regulamento indicar que o imposto sobre a renda possa ter como hipótese de incidência o faturamento, a receita, a movimentação financeira, a circulação de mercadorias, a transmissão de bens, e outras expressões que representam eventos de magnitude econômica e de naturezas totalmente diversas. Por esse raciocínio, aliado ao posto pela própria Constituição, abalizado pela doutrina e jurisprudência, podemos buscar o conceito constitucional de renda e proventos de qualquer natureza. Tal conceito não é encontrado em um único dispositivo, mas provém da construção originada do próprio sentido meta-jurídico de renda, alicerçado pelos princípios a serem obedecidos por esse imposto (generalidade, universalidade e proporcionalidade, art. 153, §3o, da CF/1988), bem como pela exclusão semântica presente na diferenciação do conceito de renda de outros fatos econômicos sobre os quais a Constituição autorizou a imposição tributária (faturamento, receita, salário, etc.), conforme exaustivamente explanado pelo professor José Artur Lima Gonçalves (p. 174-190).
Assim, renda e proventos de qualquer natureza não são nada mais do que acréscimos patrimoniais ocorridos por mutações dos direitos e bens do contribuinte, que, ao final de um certo período, o configura como um saldo positivo. Ou seja, não basta alterar/mudar/trocar elementos patrimoniais, após o determinado lapso temporal, o patrimônio da pessoa deverá estar em situação superior (saldo positivo) em comparação ao momento anterior, configurando-se riqueza nova, ou renda.
Seguindo o plano acima, o imposto sobre a renda da pessoa física autorizado constitucionalmente somente poderá ser cobrado sobre o seu acréscimo patrimonial auferido em um certo período razoável. [1]
Ainda, a tal conceito acrescenta-se uma condição esclarecida na legislação complementar (art. 43, do CTN), em que a renda somente poderá ser considerada acréscimo patrimonial quando o contribuinte obtiver disponibilidade jurídica ou econômica sobre ela. Quando houver a posse física e efetiva do numerário que acresce o patrimônio (disponibilidade econômica) ou quanto houver a posse do direito à renda, já integrando o patrimônio jurídico do contribuinte (disponibilidade jurídica). (MURGEL e CARVALHO, p. 29)
Depois de verificado, qual é o conceito de renda, é de bom alvitre rememorarmos o ensinamento do professor Geraldo Ataliba, de que do conceito básico-constitucional tributo extraímos todos os elementos que devem formar a hipótese de incidência tributária.
III – Do Imposto de Renda Retido pela Fonte Pagadora de Prêmios em Dinheiro
Posição do Autor
Quanto à responsabilidade da fonte pagadora em reter e repassar ao Fisco o valor do imposto sobre a renda do beneficiário, a priori, não há impedimentos para que tal procedimento arrecadatório seja instituído. Ele se constitui em uma regra de responsabilidade pelo recolhimento a uma pessoa que, apesar de não ser o titular do acréscimo patrimonial, está intimamente ligado a ele. Ou seja, quando o jogador de bingo, loterias, sorteios, é agraciado pela sorte ou raciocínio e é beneficiado com um prêmio, existe um potencial acréscimo patrimonial passível de ser tributado. Conforme o art. 14, da Lei 4.506/1964, ficam sujeitos ao imposto de 30% (trinta por cento), mediante desconto na fonte pagadora, os lucros decorrentes de prêmios em dinheiro obtidos em loterias, mesmo as de finalidade assistencial, inclusive as exploradas diretamente pelo Estado, concursos desportivos em geral, compreendidos os de turfe e sorteios de qualquer espécie.
Contudo, em uma linguagem mais atual e de consolidação do disposto em lei, o Regulamento do Imposto de Renda de 1999 (Dec. 3000/1999), em seu art. 676, I, esclareceu que estão sujeitos à incidência do imposto de renda, à alíquota de 30%, exclusivamente na fonte (I) os lucros decorrentes de prêmio obtidos em sorteios de qualquer espécie. Por interpretação desse dois textos legais citados, a Decisão Cosit n. 2, de 2000, e o Parecer Cosit n. 30, de 2001 (Secretaria da Receita Federal) também concluíram que os prêmios em dinheiro, distribuídos por intermédio de jogos de bingo sujeitam-se à incidência do imposto exclusivamente na fonte. Tal exclusividade é referente quanto a ser a entrega do prêmio o único momento de incidência do IR e a retenção/repasse a sua única forma de recolhimento, impossibilitando o contribuinte (beneficiário) em utilizar o valor retido sobre tal rendimento proveniente do sorteio para dedução na declaração anual de ajuste do IR. Ou seja, o imposto não incide sobre o acréscimo patrimonial efetivo verificado em um espaço de tempo, mas presumido em um único microssegundo, e a retenção não é feita a título de antecipação do pagamento do imposto, mas a título de pagamento definitivo, ao contrário da retenção do IR na fonte de créditos trabalhistas. Isso traz, também, a transferência completa de responsabilidade pelo pagamento do tributo para a fonte pagadora, desonerando o contribuinte pelo pagamento do tributo caso a fonte não o retenha e/ou não o repasse para União.
Relembrando o ponto item anterior, extraímos do conceito de renda que a hipótese incidência autorizada será efetivada pelo resultado positivo de entradas e saídas de riqueza em um certo período. Destarte, cremos na invalidade do disposto no art. 676, I, do RIIR/1999, pelos seguintes motivos: (a) a lei na qual se baseia o regulamento e as demais declarações administrativas não autoriza que o recolhimento seja feito unicamente pela fonte; (b) essa exclusividade na forma de tributação contraria o conceito constitucional de renda (acréscimo patrimonial auferindo em um certo período), pois não permite que o contribuinte, ao final do exercício, utilize o valor retido na declaração de ajuste para compensar com o devido por incidência do IR sobre outras parcelas de sua renda, ou seja, não incide sobre o patrimônio acrescido (que somente pode ser apurado após um período razoável); (c) também, substitui a hipótese de incidência e o real contribuinte, pois a primeira passa a ser pagar valores a alguém, em vez de auferir renda, e o segundo é quem paga os valores, em vez de ser quem aufere renda. O primeiro motivo (a) é uma afronta ao princípio constitucional da estrita legalidade, pois inexiste de lei stricto sensu que institua a tributação do IR unicamente na fonte e de exclusiva responsabilidade desta. Os dois últimos (b e c) não obedecerem aos parâmetros constitucionais (BARRETO, p. 72) do respeito capacidade contributiva e a correspondência com a hipótese de incidência autorizada constitucionalmente, ou seja, criou-se um tributo novo sem o devido respeito aos procedimentos definidos pela Constituição (art. 154, da CF/1988) e sem sua autorização. Em suma, tudo isso redunda, novamente, em afronta ao princípio da estrita legalidade.
Contudo, não podemos afirmar que a norma ordenadora de retenção do imposto de renda pela fonte pagadora seja inconstitucional, pois ela está autorizada expressamente na legislação complementar (art. 45, do Código Tributário Nacional – CTN), porém ela não poderá ser posta como a única forma prevista de recolhimento do imposto de renda devido pelo contribuinte (beneficiário). O Código Tributário Nacional, em seu art. 121, define que o sujeito passivo das obrigações tributárias pode ser de dois tipos: (I) o contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; e (II) o responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei. Por esse texto é possível que, via a exclusividade em voga, tenhamos a substituição do contribuinte pelo responsável, eximindo aquele de qualquer dever direto com a Administração Pública. Mesmo assim, em todos os caso de responsabilidade (exclusiva ou não), ela somente poderá ser exigida quando expressa em lei, em sentido estrito, e quando o conceito constitucional do evento (sentido e amplitude) a comporte.
Ao nosso ver, os dois pré-requisitos, para que possa ser constitucional a tributação pelo imposto de renda sobre o prêmio em dinheiro única e exclusivamente na fonte, não foram atendidos. Não há previsão legal expressa, bem como a hipótese de incidência do tributo autorizada constitucional não comporta tal forma exclusiva de arrecadação. Isso é, a responsabilização da fonte pagadora é possível, somente sendo a retenção e o repasse antecipação do pagamento do imposto que será apurado na declaração de ajuste. A responsabilização única e exclusiva da fonte pagadora pelo pagamento do imposto de renda é inválida, pois torna a retenção e o repasse em pagamento definitivo, o que impede a apuração efetiva da renda do contribuinte no exercício, fazendo o IR incidir sobre a receita e não sobre o acréscimo patrimonial do contribuinte.
Na prática, esse raciocínio leva-nos às seguintes conclusões: (a) a fonte pagadora de prêmios em dinheiro pode ser obrigada a reter e repassar ao Fisco o imposto de renda incidente sobre o valor devido ao beneficiário; (b) caso não retenha e não repasse ao Fisco, a fonte poderá ser responsabilizada pelo pagamento do tributo e sanções pelo atraso, porém não impede que o beneficiário recolha, podendo, assim, a fonte ser somente responsável e penalizada pela desobediência à ordem legal, mas não pelo valor recolhido pelo beneficiário em sua declaração de ajuste; (c) caso retenha e não repasse ao Fisco, a fonte pagadora será obrigada exclusivamente pelo pagamento do valor da retenção, juros e multas pelo atraso, bem como poderá ser criminalmente responsabilizada por apropriação indébita (art. 168, do Código Penal, e art. 2o, da Lei Federal 8.137/1990). Inclusive, sempre quando houver o recolhimento ou retenção do imposto pela fonte, o Fisco deverá aceitar a dedução desse valor no total devido pelo beneficiário apurado na sua declaração anual de ajuste do IR. Em uma interpretação pragmática, o Conselho de Contribuintes, já declarou que, até 25 de outubro de 1999 (data de publicação da Medida Provisória n. 1.926, que transferiu a responsabilidade para as empresas administradoras de bingo pelas obrigações tributárias referentes às receitas obtidas pela exploração desta atividade – comentários feitos a seguir), não seria válido o lançamento do IRRF contra a fonte pagadora, após o ano-base da ocorrência do fato gerador (pagamento do prêmio em dinheiro)[2], por ter se passado a responsabilidade pelo pagamento ao contribuinte em sua declaração anual de ajuste.
Essa posição exposta é apoiada por grande parte da doutrina, porém não tem recebido muita adesão na Administração Pública e nos tribunais. Somente no presente ano, é que se tem vislumbrado uma alteração do entendimento voltada para o supra exposto, conforme verificamos em algumas poucas decisões do Superior Tribunal de Justiça[3], incitadas por tese da própria Procuradoria da Fazenda Nacional. Apesar desses indicados acórdãos não se referirem à distribuição de prêmios em dinheiro, e sim quanto a créditos trabalhistas, eles demonstram uma mudança no pensamento do STJ, da linha precedente[4]. Contudo, tais discussões, ainda, terão longos caminhos a percorrer até a pacificação, pois o Supremo Tribunal Federal não apreciou a totalidade da matéria, especialmente quanto ao confronto do IRRF-exclusivo com a hipótese do imposto sobre renda autorizada pela Constituição Federal.
Posições Diversas
Seguindo o proposto inicialmente, após a apresentação de nossa posição, devemos apontar os outros principais entendimentos, que, por sinal, representam a maioria nos tribunais, especialmente, no Tribunal Regional Federal da 4a Região[5] e no Superior Tribunal de Justiça.
Basicamente, tais decisões não analisam o confronto entre a hipótese constitucional do imposto de renda e a retenção do imposto de renda na fonte. Não fazem a análise dos requisitos para a responsabilização exclusiva de terceiros pelo recolhimento do tributo: a possibilidade de compatibilização com a autorização constitucional e a determinação legal expressa dessa exclusividade. Mesmo sendo a retenção do imposto de renda pela fonte considerada uma antecipação do pagamento daquilo que será apurado e recolhido pelo contribuinte ao final ano na declaração anual de ajuste, tem-se acreditado que o responsável é o único ente com o dever recolher o tributo, e que este pode incidir independentemente da necessidade de período razoável de apuração. Tal forma de análise, inclusive, gera gravames à fonte pagadora, ampliando até a base de cálculo de imposição[6].
O fundamento dessas decisões é a necessidade da não exclusividade dever ser expressa, bem como entendem aplicável ao imposto de renda o disposto no art. 150, §7o, da CF/1988, que autoriza a substituição tributária (substituição total do contribuinte pelo responsável na relação jurídico-tributária, ainda não existente, mas previsível). No caso dos bingos permanentes ou não, acreditam que devido à locução do art. 4o, da Lei Federal 9.981/2000[7], a responsabilidade pela retenção e recolhimento do imposto de renda é exclusiva da fonte pagadora.
Acreditamos que essa tese seja até aceitável[8], mas, desde que respeitado o direito de restituição ou dedução no IR ajustado anualmente, quando não ocorresse efetivamente o evento como previsto na regra básica do imposto. Restituição prevista no próprio dispositivo inserido na Emenda Constitucional 3/1990. Em tempo, ressaltamos que, a fundamentação no art. 4o, da Lei Federal n. 9.981/2000 (resultado da conversão da Medida Provisória n. 1.926/1999), é incabível, pois o dispositivo somente transfere a responsabilidade para as empresas administradoras de bingos pelas obrigações tributárias incidentes sobre as receitas obtidas pela exploração desta atividade. Em outras palavras, a expressão obtenção de receitas é de conteúdo semântico totalmente diverso de distribuição de prêmios, o que veda a Administração Pública a estender a exclusividade pelo recolhimento do imposto a renda gerada pelos prêmios pagos por mero entendimento infralegal.
Conforme esse entendimento majoritário, teríamos as seguintes conseqüências: (a) além de responsável pela retenção e recolhimento do imposto, a fonte é a própria devedora, logo não é um dever reter, mas um direito de descontar do beneficiário, sendo uma relação meramente econômica; (b) caso ela não retenha e não repasse, indiferentemente, do recolhimento por parte do beneficiário em sua declaração de ajuste anual, a fonte pagadora é devedora do total do imposto e das sanções pelo atraso, gerando direito civil de regresso da fonte contra o beneficiário (c) caso ela retivesse e não repasse ao Fisco, o entendimento é idêntico ao já exposto anteriormente; (d) quanto à base de cálculo, caso não fosse retido e recolhido, ou somente recolhido sem ter retido, a incidência do tributo seria sobre o valor total passado ao beneficiário, isso é, o valor total acrescido daquilo que deveria ter sido retido, pois a não retenção seria considerada como aumento na renda do beneficiário (OLIVEIRA, p. 91)[9].
Porém, mesmo com esse posicionamento, os tribunais têm sido mais flexíveis quando a fonte pagadora comprova que os beneficiários recolheram o imposto de renda referente ao valor pago (OLIVEIRA, p.95), diferenciando-se apenas quanto à aplicação das multas pelo atraso, pois o recolhimento do imposto pelo beneficiário pode ser considerado como denúncia espontânea (art. 138, do CTN – somente há incidência de juros).
Devemos ressaltar que a comprovação de recolhimento por parte dos beneficiários, provavelmente, dependerá da identificação destes por parte da fonte pagadora. Principalmente, para permitir que, por ordem judicial ou administrativa, seja averiguada a declaração de retenção e o recolhimento.
IV – Da Retenção do Imposto de Renda pela Fonte Pagadora de Prêmios em Dinheiro no Exercício de Atividades Ilícitas
A incidência da norma de retenção do imposto de renda sobre prêmios em dinheiro distribuídos no exercício de atividades ilícitas toma importância principalmente pela atual situação de penumbra legal existente no caso dos bingos permanentes, criada pelas sucessivas alterações da Lei Federal n. 9.615/1998, pela Lei Federal n. 9.981/2000, pela Medida Provisória n. 2.051/2001, e, por final, pela proibição da atividade de exploração de bingo permanente externada na Medida Provisória n. 168/2003, que restou rejeitada pelo Congresso Nacional. Assim, podemos afirmar a existência de uma zona cinzenta, que ainda está sendo definida pelo Poder Judiciário. Todavia, por não ser este o tema objeto específico de nosso trabalho, não emitiremos opinião a respeito.
Outro fato a ser colocado é a natureza da norma de retenção e repasse, que pode assumir a natureza material e a instrumental, nos moldes do art. 113, do CTN. Isso porque se refere diretamente ao pagamento e extinção do crédito tributário do contribuinte (material), bem como se refere às prestações de interesse da arrecadação (instrumental) que não o mero pagamento do tributo, como antecipação, informações e garantia. Com essa natureza, no mínimo, híbrida, não se pode escusar, pela falta de autorização legal da atividade, do dever de retenção e repasse do imposto de renda sobre os prêmios pagos pela fonte pagadora. Isso em decorrência do disposto no art. 118, do CTN, ao qual é interessante citar:
Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se:
I – da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos;
II – dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.
Tal dispositivo indica que, indiferentemente da licitude do ato ou da atividade econômica, caso o evento se encaixe no que está previsto na norma de incidência tributária, o tributo deverá ser exigido dos contribuintes ou responsáveis. Ressalta-se a remição expressa ao responsável.
Contudo, por cremos na invalidade do IRRF-exclusivo, como explanado acima, somente poderia ser cobrado da fonte pagadora os valores que não foram recolhidos pelo beneficiário em ajuste anual do Imposto de Renda e os oriundos da mora e sanção por descumprimento de mandamento legal, sob pena de causar a bi-tributação do mesmo evento e locupletamento do Estado.
Nos moldes atuais, essa matéria é pouco estudada por toda doutrina e jurisprudência. Somente encontramos um acórdão do Conselho de Contribuintes que determinava a exigência da retenção e repasse do imposto sobre a renda provinda de prêmios em dinheiro pagos por uma casa de bingo não autorizada pela respectiva entidade desportiva, corroborando parcialmente com o posicionamento acima exposto.[10]
Comentários Finais
Longe de exaurimos o tema, acreditamos ter aventado os principais pontos do imposto de renda sobre prêmios pagos em dinheiro retido e recolhido exclusivamente pela fonte. Ainda, poderíamos discorrer sobre outros pontos como a dispensa de retenção e repasse do IR sobre de prêmios inferiores à R$ 11,30 (art. 676, §1o, do RIR/99), e a sua base de cálculo, mas as questões escapariam da análise comparativa do disposto em regulamento e a autorização constitucional.
Dessa forma, esperamos ter contribuído para o avanço jurídico, colocando de lado a posturas maniqueístas e aceitando o confronto de idéias.
Principais Referências Bibliográficas
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6a ed., São Paulo : Malheiros, 2000.
BARRETO, Paulo Ayres. Imposto Sobre a Renda e Preços de Transferência. Dialética, 2001.
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 17 ed., São Paulo : Malheiros, 2002.
CARVALHO, Fábio Junqueira e MURGEL, Maria Inês. IRPJ – Teoria e Prática Jurídica. 2a. ed., São Paulo : Dialética, 2001.
CARVALHO, Paulo de Barros. Saraiva : Curso de Direito Tributário. 13a. ed., São Paulo : Saraiva, 2000.
GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre a Renda: Pressupostos Constitucionais. Malheiros.
MOSQUERA, Roberto Quiroga. Renda e Proventos de Qualquer Natureza. Dialética, 2001.
PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 3a. ed., Porto Alegre :Livraria do Advogado, 2001.
OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. A sujeição passiva da fonte pagadora de rendimento, quanto ao imposto de renda devido na fonte. In Revista Dialética de Direito Tributário, n. 49.
SOUZA, Hamilton Dias de. Competência Tributária e seu Exercício: Racionalidade com Limitação ao Poder de Tributar. In: Imposto de Renda: Conceito, Princípios e Comentários (Org. MARTINS, Ives Gandra da Silva), São Paulo : Atlas, 1996.
[1] Quanto ao critério temporal, não há regras constitucionais que limitem objetivamente o legislador a determinar o intervalo temporal para a determinação da renda. Apenas podemos indicar que, conforme o próprio conceito-base constitucional de renda, dever-se-á ser definido um período razoável para a efetiva aferição da renda com o cotejamento das entradas e saídas econômicas. Como já vem observando Hamilton Dias de Souza (p. 216-227), o legislador do imposto de renda deve ser razoável na determinação de tal intervalo, para que seja possível a caracterização da renda, ou efetivo acréscimo patrimonial.
[2] Acórdão n. 104-19114, do Primeiro Conselho de Contribuintes, de 04.12.2002. Este acórdão é citado em vários outros do Conselho de Contribuintes.
[3] Recurso Especial n. 637.636-SC, Primeira Turma do STJ, Rel. Min. José Delgado, DJU 20.09.2004, e Recurso Especial n. 424.225-SC, Primeira Turma do STJ, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU 19.12.2003.
[4] O posicionamento mais corrente no STJ é no sentido de que, em qualquer caso de IRRF, há uma substituição completa do contribuinte pelo responsável, sendo somente este passível de ser cobrado pelo imposto não retido e não recolhido. Recurso Especial n. 309.913-SC, Rel. Min. Paulo Medina, 2ª Turma, DJU de 01.07.2002.
[5] Apelação Cível n. 2001.71.0001848-3 – RS, Segunda Turma do TRF da 4a Região, Rel. Juiz Vilson Darós, DJU 27.11.2002.
[6] Quanto à adoção do posicionamento de ser a fonte pagadora exclusiva responsável pelo pagamento do IR incidente sobre o prêmio em dinheiro, caso não haja a retenção do valor devido, a autoridade fiscal tenderá a considerar um aumento considerável da base de cálculo. Ou seja, ela, provavelmente, entenderá que a não retenção terá aumentado o valor do prêmio e, conseqüentemente, o valor da renda auferida pelo jogador. Assim, lançará o tributo devido sobre o valor total do prêmio somando-se ao valor que deveria ter sido retido e recolhido no momento do pagamento pela fonte.(Instruções Normativas da SRF n. 25/1996 e 15/2001)
[7] Art. 4o Na hipótese de a administração do jogo de bingo ser entregue a empresa comercial, é de exclusiva responsabilidade desta o pagamento de todos os tributos e encargos da seguridade social incidentes sobre as respectivas receitas obtidas com essa atividade.
[8] Por aceitação da constitucionalidade das Emenda Constitucional n. 03/1990, que incluiu o §7o, do art. 150, da CF/1988, conforme a interpretação do Supremo Tribunal Federal.
[9] O indicado autor esclarece que o entendimento quanto o aumento da base de cálculo é oriundo de construção da jurisprudência do Conselho de Contribuintes, porém não há indicação de qual é o fundamento legal. Também, não pode ser considerado como unânime. Ex.: Acórdãos n. CSRF/01-02257, de 15.09.1997, n. 01-1146, de 28.06.1991, n. 104-19114, de 04.12.2002, n. 102-45463 (esses dois últimos específicos da questão de jogos de bingo).
[10] EXPLORAÇÃO DE JOGOS DE BINGO SEM AUTORIZAÇÃO DE ENTIDADE DESPORTIVA. SUJEITO PASSIVO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA. A empresa que explora a atividade de sorteios em jogos de “Bingo” sem autorização de entidade desportiva é a responsável pelas obrigações tributárias inerentes a essa atividade.
DISTRIBUIÇÀO DE PRÊMIOS. JOGOS DE BINGO. Os prêmios pagos em bens e dinheiro, mediante realização de “Bingo”, sofrem tributação exclusiva na fonte; no caso de dinheiro, cabe o reajustamento da base de cálculo quando a fonte pagadora assume o ônus do imposto devido pelo beneficiário.
MULTA DE OFÍCIO – É devida a multa de ofício de 75%, quando a fonte pagadora, sujeito passivo da obrigação tributária de recolher o imposto devido exclusivamente na fonte, deixar de recolhê-lo aos cofres públicos.
JUROS MORATÓRIOS – TAXA SELIC – O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta. O percentual de juros a ser aplicado no cálculo do montante devido é o fixado no diploma legal, vigente à época do pagamento. Recurso parcialmente provido. (Acórdão n. 106-12729, do Primeiro Conselho de Contribuintes, de 10.06.2002.)
* Gustavo Vettorato
Advogado em Cuiabá e Porto Alegre, pós-graduado em Economia Agroindustrial (UFMT) e em Direito Tributário (IBET)