Ana Amelia M. B. de Castro Ferreira*
Com o crescimento da Grande Rede os nomes de domínio alcançaram importância de estrela de primeira grandeza. Exatamente por esse motivo, astutos de plantão perceberam a abertura de um novo mercado de registro de marcas, nomes de empresas e pessoas famosas que ainda não haviam providenciado seu domínio.
Fazendo um link dos tribalistas, os domínios não são de ninguém, são de todo mundo e todo mundo lhe quer bem. O princípio first come, first served, através do qual se concede ao primeiro requerente a titularidade do registro, em verdade serve mais à pirataria do que aos legítimos interessados.
Certamente pode ocorrer uma pura coincidência nominativa onde o direito marcário nesses casos aplica o princípio da especialidade, segundo o qual podem coexistir marcas com expressão homônima, desde que registradas em classes distintas de produtos e serviços.
Porém, não se pode defender a aplicação restrita deste ramo do direito, uma vez que domínios e marcas são institutos jurídicos distintos. Estamos diante de uma figura jurídica que introduziu uma nova espécie de propriedade ou direito de uso e que exige uma releitura de conceitos.
Por outro lado, a normativa brasileira sobre os domínios registrados no país não prevê qualquer mecanismo de solução extrajudicial de conflitos, a exemplo da Política Unificada para Resolução de Disputa adotada pela Icann – Corporação da Internet para a Atribuição de Nomes e Números -, e executada pelo Centro de Arbitragem e Mediação da Organização Mundial de Propriedade Intelectual.
De qualquer forma, permanece atual em nosso ordenamento jurídico a disposição segundo a qual quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
A experiência comprova que o valioso produto em que se transformou o domínio na verdade sustenta um mercado paralelo de grandes e fácies oportunidades de lucro. Convive-se com as práticas do cybersquatting – registro que visa auferir vantagem financeira -, e typosquatting – registro de domínio com grafia quase idêntica ao original.
Na verdade todas essas criativas formas de uso indevido se configuram uma moderna apropriação indébita, concorrência desleal e enriquecimento ilícito.
Através de portaria, os Ministros de Estado das Comunicações e da Ciência e Tecnologia criaram o Comitê Gestor da Internet do Brasil, com as atribuições de coordenar a atribuição de endereços IP assim como o registro de nomes de domínio. Este por sua vez, por resolução e em regime de monopólio, delegou sua competência para executar tais serviços a um órgão público estadual.
Portanto, da forma como foi concebido trata-se de um registro tipo híbrido, posto que não pode ser considerado público por não derivar de lei; e tampouco privado, tendo em vista à concessão em regime de monopólio, que fere o princípio da livre concorrência.
Uma curiosa situação se apresenta com a repetitiva tese de ilegitimidade passiva sustentada pela Fapesp em todas ações judiciais em que é chamada a integrar a lide. Isto porque se o CG, como responsável pela coordenação de endereços IP e registro de domínios no país, que não possui personalidade jurídica própria, terceirizou suas atribuições a uma fundação estadual de fomento à pesquisa que pretende a exclusão de sua responsabilidade, germina a semente da dúvida: quem então teria legitimidade para integrar o pólo passivo em demandas que envolvem registro indevido?
O procedimento para registro de domínio é totalmente on line, bastando acessar o site oficial – registro.br -, realizar a pesquisa em sua base de dados e inscrever o pedido. Ocorre que a grande maioria da população desconhece que apenas a Fapesp detém poder delegado para proceder esse registro (ao contrário dos USA que credenciam empresas privadas para atuar como órgãos de registro e fiscalizam seus serviços).
É do mais amplo conhecimento que várias empresas digitais oferecem serviços de venda, aluguel, leilões e até franchising de domínio. Em nosso país esta atividade paralela não está proibida, mas, também não é autorizada legalmente. Logo, esse mercado informal que atua sem qualquer fiscalização ou controle, poder servir como vitrine para a pirataria de domínios.
Infelizmente não são poucas as experiências negativas daqueles que buscaram esse registro por via indireta, onde tais empresas oferecem pesquisa de domínio em sua página eletrônica, utilizando-se do recurso nada ético de capturar a base de dados oficial do Registro.br.
Nessa operação o usuário digita sua idéia e toma conhecimento que o nome sugerido ainda não foi registrado. Quando resolver proceder a inscrição pode se deparar com a desagradável surpresa de constatar que o nome escolhido já foi registrado pela mesma empresa que ofereceu a pesquisa, mas que agora deseja cobrar um resgate por aquele nome.
É conveniente seguir o conselho de um amigo da área que foi vítima do golpe: não realize pesquisa de domínios que não seja diretamente no banco de dados da Fapesp.
Com o aumento da incidência de seqüestro de domínios, constatamos que assim como no ambiente off-line, criou-se uma tribo de excluídos do universo pontocom que poderia formar o MSD – Movimento dos Sem Domínio.
SIMULAÇÃO DE VÔO PARA REGISTRAR UM DOMÍNIO
Tento imaginar como seria o percurso de um cidadão ainda sem ponto para realizar o registro desse tal de domínio. A viagem foi surreal e preocupante.
Parti da premissa de que para a humanidade em geral todos os endereços são pontocom. Supondo que o companheiro tivesse ouvido falar em Comitê Gestor da Internet no Brasil, na busca em www.cgi.com.br, seria encontrada a página de cadastro geral de imóveis.
Mas, como é governo, deve ser ponto gov. Tecla www.cgi.gov.br e não nada. Tentando apenas Comitê Gestor – www.cg.com.br e www.cg.gov.br, fica igualmente perdido.
Vou resumir: ninguém encontrará esse endereço utilizando a lógica. Isto porque, ilogicamente, o Comitê Gestor está registrado ponto org, sufixo destinado para entidades não governamentais sem fins lucrativos!
Continuando a jornada, nosso internauta imaginário lembra que ouviu falar em outra tal de Fapesp e tecla www.fapesp.com.br, www.fapesp.gov.br: endereços inválidos.
Digamos que devido a um erro de digitação, encontre o endereço correto: www.fapesp.br. Irá verificar que a página da responsável pelo registro de domínios no Brasil nada informa sobre… registro de domínio. E também não indica o caminho das pedras.
Sem desânimo, começa a inventar combinações e descobre endereços eletrônicos que se utilizam da sigla da instituição pública : www.registrofapesp.com.br, www.fapesp.org, www.fapesp.net, todas empresas de registro de domínio. Com mais facilidade se encontra o clone pirata !
Confuso, resolve mudar a rota de navegação e se dirige ao indispensável Google. Bem, se não tiver conhecimento da grafia correta e digitar gugle.com.br, saberá que a página não existe. Informamos aos interessados que o endereço está sendo vendido pela módica quantia de R$ 500.
Acessa o Google e digita o argumento de pesquisa: Fapesp, entre aspas. E surgem os variados resultados:
– ganhe dinheiro montando um e-commerce em seu site!
– fapesp.org, registro de domínio no Brasil e USA
– fapesp.br ( é a original, mas lembre-se de que ali não consta nenhuma informação sobre registro de domínio)
– registro.br – bem vindo ao Registro.Br – Registro de domínios para a Internet no Brasil
– fapesp.org, registro de domínio no Brasil, pesquise e registre seu domínio em 4 passos
E se resolver procurar em “registro de domínio”, suas dúvidas aumentarão com a oferta de 99 mil outras opções . Mas nosso aspirante a e-mpresário desconhece que existe apenas uma registradora oficial. E como visto, vai continuar sem saber.
O mais estranho é constatar que foi deferido o registro de um domínio que traz a integralidade da sigla de um órgão público e que induz a erro um usuário.
Esgotado após sofrer com CG e Fapesp, como pode adivinhar que em enquanto entidade de registro, a Fapesp se autodenominou registro.br? Vai recomeçar a tortura, porque www.brdomínio.com.br e www.registro.org, também oferecem serviço de registro e hospedagem .
Vamos praticar o dever cristão de ajudar o próximo: o Registro.Br, é o dito responsável pela atividade de registro e manutenção de nomes de domínio no Brasil, pode ser localizado no endereço www.registro.br .
Mas não tem nada depois do nome e antes do ponto br ? O quê isto significa? No link da página oficial – verifique aqui todas as categorias disponíveis para registro -, que informa todos os DPNs existentes ……. não informa o ponto br.
Bem, para esclarecimento do já cansado leitor, apenas o saite do CG esclarece que o DPN .br é destinado às instituições de ensino superior e às de pesquisa, que se inscrevem diretamente sob este domínio. Ah, bom !
Singela conclusão dessa jornada nas estrelas: um semponto que não desistiu de ser pontocom por conta própria e que tenha conseguido chegar na última fase desse game, é realmente um herói e merece ser condecorado por bravura em combate !
Ana Amelia M. B. de Castro Ferreira é advogada de José de Castro Ferreira, Décio Freire & Associados e presidente da Comissão de Comunicação e Informática do Instituto dos Advogados Brasileiros