Marcelo Teixeira de Aleluia
Advogado especialista em Direito Civil pela Escola Superior de Advocacia do Rio de Janeiro.
Articulista da Revista Panorama da Justiça.
I – INTRODUÇÃO
Inicialmente se faz necessário discorrermos sobre o que é personalidade e quando esta começa para o mundo jurídico, a fim de uma melhor compreensão dos direitos que gravitam em sua órbita.
Com o suporte da doutrina de Pontes de Miranda (1970, p. 154), aprendemos que, verbis: “personalidade é o mesmo que (ter) capacidade de direito, poder ser sujeito de direito”.
Diz ainda o mestre (Op. Cit. p. 153), que: “O ser é fato jurídico: com o nascimento, o ser humano entra no mundo jurídico, como elemento do suporte fático em que o nascer é o núcleo”.
Sob os ensinamentos do doutrinador, percebemos que a norma jurídica não tem o condão de criar a personalidade, por mais que expresse tal pretensão, mas sim, determina o momento que o “ser” terá a capacidade de direito. Nesse aspecto, o nosso atual Código Civil seguiu a mesma linha do anterior quanto à questão do início da personalidade civil, consagrando a “teoria natalista”, vide a letra de seu artigo 2º, assim disposto: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro” (Grifo nosso).
Uma hermenêutica fechada do dispositivo supra nos leva a conclusão que o começo da personalidade civil é, inexoravelmente, dependente do fato do nascimento e da verificação de que se deu com vida. Na discussão doutrinaria acerca do assunto, são dissonantes da teoria natalista, as teorias concepcionista e da personalidade condicional.
O início da personalidade é uma das questões mais controversas e relevantes acerca do tema. Juristas pátrios, com respaldo de doutrina alienígena, há tempos sustentam o começo da personalidade civil anterior ao nascimento, v.g, à teoria concepcionista, que ergue a tese que o nascituro é sujeito de direitos e obrigações desde o momento de sua concepção.
A teoria a natalista se arvora no argumento que os direitos reconhecidos ao nascituro permanecem em estado potencial até que se efetive seu nascimento com vida, e ainda no respeito à literalidade do texto constante no artigo 2º do Código Civil brasileiro de 2002, no mesmo sentido do artigo 4º do Código Civil revogado.
Os filiados a teoria da personalidade condicional asseveram que o nascituro tem direitos subordinados a uma condição consistente no nascimento com vida, como conseqüência, teria assim o nascituro mera expectativa de direitos.
O fato é que a legislação pátria atribui direitos ao nascituro e, para a sua proteção, dispõe de mecanismos, v.g., a posse em nome do nascituro (artigos 877 e 878 do C.P.C.); também o ECA, Lei 8.069/90, quando em seu artigo 7º garante, ao nascituro, o nascimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
Assim sendo, o exercício dos direitos que o nosso ordenamento reconhece ao nascituro, dependerá apenas do vínculo técnico da representação legal.
Por meio de uma analise sistêmica, entendemos que nossa própria legislação atribui capacidade limitada ao nascituro e, por lógica, lhe reconhece a personalidade desde a concepção, posto que a considera, por ficção, para garantir os seus direitos.
II – DESENVOLVIMENTO
Existem duas correntes consideráveis acerca da natureza dos direitos da personalidade, uma dizendo que são inatos, ou seja, nascem com a própria pessoa, e outra no sentido de que possuem natureza positiva, existindo somente à medida que a lei os conceda.
Seguindo a linha positivista acerca dos direitos da personalidade, apoiado por doutrinadores modernos, desenvolveremos o tema fazendo um estudo da legislação pátria.
Importante consignar que antes de analisar qualquer ordenamento jurídico, recomendação saudável é a de, primeiramente, procurar o seu ápice normativo, posto que todas as normas infra terão que se orientar pela sua letra seguindo suas fontes, conseqüentemente, os direitos da personalidade trazidos pelo Novo Código Civil, têm estreita ligação com os direitos fundamentais constantes na nossa CRFB/88, principalmente nos aspectos que tocam os direitos humanos, sendo de grande importância observarmos, v.g., os artigos 1º, III; 5º, XLII, XLIII, XLVIII, XLIX, L; 34, VII, b; 226, § 7º; 227 e 230, todos da CRFB/88.
Destarte, em consulta a Carta Magna, podemos encontrar um extenso rol de direitos da personalidade, v.g., direito à vida, à honra, ao corpo, à imagem, à liberdade, à intimidade, ao estado civil, ao trabalho, a clientela, as partes do corpo, ao cadáver, produtos da pessoa (direitos autorais), segredo das correspondências, boa fama, alcunha, brasões, dentre outros.
Independente de constar na Lei Maior ou na lei material civil, segundo a doutrina pátria, representada nas linhas abaixo por J.M. Leoni (2000, p. 175), os direitos da personalidade podem ser assim definidos:
“direitos da personalidade ou personalíssimos são direitos subjetivos absolutos que possibilitam a atuação legal, isto é, uma faculdade ou um conjunto de faculdades, na defesa da própria pessoa, nos seus aspectos físico e espiritual, dentro do autorizado pelas normas e nos limites do exercício fundado na boa-fé”.
Desde 1988 firmados no topo do nosso ordenamento jurídico, os direitos da personalidade constam hoje também no novo Código Civil brasileiro, lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002, como uma novidade no diploma, posto que o Código revogado não tratava da matéria.
O novo Digesto inicia a exposição dos direitos da personalidade, no seu artigo 11, com a seguinte letra: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”.
Além dos citados no artigo, trazendo a colação lição de Milton Fernandes, Gustavo Tepedino (2001, p. 33), nos revela outras características dos direitos da personalidade, quais sejam: a generalidade, a extrapatrimonialidade, o caráter absoluto, a inalienabilidade e a imprescritibilidade.
Observamos ainda que o artigo 11 é norma geral que abre para exceções a serem verificadas dentro de um plano normativo especifico, o próprio STJ já se pronunciou, por intermédio do Enunciado nº 4 (Revista ABAMI – Direito Imobiliário – Ano 2 – n. º 7 Maio/2003, pág. 4) aprovado pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, acerca do supracitado dispositivo, no sentido de que, verbis: “o exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente nem geral“.
O enunciado explica que há hipóteses onde a pessoa poderá dispor, relativamente, de direitos da personalidade. Vislumbramos casos, v.g, de pessoas que posam nuas; que se submetem a exposição de sua vida privada; expõe-se ao ridículo por força de um contrato financeiramente vantajoso; que doam órgãos e etc.
Nessa esteira, podemos aproveitar a classificação de Bittar (1989, p. 9), nos ensinando que os direitos da personalidade são distribuídos entre direitos físicos; psíquicos e morais. A reboque, trazemos também a assertiva de De Cupis (1965, p. 25) acerca do tema em voga, verbis: “A vida, a integridade física, a liberdade, etc., constituem aquilo que nós somos”.
À luz dos mestres, entendemos o direito da personalidade como sendo uno, suportando apenas desmembramento para o atendimento dos diversos aspectos que abarca.
Sendo assim, podemos dizer que os direitos físicos tocam os componentes materiais da estrutura humana, tal como o corpo e a imagem; os psíquicos já são intrínsecos da personalidade, v.g., liberdade, intimidade, etc.; e os morais são relativos à pessoa na sociedade, consistindo na honra, manifestações do intelecto, identidade, etc.
O caput do artigo 12, que converge com os arts. 5°, LXVIII, LXIX e LXXIX, e 142, § 2° CRFB/88, e arts. 186, 402 a 405, 927, 935, 944 a 954 do N.C.C.B/2002, traz cláusula geral autorizando reclamo indenizatório por ofensa a direito da personalidade.
Curiosidade acerca do dispositivo supracitado está em seu parágrafo único, quando não legitima o companheiro a proceder na forma do caput, no caso de ofensa a direitos da personalidade de pessoas já falecidas. A norma do parágrafo único parece dissonante com o sistema jurídico atual, contudo, necessário seria uma hermenêutica construtiva bem fundamentada, para superar a literalidade do mencionado dispositivo, no sentido de não se permitir injustiças com o companheiro, na ausência de todos os legitimados.
Já o artigo 13 dispõe o seguinte: “Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.”
Vale ressaltarmos outro Enunciado do STJ, este de n.º 6, acerca do dispositivo acima transcrito, verbis: “A expressão exigência médica, contida no artigo 13, refere-se tanto ao bem-estar físico quanto ao bem estar psíquico do disponente”.
O artigo 14 é norma genérica de aplicação “post mortem” no sentido altruístico ou de caráter contributivo a ciência, sendo que, seu parágrafo único resguarda a possibilidade de revogação da vontade manifestada a qualquer tempo.
O artigo 15 trata do consentimento informado, que consiste na vedação do tratamento médico ou intervenção cirúrgica que possam resultar risco de vida, sem a autorização expressa do paciente ou de seus familiares, caso o próprio não tenha condições de se manifestar.
Os artigos 16, 17 e 18 cuidam da proteção ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome e, no artigo 19 consigna-se também a proteção ao pseudônimo.
Como bem ressaltou o mestre Caio Mário (1988, p. 155): “Elemento designativo do indivíduo e fator de sua identificação na sociedade, o nome integra a personalidade, individualiza a pessoa e indica a grosso modo a sua procedência familiar”.
Com fulcro nas linhas do saudoso mestre, podemos dizer que tais artigos trazem direitos de proteção de caráter moral da personalidade.
O artigo 20 vem protegendo os direitos à imagem, à honra, à boa fama e a respeitabilidade.
E por fim, o artigo 21, que protege a vida privada da pessoa natural, trazendo o principio da inviolabilidade. Tanto o 20 como 21, são dispositivos também tocantes ao aspecto moral da personalidade, sendo necessária à combinação com o artigo 12 para a plena aplicabilidade de tais normas.
Já no título das pessoas jurídicas, o legislador trouxe para o direito positivo o que já vinha como discussão superada na doutrina e jurisprudência, v.g., decisão que trazemos a colação:
“Os direitos de personalidade não se limitam às pessoas físicas. A honra objetiva da pessoa jurídica pode ser ofendida, por exemplo, pelo protesto indevido de título cambial; cabível, então, ação de indenização, por dano moral, sofrido por pessoa jurídica, visto que a proteção dos atributos morais da personalidade não está reservada somente às pessoas físicas, REsp n. º 60.033-2-MG-DJ de 27.11.95. (STJ, 3ª Turma, Resp. 147702/MA, Min. Waldemar Zveiter, relator, j. 21.11.1997)”
Podemos também verificar a Súmula 227 do SJT, sendo o disposta no artigo 52 à regra de se aplicar às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.
III – CONCLUSÃO
Diante do exposto, com base em boa doutrina de Capelo Sousa (1995, p. 26 a 28), podemos verificar que o direito identifica à personalidade como objeto da relação onde à pessoa é o sujeito, contudo, sabemos que o objeto só existe em confronto com o sujeito, e a personalidade é parte integrante do sujeito.
Nesse sentido, podemos dizer que os bens que, em Direito, se classificam como de “personalidade”, são partes que integram o homem em sua natureza, destarte, são considerados direitos básicos da personalidade: o corpo; a psique; a vida; a imagem; a condição de família; a liberdade; a dignidade; a identidade; a intimidade; além de outros, cuja qualificação como bens e direitos de personalidade se discute.
Apesar da doutrina e boa parte dos aplicadores do Direito há tempos já se valerem da estrutura apresentada pelo novo Código Civil, o advento dos direitos da personalidade no novo Diploma trouxe a reboque uma mudança filosófica na esfera jurídica privada, deixando claro para todos que a liberdade da vontade do individuo hoje é relativa a princípios maiores, de ordem pública mesmo que inseridos no contexto do direito privado.
Sendo assim, podemos vislumbrar uma nova geração de direitos, que passaram por um processo evolutivo desde a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Hoje a preocupação científica está em proteger o ser humano abarcando todos os aspectos de sua existência, é o Direito, como ciência humana que é, não poderia se afastar desse novo paradigma das ciências sociais, nesse sentido, o novo Código Civil, tendo como fonte normativa a CRFB/88, tem boas possibilidades de cumprir o seu papel.
BIBLIOGRÁFIA:
BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.
DE CUPIS, Adriano. Os Direitos da Personalidade. Tradução de Adriano Vera Jardim e Antônio Miguel Caeiro. 1ª ed. Lisboa: Livraria Morais Editora, 1961.
OLIVEIRA, J.M. Leoni Lopes de. Direito Civil – Teoria Geral do Direito Civil. Vol. 2. 2ª ed. atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Editora Lumem Júris, 2000.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense Editora, 1988.
SOUSA, R. Capelo. O Direito Geral da Personalidade. Coimbra. Coimbra Editora, 1995.
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar – 2001.
Revista ABAMI – Direito Imobiliário – Ano 2 – n. º 7 Maio/2003, pág. 4.
Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002.
Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05/10/1988.