Dos filhos havidos fora do casamento

Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka

I – À luz do Direito Romano

No seio das famílias romanas, houve sempre um repúdio à idéia de filhos ilegítimos, já que estes não podiam desempenhar o papel determinado, pela religião, ao filho.
“Com efeito” – informa Fustel de Coulanges – “o laço de sangue isolado não constituía, para o filho, a família; era-lhe necessário o laço do culto. Ora, o filho nascido de mulher não associada ao culto do esposo pela cerimônia do casamento, não podia, por si próprio, tomar parte do culto. Não tinha o direito de oferecer o repasto fúnebre, e a família não se perpetuaria por seu intermédio.” (Cidade Antiga).
A perpetuação do culto, que se fazia por meio do filho varão, não era deferida pelo pater ao filho havido fora do matrimônio religioso – justo e legítimo – e este, então, não se responsabilizaria jamais pelo culto doméstico nem seria encarregado de manter, ardendo, o fogo sagrado no altar da família. Isto porque o pater, senhor e guarda vitalício do lar e representante dos antepassados, não declarava o vínculo moral e religioso decorrente do nascimento do filho ilegítimo. Sem esta formalidade, portadora de força obrigatória em Roma, na Grécia e na Índia, o recém-nascido não integrava a família e o seu nascimento se constituía em tão apenas um laço físico.
Na casa, tal criatura não possuía um lugar definido, não participava dos atos sacros, não podia sequer fazer orações. Era, simplesmente, o portador dos erros e pecados dos seus pais que violaram o sistema estatuído, gerando um filho de forma contrária à moral e à religião. Ainda mais grave era a situação do filho adulterino, que sequer podia ser enterrado no túmulo familiar, ao lado dos demais membros da família.
Estes filhos extramatrimoniais, denominados liberi iniusti, classificavam-se em spurii ou vulgo quaesiti ou vulgo conceptus e naturales liberi.
A situação ou estado de filho espúrio era circunstância de absoluto desprestígio em face do direito romano que não admitiu a ação de investigação de paternidade, não permitindo, pois, que o espúrio pudesse agir judicialmente contra o seu pai, em busca do reconhecimento.
Conheceu Roma apenas um modo para contornar os obstáculos legais para regularizar a situação de inferioridade à qual eram relegados os filhos espúrios. Este modo era a adoção e, por meio dela, o filho adentrava à família, não aut natura, mas aut iure, em condição de igualdade com os demais irmãos.
No Direito Romano antigo, durante a vigência da Lei das XII Tábuas, a filiação ilegítima sofreu enormemente as conseqüências da falta de amparo legal. No Império, até a época de Constantino, os filhos havidos da relação concubinária não detinham direitos aos alimentos e à sucessão paterna, embora já então, houvesse polêmica em sentido contrário. A partir de Justiniano (539), permitiu-se-lhes a sucessão ab intestato, bem como se atribuiu ao pai, a obrigação de lhes prestar alimentos.
Convém sempre lembrar que, com o advento do Cristianismo, o concubinato e a prole daí advinda passaram a sofrer seríssimas restrições, que só foram amenizadas pela possibilidade de legitimação dos filhos naturais por meio do subseqüente casamento de seus pais.
Somente na última fase do Direito Romano é que os filhos naturais, havidos de uniões concubinárias, foram equiparados aos legítimos, sendo que os espúrios não contaram com tal benefício, já que tais filhos extramatrimoniais não eram considerados filhos e não tinham um pai.
À época de Augusto, o grande reformador romano, foram instituídas as importantes Leges, quais sejam, a Lex Iulia de Maritandis Ordinibus (18 d.C.) e a Lex Papia Poppaea (9 d.C.) que incentivavam a convolação de núpcias entre os romanos, bem como a geração de filhos. Mais ainda, embora tais Leges estatuíssem impedimentos matrimoniais, mormente referentes à diferença de classes entre os nubentes, abrandaram as sanções aos infratores, não eivando de nulidade tais casamentos e deferindo, mais, aos filhos ilegítimos, direitos semelhantes aos dos legítimos.
Já desde então, os filhos gerados em concubinato não eram mais considerados espúrios, já que não eram resultantes de uniões vedadas, mas, sim, foram considerados legítimos, nascidos secundum legis.
As mesmas benesses, contudo, não alcançaram os filhos adulterinos e os incestuosos, que permaneciam impedidos de suceder ao pai falecido ab intestato, acabando por perder, também, o direito aos alimentos, relativamente ao pai.
Bonfante noticia esta situação, expondo que os filhos espúrios não tinham juridicamente um pai, nem era possível o seu reconhecimento. Em contrapartida, conclui ele, a mãe é sempre certa (mater semper certa est) e, por isto, tem ela sempre a obrigação de alimentar…

II – À luz do direito brasileiro vigente, desde o CC de 1917 até a CF de 1988

Silvio Rodrigues conceitua a filiação como sendo “a relação de parentesco consangüíneo, em primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa a aquelas que a geraram”.
A procriação, assim, estabelece um vínculo entre pessoas, o qual se apresenta sob aspecto tríplice: o vínculo da paternidade, da maternidade e da filiação, quando considerado com relação, respectivamente, ao pai, à mãe e ao filho.
Naquele espaço de tempo considerado neste capítulo, a filiação, doutrinariamente considerada, podia ser legítima, legitimada e ilegítima, conforme diversa fosse a sua origem. Decorrentes de relações extramatrimoniais, os filhos ilegítimos classificavam-se em naturais, espúrios, adulterinos e incestuosos.
Os naturais seriam os nascidos de pais entre os quais não havia, à época da concepção, impedimento matrimonial decorrente de parentesco (art. 183, I a V, CC) ou de casamento anterior (art. 183, VI, CC), segundo o magistério de Silvio Rodrigues.

Antonio Chaves e Washington de Barros Monteiro ensinam ser filho natural aquele oriundo de pessoas desimpedidas para casar no momento em que foi concebido. E Limongi França o conceitua como sendo o filho proveniente do consórcio de pessoas não casadas ou desligadas da sociedade conjugal (desquitadas), e entre as quais não haja incapacidade matrimonial em razão de parentesco.
Orlando Gomes oferece a seguinte lição: “provindo os filhos naturais da livre união dos pais, têm condição superior à dos filhos espúrios, equiparando-se completamente, em nosso Direito, aos filhos legítimos. O filho natural adquire esse status com o reconhecimento por ambos os pais, ou por um deles. Antes de reconhecido, há simples situação de fato, que não gera qualquer direito”.
Os filhos espúrios, por sua vez, seriam os oriundos da união de homem e mulher impedidos de se casarem na época da concepção, por laço de parentesco em grau proibido ou por já serem casados – ambos, ou um deles, apenas – com outra pessoa. Duas seriam as espécies de filhos espúrios: os adulterinos e os incestuosos.
Os adulterinos seriam os nascidos de pessoas impedidas de casar em virtude de casamento com terceiros (art. 183, VI). A adulterinidade poderia ser bilateral ou unilateral. Seria adulterino a patre se gerado por homem casado e mulher solteira, viúva ou divorciada, e a matre se fosse a mulher a casada.
Os incestuosos seriam os nascidos de pessoas impedidas de se unirem por matrimônio válido em razão de haver entre elas parentesco: natural, civil ou afim (art. 183, I a V), “na linha reta até o infinito e na linha colateral até o 3º grau”.
Segundo Orlando Gomes, “o caráter incestuoso da filiação tem de apresentar-se no momento da concepção. Se o impedimento matrimonial surge depois, como por exemplo, o que resulta do vínculo de afinidade, o filho será simplesmente natural”.
Em sede de indagação legislativa sobre a filiação ilegítima, o que sempre de mais palpitante e sério se descortinou foi o reconhecimento de tais filhos.
O ato de reconhecimento é declaratório porque, segundo a melhor doutrina, apenas declara um fato do qual o direito tira uma série de conseqüências sem criar a paternidade. Este ato vem estabelecer, juridicamente, o parentesco biológico já presente entre pai e mãe ilegítimos e seu filho.
O reconhecimento pode ser voluntário (ou espontâneo) ou judicial (ou forçado). José Luiz Gavião de Almeida menciona o chamado reconhecimento automático como sendo aquele meramente advindo da lei como, por exemplo, entre outros, o reconhecimento que resulta da presunção pater is est…
Por reconhecimento espontâneo, entendeu Silvio Rodrigues, ser o “ato solene e público, através do qual alguém, de acordo com a lei, declara que determinada pessoa é seu filho”, e, por reconhecimento forçado, entendeu ser “aquele decorrente de sentença havida em ação de investigação de paternidade e na qual se proclama que o autor é filho do investigado”.
Importante segmento doutrinário considera o reconhecimento como ato jurídico unilateral, havendo somente a manifestação de vontade de quem reconhece. No entanto, outro segmento, não menos importante, de juristas de escol como Orlando Gomes, por outro lado, entende ser ato bilateral, vez que o reconhecimento de filho maior depende de seu assentimento, e o do filho menor pode vir a ser anulado se este, mediante ação de contestação de reconhecimento, o impugnar dentro dos quatro anos que se seguirem à aquisição da capacidade civil (art. 362, CC). Caio Mário da Silva Pereira entende ser negócio jurídico stricto sensu.
Antes de 1988, admitia-se o reconhecimento voluntário relativamente aos filhos naturais; quanto aos adulterinos, admitia-se também o reconhecimento, mas não enquanto durasse a sociedade conjugal do genitor adúltero (Lei 883/49). Com o advento do novo texto constitucional, em data de 05.10.1988, esta postura legislativa ficou sem eficácia, conforme veremos adiante.
O reconhecimento judicial opera-se, ao seu turno, por intermédio da ação de investigação da paternidade ou da maternidade. Este reconhecimento compulsório tem lugar, pois, nas situações em que a vontade do (s) genitor(es) não se manifesta livremente, razão pela qual a lei garante ao infante o seu direito de ser declarado filho, e os efeitos daí resultantes, como o direito ao nome (este, o principal efeito de ordem moral), o direito à prestação alimentar e o direito à sucessão (estes, os principais efeitos de ordem patrimonial).
Há opiniões favoráveis e opiniões desfavoráveis a respeito do reconhecimento forçado, sendo que os argumentos que sustentam este último rol de opiniões versam, especialmente, sobre a alta incidência de exageros, exploração e abusos, sobre o temor de escândalos e sobre a necessidade de se resguardar a moral pública de tais assuntos “assim tão delicados…”
Prefiro, pessoalmente, a corrente que defende a admissão legal do reconhecimento compulsório, especialmente porque, aqui, se trata de tutelar interesse de quem, ao nascer, já se acha em situação juridicamente vulnerável, uma vez que não pode exercer os direitos que imanentemente possui, relativos à vida, ao afeto, ao convívio familiar, entre outros.
Mas não deixam de ter razão, veja-se por outro lado, não exatamente aqueles que repudiam a idéia de reconhecimento compulsório de filho, mas sim aqueles que têm procurado separar o que se chama de “verdade biológica” daquilo que se denomina “verdade afetiva”, exatamente para demonstrar que o vínculo do afeto nada tem que o atrele, inefavelmente, ao vínculo meramente biológico.
De um lado, temos que a ciência jurídica, com o apoio da ciência genética e seu extraordinário avanço, encontra-se absolutamente próxima da verdade biológica, quando alberga a chance de um filho sem pai declarado procurá-lo por meio da investigação de paternidade.
Por outro lado, nada há na ciência jurídica ou genética, que seja capaz de obrigar alguém, biologicamente ligado a outrem, a dedicar-lhe amor e cuidados próprios e pertinentes à cria e seu criador. Assim, nada há mesmo que obrigue um pai, que antes houvera sonegado ao filho seu reconhecimento espontâneo, a amá-lo após a declaração judicial do vínculo biológico-parental, derivada do reconhecimento compulsório. Assim, como nada há que determine ao filho uma conduta de amor e respeito por quem, antes, o houvera enjeitado.
Tais questões têm, efetivamente, atordoado os pensadores e aplicadores do Direito, preocupados com a “verdade” afinal preponderante neste delicadíssimo assunto. Em que pese, contudo, o valor de tais ponderações, não se pode olvidar das conseqüências mais visíveis e emergentes da geração de um filho sem genitor declarado.
Esta criatura, a quem o Direito endereça sua proteção e tutela, enfim tem direitos mais plausíveis e urgentes do que a questão do amor, embora esta, no meu sentir, deva ser sempre o eterno núcleo de atenção da própria humanidade…
Assim é que, modernamente, prepondera a noção de “paternidade responsável”, exatamente assim acolhida pela Constituição que ora vige, a dizer que toda pessoa, ao nascer, deva ser filho de alguém, daí decorrendo a obrigatória relação jurídica do parentesco, da qual serão inegavelmente extraídos os direitos daquele, e os deveres incumbidos a este último.

III – À luz da Constituição Federal de 1988

Acompanhando, pois, a evolução do assunto desde o Código Civil até a promulgação da Carta Constitucional, o que se observa, enfim, e de grato modo, é que a família, aos poucos deixou de ser o último bastião da propriedade privada, para se converter naquilo que naturalmente é e sempre foi, o lugar de convivência, apreço, desenvolvimento e conquistas de cada um de seus membros e de todos eles, a um só tempo.
Como célula da sociedade agora – não mais do Estado – mostra-se a família, realizando o seu papel maior, por meio da contemplação do direito posto, que é o reconhecimento da dignidade humana, cujos meios utilizados outros não são senão a ausência dos preconceitos de origem e dos preconceitos de condição, deixando de lado a emissão de juízos de valor, para se instalar, agora, sobre derivações de um juízo de existência.
A Constituição provoca assim uma revolução não apenas normativa, mas uma revolução da mentalidade humana.
De modo especial, no que tange à igualdade dos direitos dos filhos, o § 6º do art. 227 da CF/88 implica numa única resposta à pergunta sobre a categoria dos filhos, hoje. Assim, a lei reconhece apenas duas categorias, ao sabor da análise do assunto filiação, isto é, aqueles que são filhos, e aqueles que não o são… De tal sorte que, em face da proibição constitucional no que concerne às designações discriminatórias, perde completamente o sentido, sob o prisma do Direito, os adjetivos legítimos, legitimados, ilegítimos, incestuosos, adulterinos, naturais, espúrios e adotivos.
Reconhece, a ordem constitucional, a ampla igualdade entre os filhos, quer os biológicos, havidos na relação do casamento ou não, quer os não-biológicos, que integram a categoria dos adotivos.
Fixando o raciocínio sobre estes que são os filhos havidos fora do casamento, não há, hodiernamente, qualquer restrição ao se afirmar que a filiação é autárquica, ou seja, tudo quanto se argúi para estabelecer a relação, é a existência do nexo biológico. Assim, o casamento ou não-casamento dos genitores é irrelevante – quer entre si, quer cada qual de per si considerado em frente de outra pessoa – para defraudar a situação jurídica dos filhos, que é única.
Certamente o maior avanço, a conquista mais saudável, a maior justiça trazida pelo rompimento com a discriminação outrora existente, funda-se na ampla possibilidade de reconhecimento dos filhos havidos em circunstância extramatrimonial. Assim, desde a promulgação do novo texto constitucional, todos os filhos podem ser reconhecidos, voluntária ou judicialmente, por via de ação pessoal, vitalícia, imprescritível, transmissível a herdeiros em algumas hipóteses, e independentemente de qualquer situação, restrição ou dúvida. Apenas, acrescente-se, hoje o reconhecimento afigura-se com uma particularidade relevante, qual seja, operar-se-á por meio de ação que tenha por objeto precípuo, a certeza da relação biológica.
Na verdade, o § 6º do art. 227 da Constituição Federal é dispositivo de aplicabilidade imediata, uma vez que o texto não faz ressalva legal que pudesse admitir interpretação em contrário. O constituinte teve a intenção – nos parece indene de dúvida -, de igualar os filhos, sem opor restrições. De tal sorte, a norma constitucional superveniente fez com que a norma infraconstitucional perdesse a eficácia, restando desprovida de aplicabilidade.
Neste rumo de conclusão, inúmeros são os dispositivos do Código Civil e da legislação complementar que se encontram nesta situação.
Encontram-se, pois, proscritos todos os dispositivos limitadores do direito de pleitear o reconhecimento, quer fossem normas de redação original, quer fossem as alteradas por modificações legislativas subsequentes, como o DL 4.737/42, a Lei 883/49, a Lei 6.515/77, a Lei 7.250/84 ou a Lei 7.841/89.
Observe-se, pois, o extraordinário avanço da disposição constitucional, ainda que se deva registrar, como o faz Álvaro Villaça Azevedo, que tal abertura e facilidade no reconhecimento não estão a implicar no favorecimento ou declaração do adultério, até porque este existiu sempre, correndo lateralmente à existência do casamento e à existência do próprio homem.
Mas – isto sim, e acima de tudo – o reconhecimento tal como se posiciona hoje e é admitido, visa assegurar o direito de tais filhos ao seu estado de filiação, afastando terminantemente a agressão que a legislação anterior perpetrava contra o direito de personalidade dos filhos nascidos fora do casamento.
Durante décadas, suportaram eles o castigo pelo ato censurável do genitor, com a injusta limitação dos seus direitos, já que aquele, ao postar-se atrás do muro da mentira e do segredo, fingia desconhecer-lhes a existência, com a intenção talvez única (mas, inalcansável!) de manter o casamento ultrajado pela infidelidade.
De resto, compreenda-se, acima de todos os benefícios, direitos e até mesmo obrigações, que a nova ordem defere à filiação extramatrimonial, aquilo que ela mais lhe conferiu foi a retirada de tal castigo, de tal sanção, de tal vexame dos seus ombros, admitindo-a agora, como aquilo que simplesmente é: uma realidade biológica que não pode contar com o descaso do Direito e da Lei!
Acrescente-se, por fim, que o afastamento da discriminação outrora existente, permite aos filhos, sem adjetivação, o direito ao pátrio poder, o qual, diga-se, é agora exercido em conjunto pelos genitores, segundo o art. 5º, I e art. 226, § 5º da CF/88.
Bem assim qualquer restrição não sofrem os direitos à ação de investigação de paternidade e de maternidade, nem os sucessórios, nem os aos alimentos.

IV – À luz da legislação infraconstitucional, especialmente a Lei 8.560/92

É sensível, como se pôde observar, até aqui, a constante evolução pela qual passa o assunto em tela, qual seja, a condição jurídica dos filhos havidos fora do matrimonio.
Antes da promulgação da Carta Constitucional Brasileira (1988), e como já se mencionou antes, entre a promulgação do Código Civil e a referida Constituição Federal, cinco principais momentos legislativos vêm caracterizar a tendência evolutiva do tema, no sentido de sempre procurar ampliar a tutela jurídica aos filhos extramatrimoniais. Alinhavando-os:
 Decreto Lei 4.737/42, que possibilitou o reconhecimento, voluntário ou forçado, dos filhos havidos fora do matrimônio, após o desquite.
 Lei 883/49, que modificou o artigo 358 CC, para permitir o reconhecimento em todos os casos de dissolução da sociedade conjugal.
 Lei 6.515/77 (Lei do Divórcio), que alterou a Lei 883/49, pela inclusão de parágrafo único ao seu artigo 1º, possibilitando que qualquer dos genitores, ainda que casado com outrem e na constância deste casamento, pudesse reconhecer filho extraconjugal, desde que por testamento cerrado; no artigo 2º, igualou-se o direito à herança dos filhos consangüíneos de qualquer natureza.
 Lei 7.250/84, que transformou o parágrafo único do artigo 1º da Lei 883/49 em parágrafo primeiro e acrescentou-lhe um parágrafo segundo, possibilitando o reconhecimento judicial do filho extramatrimonial pelo cônjuge separado de fato há mais de cinco anos ininterruptos.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, e como se viu, nitidamente se erigiu a grau hierarquicamente superior, a noção da “paternidade responsável”, já que, de acordo com o art. 227, § 6º, “os filhos havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.
Desde então, novas leis ordinárias foram promulgadas com a finalidade de regulamentar o comando constitucional, mas sem que tenham conseguido, na verdade, alcançar tal desiderato.
O excepcional e sensível jurista mineiro, João Baptista Villela (“O Reconhecimento da Paternidade entre o pós-moderno e o arcaico: primeiras observações sobre a Lei 8.560/92”, in Repertório de Jurisprudência IOB, 2ª quinzena de fevereiro de 1993 – nº 04/93), se refere ao assunto de modo conclusivo: “A fragmentação da matéria por textos que se superpõem e que, juntos, mal passam a imagem de uma colcha de retalhos é bem um indicativo de que, passados mais de quatro anos de vigência da nova Constituição, ainda falta ao País, um projeto político orgânico e consistente para a filiação não-matrimonial”. (p. 76).
A legislação infraconstitucional, em comento, arrola-se da seguinte maneira:
 Lei 7.841/89, que revogou o art. 358 CC, exatamente a norma impeditiva de reconhecimento de filhos espúrios (incestuosos e adulterinos).
 Lei 8.069/90, que dispõe sobre o Estado da Criança e do Adolescente, e dá outras providências.
 Lei 8.560/92, que regula a investigação de paternidade de filhos havidos fora do casamento e dá outras providências, revogando o art. 337 CC.
Com relação a esta última Lei, e em que pese o elogiável propósito do legislador, haveríamos que considerar alguns pontos falhos ou frágeis em seus dez dispositivos.
Entre os mais destacados destes pontos faremos referência especial ao art. 2º, e seus §§, da mencionada Lei 8.560/92. Este dispositivo determina que “em registro de nascimento de menor apenas com a maternidade estabelecida, o oficial remeterá ao juiz certidão integral do registro e o nome e prenome, profissão, identidade e residência do suposto pai, a fim de ser averiguada oficiosamente a procedência da alegação”.
Instala-se assim, uma averiguação oficiosa da paternidade, a cargo de um juiz que, fora de suas funções e atribuições específicas, operará uma espécie de sindicância pública contra o indigitado pai, cujo resultado, se não for o do pronto reconhecimento voluntário, não deixará, ao magistrado “sindicante” qualquer outra alternativa (mais assemelhada às suas específicas e especiais atribuições e competências) que não a da simples remessa dos autos ao representante do Ministério Público (§ 4º).
Situação igualmente desconfortável, do ponto de vista de correta postura de competências é, por certo, a do próprio Ministério Público que deverá se sobrepor à certeza de se tratar, in casu, de um direito personalíssimo (art. 27 do ECA), este de alguém buscar, judicialmente, o “conhecimento de sua ascendência biológica”, (como se expressa João Baptista Villela), para munir-se do direito de exercê-lo por meio de ação, independentemente da consulta aos interesses privados do filho e mesmo aos de sua mãe.
O que há por trás disso é simples – e já o houvera diagnosticado João Baptista Villela em fevereiro de 1993, dois meses apenas após a edição da Lei – “a opção do legislador insinua-se claramente contra a autonomia da pessoa humana ao converter a paternidade, literalmente, de questão de estado em questão de Estado”.
Quatro anos passados, no entanto, desde a edição da Lei, a verdade que se instala no cenário atual é outra, diferente daquela retratada pelo dispositivo ora comentado.
Talvez pelo excesso de atribuições, mas talvez pela preocupação maior de ingressar em juízo, em nome próprio ou não, para pleitear direito personalíssimo de outrem, a verdade é que o Ministério Público, ao menos no Estado de São Paulo, não tem intentado as referidas ações de investigação de paternidade.
Isto porque o Conselho Superior da Magistratura, por meio do Provimento nº 494/93 de 28.05.1993, depois, a Procuradoria Geral de Justiça (em conjunto com o Conselho Superior do Ministério Público e a Corregedoria Geral do Ministério Público), por meio do Ato nº 11/93 de 10.10.1993, determinaram, essencialmente, que “havendo órgão ou serviço de Assistência Judiciária na comarca ou localidade, a Promotoria de Justiça deverá encaminhar-lhes, prontamente e sem qualquer manifestação, os autos de averiguação recebidos, informando o Juízo competente da remessa realizada”.
A solução intermediária, por ora, parece bastante razoável, eis que estes órgãos de assistência gratuita ou defensoria pública só poderão ingressar, em juízo, com a ação correspondente, se obtiverem da representante do menor (a mãe), a devida outorga de poderes, para pleitear aquele personalíssimo direito de investigar sua ascendência biológica, sua raiz genética.

ANEXO
Modificações legislativas – Filiação extramatrimonial.

 Código Civil Brasileiro.
 Dec. Lei 4.737/42 (possibilitou o reconhecimento, voluntário ou forçado, dos filhos havidos fora do matrimônio, após o desquite).
 Lei 883/49 (modificou o art. 358 CC, e permitiu esse reconhecimento em todos os casos de dissolução da sociedade conjugal).
 Lei 6.515/77 (Lei do Divórcio) – (alterou dispositivos da Lei 883/49, incluindo um parágrafo único, em seu art. 1º, possibilitando esse reconhecimento a qualquer dos cônjuges, mesmo na constância do casamento, desde que por testamento cerrado, e igualando-se, no seu art. 2º, o dispositivo à herança dos filhos consangüíneos de qualquer natureza).
 Lei 7.250/84 (transformou o aludido parágrafo único da Lei 883/49 – art. 1º – em parágrafo primeiro e acrescentou-lhe um parágrafo segundo, possibilitando o reconhecimento judicial do filho extramatrimonial pelo cônjuge separado de fato há mais de cinco anos ininterruptos. Todavia, esse filho, assim reconhecido, não podia residir no lar conjugal sem o consentimento do outro cônjuge – art. 359 CC -, situação em que o mesmo filho tinha direito, de seu pai ou de sua mãe, a toda assistência fora do lar conjugal – art. 15 de Lei 3.200/41.
 Constituição Federal/88 (art. 227, § 6º).
 Lei 7.841/89 (revogou o art. 358 CC).
 Lei 8.069/90 (dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências).
 Lei 8.560/92 (regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento, e dá outras providências, revogando o art. 337 do CC).

Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka é Doutora pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professora Doutora do Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP e da Faculdade de Direito de Bauru – ITE
São Paulo, janeiro de 1998.

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