É ilegal lançar de ofício débito declarado em GFIP e não pago

Por serem consideradas confissão de dívida, a Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF) e a Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social (GFIP) e, por conseguinte, os débitos nelas declarados, prescindem do lançamento de ofício, haja vista que tais declarações não só informam a existência do débito tributário, como constituem definitivamente os tributos ali declarados.

Essa é a interpretação que se extrai da leitura da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil 1.110/2010 e do artigo 225 do Decreto 3.048/1999, que preveem a natureza jurídica de confissão de dívida da DCTF e da GFIP, de modo a reconhecê-las como instrumento hábil e suficiente para a exigência do crédito tributário nelas confessado.

O efeito prático dessas previsões normativas é que os débitos tributários declarados tanto em DCTF, quanto em GFIP, se não pagos pelo contribuinte, podem ser imediatamente encaminhados pela Receita Federal para inscrição em Dívida Ativa da União, sendo desnecessária — para não dizer ilegal — a lavratura de auto de infração.

Ratificando esse entendimento, a própria Receita Federal apresentou a Solução de Consulta Interna da Coordenação-Geral do Sistema de Tributação (Cosit) 3, de 25/2/2013, por meio da qual reconhece o caráter normativo acima esposado e promove a lógica equiparação da DCTF com a GFIP. Neste sentido, afirma tratar-se a GFIP de documento que registra a concordância quanto aos elementos necessários à constituição do débito tributário, quais sejam: os fatos geradores da contribuição previdenciária, sua base de cálculo, alíquota, competência, identificação do sujeito passivo e outras ocorrências que podem afastar seu pagamento ou diminuir-lhe o valor devido, dispensando o lançamento de ofício.

A referida solução de consulta elucida ainda que se faz necessária a lavratura do auto de infração ou notificação de lançamento nas hipóteses em que a constituição do débito tributário não se formaliza por meio de GFIP, ressalvada a confissão do débito mediante Lançamento do Débito Confessado (LDC) ou parcelamento.

Importante relembrar nesta discussão que, a partir da publicação da Instrução Normativa 1.434 em 2/1/2014, as Soluções de Consulta Cosit passaram a ter efeito vinculante no âmbito da Receita Federal. Desse modo, passou a ser de observância obrigatória por toda Administração Tributária.

Indo adiante, diferente não é o entendimento da 1ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), o qual assentou sua jurisprudência[1] no sentido de determinar que somente os tributos não exigíveis por meio de DCTF devem ser objeto de lançamento de ofício, pois a declaração possui caráter de confissão de dívida e, consequentemente, é instrumento hábil e suficiente para a constituição do débito tributário, sendo desnecessário o lançamento de ofício. Tal intelecção já foi inclusive registrada na Súmula Carf 52.

Com base na natureza jurídica da DCTF, a 1ª Seção de Julgamento do Carf julga improcedente o auto de infração que discute débitos nela declarados, haja vista tais débitos já terem sido previamente constituídos pelo próprio contribuinte quando da declaração em DCTF.

No âmbito do Poder Judiciário, a orientação é a mesma, como dá conta a Súmula 436 do Superior Tribunal de Justiça, que pacifica o entendimento judicial no sentido de que a entrega de declaração pelo contribuinte, reconhecendo o débito fiscal, constitui o débito tributário, sendo dispensada qualquer outra providência pelo Fisco quanto à constituição do débito tributário.

Ou seja, o que se pode observar é que legislação e jurisprudência — judicial e administrativa — são claras ao dispensar a Autoridade Fiscal de qualquer providência para a constituição do débito tributário declarado pelo contribuinte, dispensando-se a lavratura de auto de infração, podendo o Fisco encaminhar eventuais débitos declarados e não pagos para imediata inscrição em dívida ativa e execução fiscal.

Contudo, embora a 1ª Seção do CARF já tenha pacificado tal entendimento quanto à DCTF, a 2ª Seção ainda não possui entendimento tranquilo sobre o assunto no que se refere à GFIP, havendo precedentes que mantém autuações que constituíram tributos previamente constituídos pelos contribuintes em GFIP[2]. O fundamento de alguns dos julgadores é o de que a fiscalização pode lavrar ou não o auto de infração, não havendo qualquer prejuízo para o contribuinte, que poderá discutir administrativamente a autuação.

Em que pese esses argumentos, é importante que a discussão leve em consideração a distinção entre os atos administrativos discricionários e os vinculados. De um lado, os atos discricionários são aqueles que a Administração pode praticar com certa liberdade de escolha em relação ao seu conteúdo, o modo de realização, a oportunidade e a conveniência, devendo sempre observar os limites legais. Por outro lado, a Administração não possui qualquer margem de liberdade para praticar os atos vinculados, pois a lei define de antemão todos os aspectos da conduta, que devem ser obrigatoriamente adotados.

Com efeito, não se deve esquecer que o lançamento tributário é espécie de ato administrativo vinculado, não podendo se submeter à subjetividade da autoridade fiscal, o que significa que se o tributo ainda não está constituído, é dever do fiscal a sua constituição, nos termos do artigo 142 do Código Tributário Nacional. De outro giro, se o tributo já está constituído, o lançamento efetuado pela autoridade fiscal é inútil e desnecessário, sendo evidente a ofensa aos princípios basilares da legalidade, da finalidade, da eficiência, da razoabilidade e da proporcionalidade[3], entender que cabe ao fiscal decidir se irá lavrar ou não o auto de infração.

De tal arte, é de se notar a evidente prescindibilidade de qualquer ato de lançamento para constituição de débito tributário relativo a valores declarados pelo contribuinte em instrumento que possua natureza de confissão de dívida, de modo que se espera que a orientação pacífica da 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais[4] do Carf passe a orientar os julgadores da 2ª Turma e da 2ª Seção do CARF, reconhecendo-se ser incabível e injustificável — porque não dizer ilegal — o lançamento de ofício nos casos de débito previamente declarado em GFIP e não pago.

Por Flavio Eduardo S. de Carvalho e Tatiana Ergang Barros

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