Autora: Anna Paula Oliveira Mendes (*)
Dentre as inúmeras mudanças provocadas pela última reforma eleitoral, consubstanciada nas leis 13.487 e 13.488 de 2017, não há dúvidas de que a mais polêmica foi a criação do fundo especial para o financiamento de campanha (FEFC), objetivando o financiamento de campanhas eleitorais com dinheiro público, por meio da inclusão do artigo 16-C à lei 9.504 de 1997.
De acordo com a redação dada pela Lei 13.487/2017, a União deverá destinar ao FEFC i) 30% dos recursos reservados às emendas parlamentares das bancadas estaduais, bem como ii) um valor, a ser definido pelo TSE, “equivalente à somatória da compensação fiscal que as emissoras comerciais de rádio e televisão receberam pela divulgação da propaganda partidária” efetuadas em 2017 e 2016, devendo tal valor ser atualizado, a cada eleição, pelo índice INPC (artigo 3º). Para isso, foi necessário extinguir a propaganda partidária no rádio e na televisão (artigo 5º).
A propaganda partidária constitui espécie do gênero propaganda política, sendo que este ainda engloba a propaganda eleitoral, a propaganda intrapartidária e a propaganda institucional. Sendo assim, a propaganda partidária distingue-se das demais por ter como finalidade específica a difusão da ideologia do partido político. Nas palavras de Olivar Coneglian:
“A propaganda político-partidária busca discutir temas sociais, programas ou metas do partido e tem o objetivo de conquistar simpatias para as cores partidárias ou para posições tomadas pelo partido em relação a questões sociais, políticas, filosóficas, econômicas, trabalhistas.
É importante pontuar, ademais, que a veiculação de propaganda política — e, especificamente, da propaganda partidária gratuita — visa a concretizar o ideal de Estado Democrático de Direito delineado pela Constituição de 1988. A verdadeira observância ao pluralismo político (artigo 1, V, CRFB) e à legitimidade de um governo representativo pressupõe o enriquecimento do debate eleitoral e a participação consciente dos cidadãos, o que apenas se conquista através da informação proporcionada pela propaganda. Ainda, o caráter gratuito, intrínseco ao direito de antena, vem a afastar a influência do poder econômico do jogo democrático.
Não é por outra razão, portanto, que o acesso gratuito ao rádio e à televisão pelas agremiações partidárias, o “direito de antena”, foi elevado ao status constitucional pelo constituinte originário. A redação primária do artigo 17, § 3º, da CRFB, previa taxativamente: “os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e a televisão, na forma da lei”.
Apesar da recente EC 97/2017, de 4.10.2017, ter alterado a disposição citada para prever uma espécie de cláusula de barreira para o direito de antena, este ainda é expressamente assegurado pelo texto constitucional. É verdade, ademais, que a constitucionalidade da referida Emenda Constitucional é questionável, em razão de uma possível violação à igualdade partidária e ao pluralismo político, que são cláusulas pétreas (artigo 60, § 4º , IV, CRFB), mas este não é o objetivo do presente artigo.
É, assim, a atual redação do 17, § 3º, da CRFB:
§ 3º Somente terão direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei, os partidos políticos que alternativamente:
I – obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 3% (três por cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 2% (dois por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou
II – tiverem elegido pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação.
Desta forma, é inconteste que a Lei 13.487/2017 violou o direito constitucional de antena dos partidos políticos ao extinguir a propaganda partidária gratuita no rádio e na televisão. Esse entendimento, ademais de toda a questão de fundo já exposta, também está em consonância com os precedentes do Supremo Tribunal Federal sobre o tema.
No julgamento da ADI 3.551, ocorrido em 7.12.2006, o STF analisou a constitucionalidade de lei que alterou dispositivos da lei 9.096 e instituiu uma espécie de “cláusula de barreira”, condicionando a fruição do direito de antena ao desempenho partidário em eleições.
Na oportunidade, com embasamento na ideia de igualdade entre os partidos, de proteção às minorias partidárias e no pluripartidarismo, ficou assentado que “surge conflitante com a Constituição Federal lei que, em face da gradação de votos obtidos por partido político, afasta o funcionamento parlamentar e reduz, substancialmente, o tempo de propaganda partidária gratuita e a participação no rateio do fundo partidário […]”.
Ainda, no julgamento conjunto das ADI 4.430 e 4.795, discutiu-se a constitucionalidade de lei que usava a representação na Câmara dos Deputados como parâmetro para a distribuição do tempo de propaganda eleitoral gratuita, excluindo do rateio aquelas agremiações que não tinham deputados federais eleitos.
O ministro Toffoli, relator das ações, assentou, em seu belíssimo voto, dentre outras razões, a importância dos partidos políticos para o modelo de democracia brasileiro, pontuando i) o direito de antena como “indispensável à existência e ao desenvolvimento dos partidos políticos”, uma vez que o rádio e a televisão continuam sendo as principais vias de comunicação social da nação; e ii) a eficácia imediata do artigo 17, 3º, da CRFB, por não se tratar de norma constitucional de eficácia limitada, mas de um direito das agremiações partidárias reconhecido pelo constituinte originário. Deste modo, a norma foi declarada inconstitucional.
Assim, depreende-se dos precedentes citados que o nosso Supremo Tribunal Federal vem, sucessivamente, afirmando a importância e amplitude do direito constitucional de antena frente aos intentos do legislador ordinário de afastá-lo ou suprimi-lo. Ainda, extrai-se a importante lição de que o direito de antena compreende a veiculação de propaganda partidária e da propaganda eleitoral, e não de uma ou outra — o que não poderia ser diferente.
Segundo as lições do Professor José Jairo Gomes “a propaganda eleitoral distingue-se da partidária, pois, enquanto esta se destina a divulgar o programa e o ideário do partido político, a eleitoral enfoca os projetos dos candidatos com vistas a atingir um objetivo prático e bem definido: o convencimento dos eleitores e a obtenção de vitória no certame”.
Sendo assim, tendo em vista as diferentes finalidades de cada espécie da propaganda, ambas são indispensáveis à efetivação do nosso modelo democrático e intrínsecas ao direito de antena. Frisa-se que, com a drástica redução do tempo de campanha eleitoral, que diminuiu de 90 para 45 dias, com uma propaganda eleitoral de apenas 35 dias, a veiculação da propaganda partidária ganha ainda mais importância no fomento ao debate político.
Por fim, quanto à criação do “fundão”, já há a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.795, de relatoria da ministra Rosa Weber, em trâmite no STF. Entretanto, a violação ao direito de antena não foi um dos argumentos levantados pelo autor da ação, o Partido Social Liberal (PSL), que se ateve às questões orçamentárias envolvidas. Sendo assim, espera-se que o presente artigo possa vir a contribuir com o debate sobre a matéria e, quem sabe, auxiliar na preservação do modelo democrático desenhado pela nossa Constituição. Até porque, sabemos, os magistrados têm o dever de ofício de declarar uma inconstitucionalidade. Esperemos.
Autora: Anna Paula Oliveira Mendes é advogada pública, membro da Escola Superior de Direito Eleitoral (ESDEL). Mestranda em Direito da Cidade pela UERJ.