É mais importante o respeito às pessoas do que aos cargos que elas ocupam

Autor: Siro Darlan de Oliveira (*)

 

A doutora Nise da Silveira, que sempre nadou contra a corrente, contestava os conceitos da Psiquiatria tradicional, que apostava nos medicamentos e nos procedimentos invasivos para tratar dos doentes mentais. Oferecia como alternativa os procedimentos terapêuticos fundamentados no afeto. No Judiciário não é diferente. Há aqueles que ainda se utilizam dos mecanismos de poder para exercer a função judicante arbitrariamente. Há os que apostam nos mecanismos de exclusão por meio das prisões imotivadas e desnecessárias. Há os que servem os interesses do poder econômico, e há os que morrem de medo do poder midiático.

O papel da Justiça é compor os conflitos e promover a paz social. Noticiou-se que uma criança de 11 anos filmou uma magistrada obrigando-a a ficar sob a guarda materna, embora a criança refutasse e afirmasse o contrário. Enquanto a magistrada dizia que se tratava de uma decisão judicial e que ela deveria cumprir, a criança contestava dizendo que preferia a guarda paterna. Ora, a criança parecia conhecer melhor a lei que determina que ela seja previamente ouvida e que sua opinião seja considerada, enquanto a magistrada usava o argumento da força para dizer que “você não tem querer” e que “seu pai vai levar uma multa terrível”.

Noutra quadra, uma magistrada se dispôs a fazer uma mediação entre jovens estudantes que a chamavam de “doutora” e ela refutava que devia ser chamada de “excelência”. Ora, tratava-se de uma mediação, onde o terceiro interventor não pode usar argumento de autoridade, mas apenas de mero expectador da resolução do conflito pelas partes envolvidas. O uso do argumento de autoridade põe por terra todo processo de mediação, por incompatível.

Por outro lado, o conflito em questão tratava do exercício pelos jovens estudantes do direito que lhe é assegurado na lei de ser protagonista na formulação, execução e avaliação das políticas públicas de juventude. Portanto, é preciso que o autoritarismo que marcou alguns dogmas judiciais, como o famoso dístico de Scassia que afirmava que “a coisa julgada faz do branco preto; origina e cria coisas; transforma o quadrado em redondo; altera laços de sangue e transforma o falso em verdadeiro”, seja relativizado.

Numa época de nossa história em que testemunhamos tantas demonstrações de autoritarismo, precisamos fazer uma releitura das melhores práticas de relações interpessoais para sentir que diante de tantos conflitos familiares, sociais, políticos e econômicos, o respeito à dignidade da pessoa humana deve prevalecer em todas essas relações. E assim como na Psiquiatria a revolução dos métodos mostrou que a cura vem por meio da valorização do afeto, nas relações jurídicas é mais importante o respeito às pessoas que aos cargos ou funções que eventualmente as pessoas ocupam.

 

 

 

Autor: Siro Darlan de Oliveira é desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e membro da Associação Juízes para a Democracia.


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