Autor: Carlos Henrique Abrão (*)
O ambiente conturbado dos negócios no Brasil tem sido o principal fator no endividamento das microempresas e empresas de pequeno porte, as quais são as que mais contratam e apresentam consistência no empreendedorismo. Entretanto, o legislador pecou ao não privilegiar o modelo de recuperação de micro e pequenas empresas, desde logo, limitando aos credores quirografários e conferindo prazo inexequível para o pagamento de seu passivo.
Essas disfunções foram corrigidas ao longo do tempo, alargando para todos os credores a incidência da recuperação da microempresa e da empresa de pequeno porte; porém, alguns entraves ainda permaneceram, dentre os quais a famigerada Certidão da Dívida Ativa, relativizada pela jurisprudência, e o triênio legal para o atendimento das obrigações existentes no plano de recuperação.
A simplificação da recuperação é essencial para seu custo-benefício. Se inclusive existem juizados destinados às empresas de pequeno porte, muito bem poderia essa jurisdição proceder à recuperação dos empresários em estado de crise.
Recentemente, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei 285/2011, conferindo a possibilidade do requerimento sem apresentação de certidões negativas de débitos tributários, o que representa ponto positivo em relação aos devedores microempresa e empresa de pequeno porte. Estabeleceu também que as obrigações poderão ser pagas em até quatro anos, em 48 parcelas mensais iguais e sucessivas, com juros de acordo com a Selic ou de até 12% ao ano, aquilo que for mais vantajoso, contemplando ainda proposta de abatimento do valor das dívidas.
A tendência da Selic é que permaneça no atual patamar de 6,75% ao ano, e no segundo semestre recue para 6,50% ao ano, o que consubstancia grande vantagem no cotejo com os juros legais, hoje fixados em 12% ao ano – quase o dobro –, quando a maioria das aplicações, e principalmente aquelas de poupança, por regra não atingem 6% ao ano, muito embora, em termos reais inflacionários, estejamos perto da casa dos 10% ao ano.
O que se pretende discutir no momento é se o modelo de recuperação judicial oportunizado ao microempresário e ao empresário de pequeno porte estimula a liquidez e serve como pano de fundo para o fortalecimento do setor e a inibição do apetite dos credores contrários ao princípio da preservação da empresa.
As legislações estrangeiras flexibilizam a metodologia, empregando economicidade, o que materializa a investigação e processos societários mais ajustados de fusão, incorporação e cisão, de tal sorte que o procedimento judicial, muitas vezes lento e defasado da realidade, é substituído por mecanismos de mercado, capazes de atender à realidade do negócio empresarial.
Essa variante foi muito difundida quando os bancos submetidos ao procedimento do RAET (regime de administração especial temporária), na iminência de serem liquidados, cediam a “parte boa” das carteiras para instituições financeiras concorrentes, mantendo seu esqueleto submetido ao regime falimentar.
A desobrigação encerrada na desnecessidade de apresentar a Certidão da Dívida Ativa no prazo de 48 meses mostram-se insuficientes para a atual conjuntura, ainda que o BNDES tenha ampliado substancialmente suas linhas de crédito para canalizar os setores de microempresas e empresas de pequeno porte.
O Diploma Normativo 11.101/05 (Lei de Recuperação e Falência) alcançou praticamente 13 anos em vigência, já sofreu algumas alterações e precisaria de uma reforma pontual. Evidentemente, não aquela pretendida pela pasta da Fazenda, criando empoderamento maior do setor financeiro, mas uma reforma que tocasse na ferida e retirasse a ineficiência da lei atual.
Abordada assim essa circunstância, a assembleia geral de credores, de duvidosa funcionalidade, não deveria ser preservada. O prazo de 180 dias de blindagem poderia alcançar sócios, desde que comprovadamente de boa-fé, com prorrogação máxima de 90 dias, definindo-se desde logo os bens materiais e imateriais essenciais à viabilidade da empresa e a superação do estado de crise.
A fixação da responsabilidade do administrador judicial é fundamental, além do que as macroempresas se hospedam em gestões corporativas, o que emblematicamente disponibiliza, antes de mais nada, auditorias que realizaram suas atividades preteritamente para as empresas recuperandas.
A simplificação do plano de microempresas e empresas de pequeno porte passa inexoravelmente pela equação do custo-benefício, e uma das alternativas seria levar o procedimento para o Juizado Especial, nele enraizando pessoal e infraestrutura especializados, inclusive juízes. Isso daria maior informalidade, melhor velocidade e simplificação plural para que se deliberasse e reduzisse ao máximo o furor recursal que apenas impede a homologação do plano e também a fiscalização do seu cumprimento.
O Ministério Público e a magistratura assumem papel relevante, tanto na recuperação como principalmente quando da quebra, para a apuração dos atos de responsabilidade e desvios administrativos gerenciais, inclusive para o atingimento do patrimônio individual dos maus gestores.
No caso de microempresas e empresas de pequeno porte, o que falta é um canal de comunicação amparando a repaginação do negócio – espaço que poderia ser ocupado pelo Sebrae, ou ainda pela Federação do Comércio ou pela da Indústria, dependendo do ramo principal de atividade daquele que se submete ao regime de recuperação judicial.
A mudança de mentalidade é fundamental, e a construção de um mercado sólido, baseado no empreendedor, daria condições às microempresas e empresas de pequeno porte para se alastrarem Brasil afora, combatendo a crise do desemprego, melhorando os níveis dos juros cobrados pelos bancos, priorizando a concorrência, evitando um modelo parasitário e oferecendo ao consumidor preços compatíveis com economias em vias de desenvolvimento.
Não se perca de vista ainda que o produtor rural participa do congraçamento relacionado ao estado de crise e ao procedimento da recuperação judicial, desde que atenda aos requisitos e comprove inscrição no registro de empresas há 2 anos.
Consequentemente, o infinito número de produtores rurais responsáveis pelo fortalecimento do nosso Produto Interno Bruto colheria bons frutos se o legislador priorizasse mecanismo compatível com a infraestrutura, disciplinando mais e melhor o procedimento afeto ao pequeno e médio produtores rurais.
A superação do impasse econômico, sem a menor dúvida, passa pela atenção do Parlamento em relação à definição do modelo consentâneo com microempresas e empresas de pequeno porte, além, é claro, de políticas públicas creditícias que consolidem regras de amplitude do mercado, favorecendo a exportação e nichos de tratados internacionais.
Para tanto, precisamos alcançar padrões internacionais de qualidade em relação a rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, mas também, e antes de mais nada, de conferirmos ao microempresário a integração entre a produção e a prestação de serviços, com regime tributário simplificado e racional, a fim de que possam, contratando mão de obra, reequacionar a hoje insuplantável crise de desemprego que flagela milhões de brasileiros excluídos do consumo.
Autor: Carlos Henrique Abrão é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e doutor pela Universidade de São Paulo, com pós-doutorado em Paris. Também é especialista na Alemanha e bolsista em Portugal e Canadá.