Autores: Mário Saadi e Raul Dias dos Santos Neto (*)
Em 24 de março de 2016, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) publicou a sua Deliberação 85/2016, por meio da qual dispôs sobre a Análise de Impacto Regulatório (AIR), veiculando o modelo e o manual para a sua realização.
A AIR apresenta-se como instrumento para embasar a tomada de decisões, por parte da ANTT, que tenham o condão de afetar os principais atores abrangidos pela ação regulatória (por exemplos, os prestadores de serviços de transporte terrestre, seus usuários e a própria administração pública).
A sistemática da AIR parece estar bem delineada na própria deliberação, que definiu seus objetivos: (1) auxiliar a diretoria da ANTT na escolha da melhor opção regulatória quanto à edição de atos normativos e decisórios; (2) explicitar o problema que se pretende solucionar; (3) suscitar discussões quanto aos impactos das atividades de regulação desempenhadas pela ANTT; (4) documentar as opções consideradas no desenvolvimento de ato normativo ou decisório; (5) construir registro acerca do processo decisório/regulatório.
A descrição dos objetivos denota a preocupação que a ANTT conferiu aos meios para se alcançar os fins. Assim, a estipulação do procedimento (explicitação do problema que se pretende solucionar, fomento às discussões quanto aos impactos das atividades de regulação, documentação das opções a serem consideradas e registro do processo) e do resultado pretendido (auxílio na escolha da melhor opção regulatória) no âmbito do mesmo rol de objetivos é sintomática do nivelamento entre meios e fins promovido pela deliberação.
É possível concluir que a melhor opção regulatória só poderá ser atingida quando da concretização do AIR em estrita consonância com o procedimento informado na deliberação (ou seja, a integridade do meio é imprescindível para a integridade do fim).
Ao cabo, a AIR deverá estar centrada em uma simples, mas crucial questão: qual é a melhor escolha a ser adotada em determinado caso concreto, dentre as diversas que se colocarem à disposição da administração pública? Quais as vantagens e desvantagens a permear cada uma delas? A exposição clara dos motivos da decisão, o levantamento de todas as informações pertinentes e a sua consideração na tomada de decisão informarão a conduta administrativa mais apropriada.
A AIR se harmoniza com o contexto regulatório moderno, na medida em que constitui instrumento de atuação consensual da administração pública. Em outros termos: pressupõe a realização de tomadas de subsídio ou reuniões participativas com os atores envolvidos que possam ser afetados por eventuais decisões da ANTT.
Nessa linha, o procedimento da AIR é caracterizado pela diluição da distância entre Estado e sociedade, a construir espaço de interlocução transparente e direta entre reguladores e regulados, prestadores e usuários. Fortalece e legitima, portanto, a busca pela solução mais eficiente.
Essa dinâmica pode ser considerada como decorrente do próprio ideário de democracia participativa: a abertura de espaços institucionais de interação evita a adoção de decisões desconexas com a realidade, cuja repercussão seja negativa em virtude da desconsideração de elementos e informações cruciais por meio da exclusão de atores relevantes e da relegação do debate.
Igualmente, apresenta-se como forma de garantia de soluções mais bem fundamentadas, com relativa diminuição do grau de discricionariedade técnica que permeia decisões em âmbito regulatório. Assim, com a concepção do princípio da eficiência, a AIR é mais um instrumento que impele à busca daquilo que Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari denominaram de “império da melhor administração.”[1]
O resultado decorrente de tal procedimento tende a imprimir maior segurança ao ambiente regulatório e, consequentemente, apoiar a concretização do princípio da segurança jurídica.
Nesse sentido, a incorporação da prática da AIR pode refletir na assimilação de uma cultura administrativa que prezará pela ampla exposição das razões que sustentam a adoção de determinadas decisões regulatórias.
A AIR é também um esforço para coordenar e adensar o necessário planejamento para o desenvolvimento da atividade regulatória da ANTT. Trata-se de iniciativa salutar, sobretudo em país assolado pela burocracia e permeado por soluções pouco eficientes, que tendem a combater consequências e relegar a solução de suas causas.
Para que a AIR ganhe maior concretude ao longo do tempo, seria recomendável (louvável!) que a ANTT, em específico, e os demais entes da administração pública, em geral, adotassem meios eletrônicos para a disponibilização de informações relativas a apreciações a serem e já empreendidas. Elas deveriam ser de fácil acesso a toda a sociedade, de maneira que o racional a permear a decisão administrativa pudesse ser facilmente identificado.
Outras informações correlatas poderiam ser veiculadas por meio do mesmo canal de informações (como, exemplificativamente, decisões tomadas em âmbito de Procedimentos de Manifestações de Interesse). Essa prática embasaria a consolidação paulatina de ampla base de dados sobre projetos públicos, a disseminação do conhecimento, a viabilização de pesquisas e, ao final, o progresso em melhores práticas administrativas no país.
De forma mais ampla, a veiculação de informações prospectivas sobre as AIRs também tornaria possível o diálogo institucional entre os diversos entes competentes que possam ter competências complementares, correlatas ou concorrentes sobre determinado objeto. Os aspectos considerados individualmente, por cada um deles, poderiam passar a fazer parte de uma verdadeira política de Estado, na qual as ações seriam tomadas de forma pensada, debatida e coordenada, em busca de objetivos de interesse público comuns.
Exemplificativamente, além da ANTT, a prática da AIR já foi institucionalizada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)[2] e pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel)[3]. A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)[4] também reúne documentos de análise de impacto regulatório quando da organização de audiências públicas para a edição de novos atos normativos.
Em vez de uma agenda apartada (para não dizer desconexa), as medidas regulatórias e administrativas poderiam ser intercambiadas entre os mais diversos entes, de maneira a facilitar e concatenar o exercício de atribuições governamentais.
Contudo, em nossa visão, sua efetividade dependerá da consolidação de uma prática administrativa de enfrentamento de problemas que leve em consideração a miríade de fatores que moldam a realidade do setor, por meio da observância do procedimento determinado pela deliberação. Do contrário a AIR corre o risco de se tornar mera formalidade burocrática para a tomada de decisões, com o distanciamento da realidade setorial e dos anseios de regulados e usuários.
Autores: Mário Saadi é advogado do escritório Mattos Filho.
Raul Dias dos Santos Neto é advogado do escritório Mattos Filho.