por Rafael Fiúza Casses
Não há dúvidas de que o grau de estabilidade jurídica de um país tem reflexos determinantes no estímulo ou desestímulo de investimentos externos. Diante disso é mister a positivação de garantias ao cidadão-contribuinte, bem como a fixação de condutas a serem observadas pelos agentes estatais de forma a cumprir as garantias e direitos fundamentais constitucionalmente estatuídos.
As normas constitucionais são normas do mais alto grau de abstração e generalidade, peculiaridade própria das normas que visam tão somente fornecer um contorno, um limite para o ordenamento jurídico. Com isso, o campo para interpretações é fértil, residindo justamente aí a relevância de se concretizar os valores constitucionais segundo os interesses e bens jurídicos historicamente tutelados em nossa sociedade.
Nossa Carta Política, tida por constituição cidadã, tratou de positivar muitos valores a serem perseguidos por seus destinatários. Todavia, tem-se enfrentado grandes dificuldades com a falta de entendimento do conteúdo dos princípios constitucionais protetivos dos cidadãos-contribuintes por parte do Estado-Administração, bem como daqueles que o representam no desenvolvimento de suas funções. Talvez por força da grande abstração e generalidade, as diretrizes principiológicas nem sempre encontram eco na atuação estatal.
A título ilustrativo, citamos o princípio do devido processo legal, pouco observado atualmente no âmbito do processo administrativo tributário. Assim, a vedação de exigência de qualquer garantia patrimonial para acesso à segunda instância administrativa veiculada por lei constitui avanço fundamental na técnica legislativa, sendo tida por doutrina abalizada como destacada inovação trazida pelo Projeto de Lei Complementar 646/1999, dentre outras.
Nesse contexto, a cristalização dos princípios e valores constitucionais em estratos normativos inferiores, buscando maior concretude, vem limitar de forma salutar a atuação estatal (parte sempre mais forte nas relações com o cidadão), realizando a igualdade, valor fundante de sistemas democráticos, e a segurança jurídica clamada pelos diversos setores econômicos do país — sobretudo considerando que os investidores estrangeiros, após a crise de meados de 2002, voltam lentamente a reinvestir no país.
É importante ter-se em mente que o Estado que se pretenda democrático deve reconhecer-se como um meio e não um fim em si mesmo. Noutras palavras, o Estado não deve se afastar dos ideais que levaram à sua criação, qual seja, constituir um meio para que se atinja o bem comum. Dessa forma, o Estado quando nas suas relações com os cidadãos, aqui especialmente nas relações jurídico-tributárias, não pode atuar de forma desleal, ou na busca de interesses próprios por assim dizer.
O Estado, enquanto sujeito credor de tributos, nas suas relações com os particulares, ao se valer de sua inafastável superioridade para praticar atos contra os interesses primários da sociedade (vedação ao enriquecimento sem causa, p. ex.) em prol de interesses secundários da administração (necessidade arrecadatória) estará atuando em dissonância com o princípio da moralidade administrativa e, em última análise, contra princípios democráticos.
Nada obstante parte da doutrina constitucional já defender uma total efetividade normativa dos princípios constitucionais, bem como a conseqüente desnecessidade de edição de atos infra-constitucionais para produção de seus efeitos, fato é que, com a criação de um estatuto dos contribuintes, um conteúdo mínimo estaria sendo delineado de forma a preencher necessidades mínimas de segurança jurídica, produzindo efeitos práticos tais como a possibilidade de enfrentamento, ainda que indireto, de questões constitucionais pelos Tribunais Administrativos, que há muito vêm se esquivando de enfrentar temas dessa natureza.
Ademais, nenhum dano ao sistema constitucional seria produzido, pois ao juiz sempre será facultado aplicar ou não a lei ao caso concreto, além de interpretá-la conforme a Constituição, o que mantém a incolumidade e amplitude dos princípios constitucionais.
Nesse cenário, portanto, o Estatuto do Contribuinte deve surgir para dar real efetividade aos princípios constitucionais e garantias individuais dos cidadãos enquanto contribuintes, vinculando de forma mais concreta o comportamento da Administração, evitando interpretações nocivas aos anseios da sociedade no atual momento histórico e propiciando um cenário jurídico e econômico mais favorável.
Revista Consultor Jurídico