É possível a contratação de ambas cooperativas

Por Denise Maria Araújo

O objeto desta análise é o termo de conciliação judicial firmado entre a União e o Ministério Público do Trabalho, nos autos do processo 01082-2002-020-10-00-0, da Vigésima Vara Trabalhista de Brasília, em cotejo com a Lei de Licitações. Assim, em princípio, é necessário colacionar um trecho do mencionado termo:

Cláusula Primeira – A União abster-se-á de contratar trabalhadores, por meio de cooperativas de mão-de-obra, para a prestação de serviços ligados às suas atividades-fim ou meio, quando o labor, por sua própria natureza, demandar execução em estado de subordinação, quer em relação ao tomador, ou em relação ao fornecedor dos serviços, constituindo elemento essencial ao desenvolvimento e à prestação dos serviços terceirizados, sendo eles:

a) – Serviços de limpeza; b) – Serviços de conservação; c) – Serviços de segurança, de vigilância e de portaria; d) – Serviços de recepção; e) – Serviços de copeiragem; f) – Serviços de reprografia; g) – Serviços de telefonia; h) – Serviços de manutenção de prédios, de equipamentos, de veículos e de instalações; i) – Serviços de secretariado e secretariado executivo; j) – Serviços de auxiliar de escritório; k) – Serviços de auxiliar administrativo; l) – Serviços de office boy (contínuo); m) – Serviços de digitação; n) – Serviços de assessoria de imprensa e de relações públicas; o) – Serviços de motorista, no caso de os veículos serem fornecidos pelo próprio órgão licitante; p) – Serviços de ascensorista; q) – Serviços de enfermagem; e r) – Serviços de agentes comunitários de saúde.

Parágrafo Primeiro – O disposto nesta Cláusula não autoriza outras formas de terceirização sem previsão legal.

Parágrafo Segundo – As partes podem, a qualquer momento, mediante comunicação e acordos prévios, ampliar o rol de serviços elencados no caput.

Cláusula Segunda – Considera-se cooperativa de mão-de-obra, aquela associação cuja atividade precípua seja a mera intermediação individual de trabalhadores de uma ou várias profissões (inexistindo assim vínculo de solidariedade entre seus associados), que não detenham qualquer meio de produção, e cujos serviços sejam prestados a terceiros, de forma individual (e não coletiva), pelos seus associados.

Cláusula Terceira – A UNIÃO obriga-se a estabelecer regras claras nos editais de licitação, a fim de esclarecer a natureza dos serviços licitados, determinando, por conseguinte, se os mesmos podem ser prestados por empresas prestadoras de serviços (trabalhadores subordinados), cooperativas de trabalho, trabalhadores autônomos, avulsos ou eventuais;

Parágrafo Primeiro – É lícita a contratação de genuínas sociedades cooperativas desde que os serviços licitados não estejam incluídos no rol inserido nas alíneas “a” a “r” da Cláusula Primeira e sejam prestados em caráter coletivo e com absoluta autonomia dos cooperados, seja em relação às cooperativas, seja em relação ao tomador dos serviços, devendo ser juntada, na fase de habilitação, listagem contendo o nome de todos os associados. Esclarecem as partes que somente os serviços podem ser terceirizados, restando absolutamente vedado o fornecimento (intermediação de mão-de-obra) de trabalhadores a órgãos públicos por cooperativas de qualquer natureza.

Parágrafo Segundo – Os editais de licitação que se destinem a contratar os serviços disciplinados pela Cláusula Primeira deverão fazer expressa menção ao presente termo de conciliação e sua homologação, se possível transcrevendo-os na íntegra ou fazendo parte integrante desses editais, como anexo.

Parágrafo Terceiro – Para a prestação de serviços em sua forma subordinada, a licitante vencedora do certame deverá comprovar a condição de empregadora dos prestadores de serviços para as quais se objetiva a contratação, constituindo-se esse requisito, condição obrigatória à assinatura do respectivo contrato.

Do mesmo modo, é necessário trazer a lume o teor do artigo 3º, §1º, I, da Lei 8.666, de 1993, com a redação conferida pela Lei 12.349, de 2010:

Art. 3o A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (Redação dada pela Lei 12.349, de 2010)

§ 1o É vedado aos agentes públicos:
I – admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5o a 12 deste artigo e no artigo 3o da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991; (Redação dada pela Lei 12.349, de 2010)

Numa análise mais açodada, poder-se-ia concluir que, após a supramencionada alteração da redação do artigo 3º, §1º, I, da Lei 8.666, de 1993, a União estaria legalmente impedida de cumprir o acordo firmado em sede trabalhista, uma vez que, quando do mencionado ajuste, em 05 de junho de 2003, ainda não existia na Lei 8.666, de 1993, qualquer menção expressa à não discriminação, para fins de contratação pública, das sociedades cooperativas.

Entretanto, entendemos não haver qualquer incompatibilidade entre a nova redação do artigo 3º da Lei de Licitações e o que fora acordado nos autos do processo 01082-2002-020-10-00-0, da Vigésima Vara Trabalhista de Brasília – DF.

Em verdade, os fundamentos norteadores da conciliação em tela foram os previstos na legislação trabalhista – nacional e internacional -, e que não toleram cooperativas fraudulentas que visem, tão-somente, a descaracterização do contrato de trabalho, em flagrante burla ao artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, e à recomendação para promoção das cooperativas, 8.1.b, aprovada na 90ª sessão da Organização Internacional do Trabalho – OIT, exemplificativamente. Ademais, não se pode desconsiderar a experiência da Justiça Trabalhista para identificar, à partida, situações onde o que se vê não são genuínas cooperativas de trabalho.

Por sua vez, a legislação sobre contratação pública não tolera diferenciações injustificadas – que apenas pretendam restringir o caráter competitivo do procedimento licitatório-, pois o norte é a procura da proposta mais vantajosa, o que se satisfaz mediante a maior ampliação da competitividade possível.

Assim, o princípio da concorrência é atualmente a verdadeira “trave-mestra” da contratação pública,tornando os demais princípios corolários ou instrumentos seus ou, se se quiser, “contaminando-os”, exigindo ao intérprete que proceda à densificação de tais princípios numa perspectiva concorrencial ou segundo a lógica e os objetivos da contratação pública.[i]

Nessa linha de raciocínio, entendemos que se deve harmonizar a legislação do trabalho e das contratações públicas, para não afastar do processo licitatório, peremptoriamente, as sociedades cooperativas. Porém, em se tratando de cooperativas de trabalho, não devem ser contratadas as atividades mencionadas “nas alíneas ‘a’ a ‘r’ da Cláusula Primeira” do termo de conciliação firmado na Justiça do Trabalho. Assim, só podem ser contratadas as “genuínas sociedades cooperativas”, onde haja “absoluta autonomia dos cooperados, seja em relação às cooperativas, seja em relação ao tomador dos serviços”.

No que tange à sobredita autonomia, é o posicionamento do TCU, encartado no Acórdão 1815/2003 – Plenário,: “9.3.1.1. se, pela natureza da atividade ou pelo modo como é usualmente executada no mercado em geral, houver necessidade de subordinação jurídica entre o obreiro e o contratado, bem assim de pessoalidade e habitualidade, deve ser vedada a participação de sociedades cooperativas, pois, por definição, não existe vínculo de emprego entre essas atividades e seus associados;”

Ainda do supracitado Acórdão, é possível verificar importante passagem contida no Voto do Ministro Relator:

(…)Esclareço que, nesse caso, a vedação à participação de cooperativa não se faz em violação à Lei 8.666/93 ou ao texto constitucional. Pelo contrário. Assegura o princípio da isonomia, ao não permitir que entidades que se escusem de cumprir as obrigações trabalhistas concorram em condições desiguais com empresas regularmente constituídas.

Assegura o princípio da legalidade, ao evitar a burla às normas sociais relativas à organização do trabalho, que ocorre sempre em desfavor do obreiro.

Assegura, ainda, o princípio da economicidade, ao reduzir dramaticamente o risco de condenação judicial com base no Enunciado 331 do TST. (…)

Digno de nota, ainda, é que mesmo antes da Lei 12.349, de 2010 (que alterou a Lei de Licitações), já existia outra norma consagrando expressamente a necessidade de um tratamento não discriminatório às cooperativas. Ao contrário disso, o artigo 34 da Lei 11.488, de 15 de junho de 2007, passou a estender às cooperativas que tenham faturamento conforme o das microempresas e empresas de pequeno porte, as mesmas prerrogativas destas, previstas pela Lei Complementar 123, de 14 de dezembro, de 2006.

Assim, concluímos ser possível tanto a contratação de cooperativas de produção, quanto a contratação de serviços prestados por cooperados reunidos em cooperativas de trabalho, pela Administração Pública, excepcionando-se da possibilidade de contratação apenas aquelas que não sejam genuínas cooperativas de trabalho, por não atenderem aos requisitos contidos na conciliação firmada pela União, nos autos do processo 01082-2002-020-10-00-0, da Vigésima Vara Trabalhista de Brasília – DF, especialmente nas atividades mencionadas “nas alíneas ‘a’ a ‘r’ da Cláusula Primeira” do mencionado termo de conciliação.

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[i] Oliveira, Rodrigo Esteves de, “Os Princípios Gerais da Contratação Pública”, in Estudos de Contratação Pública – I, (Organização: Pedro Gonçalves). Coimbra: Coimbra Editora, 2008. pp. 66-67

Denise Maria Araújo é Procuradora da Fazenda Nacional, Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Federal de Uberlândia e Pós-graduada em Contratação Pública pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra / Portugal.

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