É preciso conciliar desenvolvimento sustentável com projetos de mineração

Autor: Bruno Feigelson (*)

 

Em cada produto comercializado, há uma porcentagem de minerais. Paredes das casas, dutos de água e esgoto, tintas que colorem roupas, papéis e móveis, veículos, aviões, embalagens e até remédios. Todos esses bens contêm minerais ou são gerados a partir deles, deixando clara a importância da mineração na vida do planeta. Cerca de 80% do que se utiliza nos dias de hoje têm a presença de minerais.

No Brasil, o setor é responsável por um terço do Produto Interno Bruto. As diversas minas em atividade no país produzem 72 substâncias minerais diferentes. E a mineração goza de prerrogativas constitucionais, conforme se observa na leitura do artigo 176 da Constituição Federal. A legislação nacional prevê ainda que a mineração é uma atividade de interesse público. Não só o histórico Decreto-Lei 3.365/41 aborda o tema, em seu artigo 5º, f , como também normas ambientais como o novo Código Florestal, em seu artigo 3º, VIII, b, e o artigo 2º, inciso I, c, e a Resolução do Conama 369/2006.

A opção do constituinte e do legislador infraconstitucional em tratar da mineração, e especialmente caracterizá-la como de interesse nacional e público, é plenamente justificada nos inúmeros benefícios sociais relacionados com a atividade. Geração de empregos, aumento das exportações, incremento da comercialização de máquinas e equipamentos produzidos no país e circulação de riquezas são alguns deles. Há também o recolhimento de CFEM, arrecadação de impostos federais, estaduais e municipais.

Todos esses benefícios, no entanto, têm sido inibidos por uma suposta precaução como forma de proteção ao meio ambiente e a grupos sociais. Parece urgente, portanto, abordar a compatibilização entre a mineração e a proteção ambiental, algo que já é feito por empresas mineradoras legalmente constituídas e traz efeitos positivos para o ambiente e as sociedades afetadas.

Os investimentos na infraestrutura regional, a implementação de projetos socioambientais locais e o desenvolvimento das condições da região que recebe o empreendimento são os três principais aspectos a serem refletidos e ponderados em relação às questões ambientais.

Dentro do fomento socioambiental, as iniciativas comumente adotadas pelas mineradoras abrangem o compromisso de priorização de mão de obra e de fornecedores locais, parcerias estratégicas locais, ocupação consciente do território e valorização do protagonismo local. O intuito é potencializar os investimentos, mitigar e controlar os impactos negativos, maximizar os impactos positivos, oportunizando o protagonismo da população local na tomada de decisões.

Com relação ao protagonismo local, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente Sustentabilidade (Semas) do Pará inovou ao incluir em seu processo de licenciamento ambiental a dinâmica das oficinas participativas com as comunidades influenciadas por um empreendimento.

No âmbito da mineração, a existência de recursos geológicos sem a devida explotação por parte de mineradoras de grande porte, regularmente constituídas, tendem a estimular a prática de uma das condutas mais impactantes sociais e ambientais, que é o garimpo ilegal. Ao contrário das mineradoras organizadas, nacionais ou internacionais, os garimpos ilegais não seguem critérios rigorosos exigidos pelos órgãos ambientais.

O que se observa é que, ao revés do que pretendem fazer crer alguns ambientalistas, a atividade minerária realizada por meio de empresas sérias e atentas às questões da sustentabilidade e do princípio da função socioambiental pode corroborar com a preservação de áreas ambientais protegidas, não o oposto.

Estudos científicos têm sido elaborados nas últimas décadas para compreender a real dimensão dos efeitos positivos e negativos da mineração. Um exemplo é o trabalho feito em 2008 pela doutora Maria Amélia Rodrigues da Silva Enriquez, da Universidade Federal do Pará (UFPA), no qual se questionava se a atividade de mineração no Brasil seria compatível com a dimensão ecológica do desenvolvimento. Para responder a essa questão, foram feitos levantamentos em 15 grandes municípios mineradores, em oito estados brasileiros (Amapá, Bahia, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Santa Catarina e Sergipe).

Através de uma série de indicadores secundários, comparou-se a trajetória ambiental dos municípios mineradores com os seus entornos não mineradores. Os resultados demonstram que os municípios de base mineradora têm um forte sistema de proteção ambiental, uma vez que a dimensão ecológica está razoavelmente institucionalizada em torno de marcos regulatórios e órgãos especialmente voltados para o trato da questão ambiental.

Não restam dúvidas de que a mineração é fundamental para a economia brasileira, sendo certo que a sua interrupção, principalmente nas áreas mais longínquas do país, que carecem de investimento em infraestrutura, gera impactos sem precedentes para a economia local e para o Brasil. Por isso, é importante que o Poder Judiciário, ao enfrentar conflitos referentes à atividade minerária, interprete as lacunas da legislação ambiental visando o avanço social e não, de forma atávica, impedindo o investimento de mineradoras brasileiras e estrangeiras no país.

É imperioso que os tribunais, no âmbito de ações intentadas especialmente pelo Ministério Público, tratem de maneira adequada o princípio da precaução. Muitas vezes se observa que a concepção menos atenta do mencionado princípio acaba por confundir, de forma ultrapassada, o risco com o próprio dano.

O princípio da precaução encontra previsão no artigo 15 da Declaração Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas, firmada no Rio de Janeiro em 1992, que determinada o seguinte: “Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”.

O texto é muito claro: precaução não é simplesmente dizer “não” para qualquer atividade econômica. Nessa toada, é importante citar o voto do ministro Dias Toffoli, no Recurso Extraordinário 627.189, julgado sob o rito da repercussão geral, contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que determinara redução do campo eletromagnético de linhas de transmissão de uma concessionária de energia elétrica, fundamentado no “princípio da precaução”. Segundo o ministro, próximo a assumir a Presidência do STF, “não há vedação ao controle jurisdicional das políticas públicas quanto à aplicação do princípio da precaução, desde que a decisão judicial não se afaste da análise formal dos limites desse conceito e que privilegie a opção democrática das escolhas discricionárias feitas pelo legislador e pela administração pública”.

A suspensão de uma licença ambiental, por exemplo, pode implicar na extinção de todo o empreendimento. É o que está ameaçado de ocorrer nesta semana com o Projeto Volta Grande, cujos investimentos de R$ 1,2 bilhão da mineradora canadense Belo Sun para exploração de uma mina de ouro no Pará estão embargados pela Justiça sob a alegação de falta de Estudo do Componente Indígena (ECI), algo sequer obrigatório para esse empreendimento e que, ainda assim, foi feito pela empresa.

Não se pode, por exemplo, com o objetivo de salvaguardar terras indígenas, quilombolas e o meio ambiente, fulminar, sem prévia análise científica fundamentada que demonstre a total incompatibilidade do empreendimento mineral com os princípios protetivos de natureza socioambiental, uma atividade prevista na Constituição Federal como de interesse público, conforme preceitua o artigo 176, parágrafo 1º, da Constituição Federal.

Será que o princípio da precaução pode ser interpretado de forma extensiva ao ponto de formar uma culpa presumida? A incerteza científica do dano ambiental é presunção de nocividade?

A probabilidade de um dano quase remoto se configura em uma preocupação desnecessária e desarrazoada, em alguns casos. O princípio da precaução é, na verdade, uma medida racional para que possíveis danos sejam evitados. Não justificando, portanto, condutas sem fundamento técnico e de mero caráter ideológico. Há que se respeitar, acima de tudo, a capacidade dos órgãos ambientais, constitucionalmente eleitos para tratarem dos licenciamentos.

É imperioso pontuar que as mineradoras são obrigadas a cumprir diversas exigências técnicas para obter as licenças ambientais. Tal fato impede, por exemplo, a atuação de madeireiros e garimpeiros irregulares, que agem de forma clandestina sem observar qualquer orientação legal durante a extração da sua matéria-prima. Ou seja, há que se observar que muitas vezes a restrição da atividade regular, amplamente regulada e amarrada em exigências, acaba por estimular condutas ilegais extremamente danosas do ponto de vista ambiental e social.

A esse respeito, é importante pontuar lições do professor Paulo de Bessa Antunes, que assim expressa: “Não há qualquer previsão legal para uma aplicação genérica do Princípio da Precaução, sob o argumento de que os superiores interesses da proteção ambiental assim o exigem. De fato, é muito comum que, na ausência de norma específica para o exercício de uma determinada atividade, a administração pública se socorra de uma equivocada interpretação do princípio da precaução para criar obstáculos, violando os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da prevalência dos valores do trabalho e da livre-iniciativa e frustrando os objetivos fundamentais da República, quais sejam, garantir o desenvolvimento nacional (Constituição Federal, art. 3º, II) e erradicar a pobreza e marginalização (Constituição Federal, art. 3º, III)”.

O que se observa é que o princípio da precaução tem sido usado como fundamento jurídico determinante para a inversão do ônus da prova em ações de cunho ambiental, com deslocamento da responsabilidade pela produção de provas científicas para a mineradora, mesmo quando se está diante de uma situação na qual a ciência é incapaz de fornecer respostas absolutas acerca dos riscos (e de sua extensão) representados por essa atividade.

Sob essa ótica, não resta demonstrado o risco intrínseco da atividade de mineração e um possível dano ambiental. Tal afirmação dependerá do caso concreto. Em consequência, a inversão probatória não pode ser deferida nem com base nos princípios do poluidor pagador, prevenção e precaução; nem, tampouco, com base em outro princípio, já que inexistente qualquer associação entre o risco intrínseco da atividade econômica desenvolvida pela mineradora e o dano. A mera suposição não pode promover a inversão do ônus da produção da prova, restando comprovado que o princípio da precaução deve ser aplicado de maneira cautelosa pelo julgador.

Em face do exposto, é necessário que seja feita uma ponderação entre os princípios constitucionais, priorizando sempre o interesse coletivo. Não se pode adotar uma visão maximalista, que pressupõe ser o princípio da precaução preponderante em relação aos demais e que não é limitado por nenhuma norma legal ou administrativa. Observa-se que, caso o procedimento administrativo tenha sido conduzido com base nos ditames da Constituição Federal e das normas infraconstitucionais, não há que se argumentar sobre a judicialização da questão, sob pena de que o Judiciário atravanque o desenvolvimento da atividade minerária autorizada pelos órgãos administrativos competentes que outorgam as suas licenças com base em critérios técnicos e objetivos.

Nas palavras do professor Paulo de Bessa Antunes: “O que tem ocorrido é que, muitas vezes, uma opinião isolada e sem a necessária base científica tem servido de pretexto para que se interrompam projetos e experiências importantes. Dúvida é um elemento fundamental no avanço da ciência, pois sem ela acreditaríamos na quadratura da Terra. Todo conhecimento científico é sujeito à dúvida”.

Em síntese, o controle jurisdicional da legalidade e da legitimidade na aplicação do princípio da precaução deve ser exercido com extrema prudência e precaução, vislumbrando não gerar incertezas jurídicas capazes de proporcionar retrocesso econômico e social sem precedentes para as comunidades onde estão ou poderiam estar os empreendimentos minerários, posto que dificilmente existirá um produto ou serviço que possa estar livre de qualquer margem de risco à saúde ou ao meio ambiente.

 

 

 

Autor: Bruno Feigelson  é advogado especialista em Direito Minerário e Ambiental e autor do livro “Curso de Direito Minerário” (Editora Saraiva).


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