É preciso pensar numa Lei Pelé para os árbitros

por Borny Cristiano So

Foi realizada uma pesquisa de fim de ano, num jornal de grande circulação, apurando-se que o maior acontecimento ligado ao esporte em 2005 foi o escândalo do apito.

Ora, se isto demonstra a preocupação do brasileiro com o esporte pelo qual é mais apaixonado, esconde, por outro lado, as ofensas que os árbitros brasileiros sofrem quando falamos de seus direitos laborais.

Primeiro, comecemos pelo artigo 88 da Lei Pelé, que prevê em seu parágrafo único que “(…) os árbitros e seus auxiliares não terão qualquer vínculo empregatício com as entidades desportivas diretivas onde atuarem, e sua remuneração como autônomos exonera tais entidades de quaisquer outras responsabilidades trabalhistas, securitárias e previdenciárias”.

O referido artigo trata-se de flagrante inconstitucionalidade, pois afronta os direitos dos trabalhadores consagrados pelo legislador constituinte e pela CLT. Existe sim vínculo empregatício entre árbitros e seus respectivos empregadores (entidades desportivas diretivas), pois todos os requisitos necessários e previstos no artigo 3º da CLT se mostram claros na relação laboral entre um árbitro de futebol e a entidade desportiva diretiva.

No caso concreto, temos a formatação utilizada por diversas entidades. Obriga-se o árbitro a assinar documentação, no qual afirma ser profissional autônomo e que aceita a condição de receber sua “taxa” diretamente do sindicato da categoria ou do clube mandante da partida. Tudo isso para burlar a legislação trabalhista e camuflar a existência de vínculo empregatício.

Entretanto, o vínculo empregatício é facilmente configurado. Fiquemos a princípio com a subordinação, que é o principal dos requisitos necessários. Além de não escolher qual partida irá apitar, o árbitro é obrigado a trabalhar, deslocando-se para a cidade designada. Ou apita ou apita. Caso contrário, é colocado na “geladeira” pela Comissão de Arbitragem.

E mais. Quem seleciona os árbitros para seus quadros permanentes é a própria entidade desportiva diretiva. É ela que organiza, planeja e arca com as despesas das pré-temporadas realizadas no início do ano. Os árbitros também são obrigados a utilizar os uniformes cedidos pela federação na qual esteja filiado. Ou seja, são inúmeros os exemplos que caracterizam perfeitamente a existência do vínculo empregatício entre árbitro de futebol e a entidade desportiva diretiva.

Recentemente, a Federação Paulista de Futebol sinalizou para uma real profissionalização da categoria. Falam os dirigentes que um seleto grupo de árbitros será escolhido e estes terão direito ao registro em carteira de trabalho, plano de saúde, depósitos fundiários e outros. O que acontecerá é que, novamente, apenas alguns serão agraciados pelos dirigentes, podendo vir a sofrer pressões para serem mais amigos de alguns clubes. E o pior: desrespeitará também o princípio da isonomia constitucional, pois tratará dois árbitros de forma diferente — aquele com registro na funcional e aquele ainda tratado como profissional autônomo.

É preciso urgentemente pensar numa carta de alforria para a categoria dos árbitros de futebol; numa Declaração dos Direitos dos Árbitros. É preciso regulamentar a matéria; criar mecanismos de profissionalização, mas também de proteção aos seus direitos como trabalhador.

O futebol brasileiro precisa de árbitros profissionais. A profissão precisa ser finalmente regulamentada. É preciso pensar numa Lei Pelé para a arbitragem.

Este é um dos pilares para a modernização administrativa do futebol brasileiro.

Revista Consultor Jurídico

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